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Coragem, seu nome é Sapê do Norte

O contrário do amor não é o ódio, mas o medo. Portanto, o melhor sinônimo para amor é coragem. E só isso explica a valentia característica dos quilombolas que vivem e resistem em meio ao deserto verde que a Aracruz Celulose (Fibria) implantou, a partir da década de 1950, em substituição à floresta que cobria o Território Quilombola Tradicional do Sapê do Norte, nos municípios de Conceição da Barra e São Mateus.

Afinal, trata-se de uma empresa que há mais de meio século subjuga (ou seduz por analogia?) os governos federal, estaduais e municipais; que impõe sua própria lei aos órgãos fiscalizadores e licenciadores e até a muitos personagens do Judiciário; que praticou crimes violentos (grilagens, ameaças, cooptações e vandalismos) para expulsar milhares de quilombolas, indígenas e camponeses de suas propriedades, apropriando-se de centenas de milhares de hectares de terras planas e abundantemente irrigadas por incontáveis (milhares, certamente, segundo a história oral local) rios, córregos, nascentes e lagoas.

São crimes e violências fartamente denunciados em processos judiciais (com espasmos de lucidez e senso de justiça do Judiciário), pela Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) instaurada no início dos anos 2000 na Assembleia Legislativa do Espírito Santo, e por ações de movimentos e entidades de proteção ambiental e dos direitos humanos.

Pois bem, falamos de um amor genuíno e potente e de um senso de pertencimento elevado. De uma convicção orgânica que os quilombolas nutrem sobre a legitimidade de lutarem para serem felizes sobre um chão que lhes pertence, de fato e direito (a Fundação Palmares já reconheceu mais de uma dezena de comunidades quilombolas, mas nenhuma ainda foi titularizada), há temos ancestrais.

“Se plantar eucalipto aqui, a gente arranca”. “Temos que defender o que é nosso, senão ela passa por cima”. “Não tenho medo não, se ela quebra, eu faço de novo” – frases corriqueiras, ditas entre sorrisos serenos que refletem uma alegria de viver vigorosa, resistente às tempestades mais sombrias.

Cobrir com humanidade e ética o que ocorre com os quilombolas em seu território tradicional é uma missão que Século Diário encampou desde que nasceu. Por ser a forma mais autêntica e justa de denunciar uma tragédia prevista por Augusto Ruschi para o norte do Espírito Santo, nos primórdios da história da destruição da Mata Atlântica de tabuleiro capixaba em nome da produção de celulose que abastece as fábricas de papel higiênico e lenços descartáveis da Europa.

No início foram os correntões metálicos – 100 metros de elos metálicos de 50 kg, presos nas extremidades por dois grandes tratores – a arrancarem árvores centenárias pelas raízes, e tudo o mais que houvesse pela frente, incluindo a fauna de pequeno e médio porte, enquanto os capangas da Aracruz Celulose, hoje Fibria, disparavam tiros e ameaçavam famílias inteiras enquanto as mesmas não lhes vendessem as propriedades a preços vis.

Hoje, são os sobrevoos com agrotóxicos, o secamento da pouca água restante, as cooptações por meio de empregos de baixa remuneração, as tentativas de desmoralização das lideranças por meio de crimes inventados e até o extermínio de espécies importantes do ponto de vista cultural e ecológico, como as jaqueiras e dendês.

Os crimes continuam, a impunidade continua, a cumplicidade do Estado e do Judiciário continuam.

Mas a vida continua pulsando. Misteriosamente, talvez, pois o olhar dos não-quilombolas, não-indígenas e não-camponeses não se ajusta facilmente a enxergar a legitimidade da luta, a superioridade do modelo de convivência e desenvolvimento que esses povos tradicionais apresentam.

A alegria sobrevive à barbárie travestida de progresso e legalidade.

As histórias fascinam e precisam continuar a ser contadas a partir de uma perspectiva que poucos têm coragem de adotar. Nós já fizemos nossa escolha.

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