Tomba mais um guerreiro, diz um dos 100 jornalistas que se juntaram em 1968 em São Paulo para fundar a revista Veja sob a direção do navegador genovês Mino Carta.
Quem tombou desta vez foi Claudio Lachini (Colatina, 1941), que estudou Direito em Vitória antes de embarcar na canoa paulistana ao lado de uma centena de remadores aliciados em várias capitais e até em cidades do interior.
Único capixaba entre uma centena de talentosos brasileiros selecionados para suar em madrugadas tensas na beira do rio Tietê, Lachini compensava a solidão falando por dois e bebendo por três.
Mais do que jornalista-remador, foi poeta e narrador primoroso, como se pode conferir abaixo, lendo trechos de sua memorável escrita.
Do seu livro O Que Se Viveu, de 1991, que reune poemas escritos em Vitória, São Paulo, Curitiba e em alguns momentos no exterior, seleciono “Aqui, onde o mineral transformado”, escrito em 1968, o ano em que se estabeleceu em São Paulo:
“Aqui, onde o mineral transformado/nos esmaga sem contemplação,/ somos todos os homens/ que têm coração, ternura e luto. /O trabalhador que revolve a terra/no cimento, recoberto de argamassa e asfalto/me dá a mão como um irmão./Pernambuco, Maranhão, Bahia, Rio/como corcovados bem acabados/ espalmam a tarde como quem/ainda quer regressar./Mas todo mundo vai ficando/na noite de entorpecer,/como o entardecer do sanguíneo copo que bebemos”.
Depois, em 2000, ele publicou ANÁBASE, a história do jornal Gazeta Mercantil, do qual foi um dos diretores. Era um livro encomendado, para atender aos interesses da Casa, mas o autor colocou nele a alma do jornalista que acompanhou, por dentro, a evolução da economia brasileira ao longo de três décadas, dos anos 1970 ao final do século XX. É um livro que não se folheia impunemente. Basta abri-lo e fixar os olhos nas suas letras graúdas: impossível não cair na leitura, pois Lachini lhe deu um ritmo de crônica.
Os melhores livros do capixaba Claudio Lachini foram os romances históricos Sperandio (Barcarolla, 2007) e Vasco (Barcarolla, 2009), que poderiam inscrever-se tranquilamente no panteão da literatura fantástica latino-americana.
Leiam o início genial de Sperandio, um capixaba de origem italiana: “Meu nome foi Sperandio Zibaldone. Estou no limbo, onde habitam os seres vividos na Terra e mortos sem destino, como sucede aos animais da espécie dita humana. Os demais bichos, de chão, de mar e de ar, não sei para onde seguem quando falecem, se por acaso algum lugar lhes é destinado. Aqui não sinto frio, calor, fome, sede, desejo sexual, ambição, medo, ódio ou rancor. Meu estado físico é decomposto ao natural. O mundo viaja e seu caminho é inexorável. (…) Quem tem sorte, queima até o toco da vela”. São mais de 200 páginas nessa toada fantástica.
Por fim, em Vasco, Lachini conta (na primeira pessoa, como se fosse uma autobiografia) a história de Vasco Coutinho, o primeiro donatário da capitania do Espírito Santo, que chegou à baía de Vitória em 1534. Para as orelhas dessa obra de 250 páginas escrevi um textinho do qual extraí uma frase-síntese: “Este livro, meio ensaio histórico, meio livro de memórias, tem um encantador sotaque luso antigo que traz à tona um Portugal esquecido, ainda que cantado por Camões”.
Com essa narrativa fantástica, Lachini elevou-se ao nível mais alto da literatura brasileira. Se não foi festejado nem badalado, talvez a resposta esteja dentro do famoso cesto de caranguejos capixabas, de onde não se alça unzinho que seja, todos sufocados pela inveja.
LEMBRETE DE OCASIÃO
“Rodar o pião já passou,
a bola ainda é uma possibilidade
e fazer a barba, uma necessidade.”
Vitória. 1968
(Poema de Claudio Lachini (1941-2016)