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Defensoria Pública apura responsabilidades em mortes de bebês na UTI do Hospital Infantil de Vila Velha

Familiares dos bebês que morreram na UTI Neonatal do Hospital Infantil de Vila Velha (Heimaba) podem comparecer aos núcleos especializados da Defensoria Pública do Espírito Santo (DPES) para acrescentar informações ou quaisquer outros dados importantes para a adoção de providências no caso.
 
A DPES instaurou um procedimento administrativo “para colheita de elementos quanto à possível demanda coletiva envolvendo o direito à vida, à integridade física e psíquica, bem como proteção à convivência familiar e à dignidade da pessoa em relação ao Hospital Infantil de Vila Velha”, conforme nota publicada nessa quinta-feira (24) pelo órgão. Os trabalhos estão sendo desenvolvidos pelos núcleos de Infância e de Direitos Humanos.  
 
De acordo com os defensores públicos da Infância e Juventude, Hugo Matias e Renzo Gama, a entidade está colhendo informações, expedindo ofícios e avaliando a possibilidade de inspeções. Além disso, está disponível para reuniões de atendimentos às vítimas. Em seguida, irá verificar o cabimento de providências administrativas, como Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) ou medidas judiciais como uma ação civil pública. “No momento, os núcleos de Direitos Humanos e da Infância estão atuando no enfoque coletivo. Se as pessoas procurarem a Defensoria, também poderemos agir individualmente”, explicou.
 
O Núcleo da Infância e Juventude da DPES ressaltou ainda que, nos termos do artigo 227 da Constituição, a promoção dos direitos de crianças e adolescentes é absoluta prioridade no Estado brasileiro. E reafirma seu compromisso no sentido de promover a defesa integral judicial e extrajudicial dos direitos humanos de crianças e adolescentes no Espírito Santo.
 
Integrantes do Conselho Estadual de Saúde e de outras entidades, como sindicatos e movimentos sociais, já se manifestaram publicamente requerendo que os números de óbitos ocorridos na UTI Neonatal do Hospital Infantil de Vila Velha sejam auditados. A Organização Social (OS) que assumiu o hospital em outubro do ano passado, Instituto de Gestão e Humanização (IGH), é acusada de manipular informações públicas e de ocultar o livro de óbitos em que as mortes dos bebês devem ser registradas, além de outros documentos.
 
Relatório com dados oficiais da Secretaria de Estado da Saúde (Sesa) ao qual Século Diário teve acesso, por meio do Sindicato dos Trabalhadores da Saúde no Estado (Sindsaúde-ES), indica que, no período de seis de outubro até 22 de dezembro de 2017, quase 30 recém-nascidos morreram na Utin do Heimaba. No entanto, os dados são apenas o extrato de um período. A IGH tem gerido o Infantil de Vila Velha há mais de sete meses, seguindo para o oitavo, que será inteirado em 1º de junho próximo. 
 
Relatos das mães
 
Pelo menos duas mães vieram a público acusar a atual administração do Heimaba e a Secretaria de Estado da Saúde, responsável pela fiscalização da empresa e serviços terceirizados, por negligência que culminaram com as mortes de seus bebês. O casal Priscila Sousa Claudino, 28 anos, e Elias Silva Claudino, 47, perdeu a única filha, Elisa Vitória Sousa Claudino, aos 43 dias de nascida na UTI Neonatal do Heimaba, no dia 13 janeiro deste ano. Para eles, Elisa foi vítima de maus-tratos e negligência.
 
Depois do nascimento, os médicos indicaram a transferência da rescém-nascida para a Utin do Heimaba, local onde Elisa iria se tratar de uma infecção urinária. No local, no dia em que receberia alta, foi descoberto que a bebê havia nascido com uma pequena anomalia no coração, que poderia ser corrigida numa cirurgia. No entanto, o procedimento não chegou a ser realizado, pois a bebê, dois dias depois, contraiu uma bactéria que se alojaria no intestino e se tornaria fatal em pouco tempo. 
 
“Temos como provar que ela chegou ao hospital sem essa bactéria, que foi adquirida por um cateter proliferado”, disse Priscila, que atesta ter sido testemunha da falta de cuidados com a esterilização. Priscila, que tem ovários policísticos, levou três anos para engravidar e realizou todos os cuidados necessários com o pré-natal.   
 
Outra vítima é Michelly Barbosa, uma jovem de 24 anos. “Fiz pré-natal, mas meu bebê nasceu com seis meses, prematuro. Disseram que, apesar disso, ele era saudável. Bastava apenas ficar um tempo na incubadora até ganhar mais força. Mas ele contraiu uma bactéria e precisava de uma transfusão de sangue, da qual não fui avisada. Vi que ele estava pálido e foi então que me disseram que estavam esperando sangue, sendo que na minha família havia doadores compatíveis. Na virada do ano, as enfermeiras reclamaram muito, eram apenas três para cuidar de mais de 10 bebês. Cheguei um dia a incubadora estava aberta, acredito que tenha sido infectado por bactéria por isso”, disse Michelly que está acionando a Justiça.  
 
Fatores para as mortes
 
Os relatos de antigos e atuais trabalhadores, incluindo médicos que atuaram na Utin e o Sindsaúde-ES, convergem para o fato de que o Instituto de Gestão e Humanização tem descumprido cláusulas do contrato aos olhos do governo do Estado. Uma delas é contundente em afirmar que trabalhadores, para atuar na UTI Neonaltal, devem ter experiência na área. 
 
O resultado desse descumprimento pode ter desencadeado uma série de erros; entre eles, a iatrogenia (aplicação equivocada de remédios) e também a não administração devida dos medicamentos, além de descuidos com diversos protocolos, incluindo os de higienização.
 
Nos primeiros meses de transição, foi noticiado pelos veículos de comunicação do Estado que um recém-nascido havia caído no chão na Utin. “Qualquer erro num hospital infantil é fatal; não é como o tratamento de adultos. Eu mesma, que tenho 15 anos de enfermagem, não trabalharia numa UTI Neonatal, são bebês muito pequenos e sensíveis. Sabemos que há trabalhadores inexperientes lá dentro porque o salário que a empresa IGH paga é menos da metade que um servidor do Estado recebe. Ninguém com experiência fica para receber aquela miséria”, disse Valezka Fernandes Morais de Souza, uma das diretoras do Sindienfermeiros-ES.
 
Funcionários relatam ainda que faltam materiais básicos, como luvas, seringas, microporos, termômetros, álcool gel e até sabão. Outros equipamentos são insuficientes para atender toda a demanda, como agulhas de aspiração, bombas para ministrar medicamentos, manguitos e oxímetros (instrumento que determina fotoeletricamente a saturação de oxigênio).
 
“Teve plantão meu de ocorrerrem até três óbitos. Quando as mortes ocorrem, é preciso preencher uma série de papeis com mais de uma via, mas todas eram levadas e escondidas. Ninguém sabe onde está o livro de óbitos”, disse uma ex-trabalhadora da Utin que prefere não ser identificada. 
 
Os relatos apontam ainda que a Utin do Heimaba não tem a mesma equipe de enfermagem que atuava antes da terceirização. Apenas na coordenação do setor, já passaram quatro profissionais diferentes e há trabalhadores cumprindo aviso prévio em função dos baixos salários e péssimas condições de trabalho. 
 
Denúncias, fotos e vídeos enviados para o Sindsaúde-ES indicam, ainda, que paredes do banco de leite, anexo à Utin, estavam tomadas por mofo. Além disso, o próprio espaço que abriga a UTI Neonatal tem problemas com infiltração. Numa chuva mais forte deste ano, foi preciso espalhar baldes pelo espaço em função das goteiras, o que foi registrado em vídeo. 

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