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As ditaduras não são eternas…

Recentemente participei de uma atividade na Assembleia Legislativa promovida pelo deputado Enivaldo dos Anjos, de relançamento do livro “As Ditaduras não o são Eternas” Memórias da resistência ao golpe de 1964 no Espirito Santo.
Tive a honra de discursar da Tribuna da Assembleia em nome dos ex- presos políticos, dos cassados, dos exilados, dos banidos, dos mortos, dos familiares e de todos os perseguidos políticos e vítimas da ditadura civil militar. Reafirmei que as ditaduras não são eternas, mas que deixam marcas e feridas que custam cicatrizar. A presidenta do Chile, Michelle Bachelet, que foi presa politica e teve seu pai um oficial das Forças Armadas assassinado pela ditadura do general Pinochet, disse que “só as feridas lavadas cicatrizam”.  No Brasil temos ainda muitas feridas não cicatrizadas, que precisam ser lavadas.
A ditadura brasileira durou 21 anos. Essa ditadura que rasgou a Constituição e derrubou o presidente eleito João Goulart, em 1964, que cassou os governadores Miguel Arraes de Pernambuco, Seixas Doria de Sergipe, e Francisco Lacerda de Aguiar do Espírito Santo. Além de extinguir todos os partidos políticos.
Com medo do povo roubaram o seu direito de voto. Os marechais e generais ditadores que governaram o Brasil eram escolhidos, dentro dos quartéis, os governadores eram biônicos indicados pelos militares e referendados pelas Assembleias Legislativas, os prefeitos das capitais, assim como um terço dos senadores também eram de biônicos eleitos sem votos. O Congresso Nacional foi fechado várias vezes. 
Essa mesma ditadura cassou centenas de mandatos eletivos de prefeitos, vereadores deputados estaduais e federais e de senadores. Aqui no Estado cassou o mandato do deputado federal Ramon de Oliveira, do PTB, e do deputado federal Mário Gurgel e dos deputados estaduais  Dailson Laranja e José Inácio.
Na universidade, o reitor da UFES foi cassado sob o pretexto de que era amigo de Ramon de Oliveira, prenderam e demitiram o professor Aldemar de Oliveira Neves. Montaram uma rede de  delações,  que produzia dossiês, relatórios e informes para perseguir quem eventualmente discordasse ou emitisse opiniões, discordantes dos ditames da tirania que o Brasil estava submetido. A Comissão da Verdade da Ufes fez um grande trabalho recolhendo documento e colhendo depoimentos, que provam violações de direitos humanos na Instituição, mas certamente muito há por fazer, nem todos os  Inquéritos Policias Militares IPMs e documentos produzidos pela ASI foram localizados.
No Movimento Sindical: Fizeram intervenção e extinguiram entidades sindicais no Estado como a Comando Geral Trabalhadores  e a União dos Lavradores. Cassaram mandatos e prenderam vários dirigentes sindicais.
No Movimento Estudantil, fizeram intervenção na União dos Estudantes Universitários UEE, prenderam seu presidente Jayme Lana, fecharam a União Estadual de Estudantes Secundaristas UESE.
Extinguiram e prenderam dirigentes da Frente de Mobilização Popular constituída de partidos, sindicatos, entidades estudantis, parlamentares e personalidades. 
Implantaram uma vasta rede de delação nas grandes empresas publicas: Vale do Rio Doce, Correios, Caixa Econômica, Banco do Brasil, UFES etc. com base nas ASI e nos departamentos de Recursos Humanos. Os dirigentes destas instituições ou das assessorias de Seguranças Institucionais eram chamados para reuniões no 3º BI- Batalhão de Infantaria, hoje 31º BI situado em Vila Velha, para prestar informações, receber orientações dos órgãos de informações e de repressão politica.
Na Policia Militar, retiram o direito de ser comandada por um oficial da PM. O Exercito  escolhia e nomeava como comandante, um oficial do próprio  Exército.
No Judiciário estadual e federal impuseram total subordinação, salvo honrosas exceções de alguns poucos juízes e promotores. O exemplo mais gritante no Espírito Santo foi do procurador federal Geraldo Lima, que mantinha estreita ligação com os órgãos de informação e repressão politica, conforme denúncias do delegado Cláudio Guerra no corajoso livro “Memoria de uma Guerra Suja” escrito pelos jornalistas  Rogério Medeiros e Marcelo Netto. Neste livro o delegado Guerra relata com detalhes a participação desse procurador e de agentes de informação, militares da PM e do Exercito na pratica de crimes de violações de direitos humanos, bem como a utilização de fornos da Usina Cangayba em Campos, RJ, para queimar corpos de opositores políticos.
Nos meios empresarias do Espirito Santo contavam com colaboradores que financiavam e se beneficiavam da relação promiscua e criminosa com a repressão politica.
Nos meios de comunicação fecharam o semanário Folha Capixaba, o único que se manteve fiel na defesa da democracia e das reformas de base e impuseram censura aos demais meios de comunicação 
Fizeram buscas na biblioteca do Seminário de Teologia, ameaçaram religiosos e membros da maçonaria que apoiavam as reformas de base, que era um programa nacionalistas de desenvolvimento.
O Brasil vive hoje o seu maior período de democracia, mas ela ainda está frágil, longe de se completar. Há muito o que fazer por toda a parte. Basta ver as manifestantes nas ruas e nas redes sociais pedindo o retorno dos militares, o retorno da ditadura militar, a defesa da tortura e dos torturadores. Temos que reconhecer que persiste o perigo de retrocessos.
A Comissão da Nacional da Verdade-CNV, e muitas outras comissões da verdade pelos estados  concluíram também seus  trabalhos  produziram relatórios e conclusões sobre as investigações dos crimes de violações de direitos humano praticados  durante o período ditatorial.
Mas isto não é suficiente, embora seja um importante passo, não basta conhecer a verdade dos fatos e das violações dos direitos humanos é preciso criar condições para que eles não mais se repitam.
A Comissão Nacional da Verdade, em uma das suas recomendações, indica a retirados dos nomes dos ditadores, dos torturadores e violadores de direitos humanos, de todos os monumentos e locais públicos,  praças e logradouros, pontes e rodovias, escolas etc.
No Estado, o poder público, deve tomar essa iniciativa, como foi feito na UFES, de retirar as homenagens aos ditadores, e violadores de direitos humanos. Por um Projeto de Lei ou e em alguns casos por um Decreto, normatizaria os procedimentos para a retirada dos nomes dos violadores de direitos humanos e para a escolha de outros nomes que tenham contribuições prestadas à comunidade, à ciência, à cultura e à luta pele democracia no Estado e no Brasil.
Temos no Espirito Santo, nomes de rodovias e de escolas, homenageando os ditadores marechal Castelo Branco e o marechal Costa e Silva e outros violadores de direitos humanos. Não se trata de uma simples troca de nomes é um posicionamento politico, que valoriza de maneira permanente a luta pela democracia e uma condenação a todas as ditaduras e seus métodos.
Devemos lembrar e refletir que o presidente Kennedy, dos Estados Unidos, participou diretamente da trama para derrubar o presidente João Goulart, legitimamente eleito, e implantar uma sanguinária ditadura militar no Brasil e hoje dá nome a um município capixaba.

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