Sexta, 19 Abril 2024

Gregório de Matos Guerra: entre o religioso e o profano

Gregório de Matos Guerra: entre o religioso e o profano

Gregório de Matos Guerra, embora tenha produzido muitos poemas, não publicou um único livro em vida. Sua produção foi dispersa, entre manuscritos, cópias estropiadas de admiradores, sendo questionada autoria e autenticidade, em uma época que escritos de diversas origens circulavam sem autoria comprovada.


A produção poética de Gregório se conhece, na História, pelo traslado que se deu entre manuscritos organizados em códices que, contudo, eram contraditórios ou divergentes entre si.


Num esforço feito por Afrânio Peixoto, a Academia Brasileira de Letras conseguiu reunir os poemas de Gregório em seis volumes, que foram então compilados com o título de Obras Completas. Já em 1969 temos novos poemas entrando no espólio e então James Amado faz uma versão da produção de Gregório agora em sete volumes. E que se tornou dois volumes em 1992, sob o título Obras Poéticas, já fundamentada em maior número de códices.


A produção poética de Gregório, em sua temática, temos a sua divisão principal entre poemas religiosos e poemas profanos. Temos, por conseguinte, em seus poemas religiosos, uma unidade maior em características, tendo então esta poesia um caráter que não necessitava de novas divisões.


Por sua vez, na poesia profana de Gregório, dada a sua diversidade maior de características, podemos situá-las entre poemas amorosos, encomiásticos, satíricos e de circunstância.


Essa divisão da poesia de Gregório retrata também a divisão anímica do homem barroco, entre a metafísica e a carnalidade, entre os anseios espirituais e os impulsos naturais, que na poesia de Gregório vai se dar entre temas religiosos e profanos, como dito. Tal contradição, por conseguinte, será a marca do homem seiscentista e barroco.


POEMAS


A CHRISTO S.N. CRUCIFICADO ESTANDO O POETA NA ÚLTIMA HORA DE SUA VIDA: O poeta, em franco drama e derramamento barroco, se encontra aqui entre a vida e a morte, e também entre o pecado e a salvação, no que segue : “Meu Deus, que estais pendente em um madeiro,/Em cuja lei protesto de viver,/Em cuja santa lei hei de morrer” (...) “Neste lance, por ser o derradeiro,/Pois vejo a minha vida anoitecer,/É, meu Jesus, a hora de se ver/A brandura de um Pai manso Cordeiro./Mui grande é vosso amor, e meu delito,” (...) “Esta razão me obriga a confiar,/Que por mais que pequei, neste conflito/Espero em vosso amor de me salvar.”. O poema é uma prece ou pedido do poeta diante da divindade que lhe proporcione o descanso dos justos e não o tormento infinito reservado aos pecadores no inferno. O poema ganha esta tensão que será bem comum na poesia religiosa de Gregório.


AO MESMO ASSUMPTO E NA MESMA OCCASIÃO: Segue aqui um dos trechos de versos mais célebres da pena gregoriana, no que temos, em júbilo : “Pequei, Senhor, mas não porque hei pecado,/Da vossa piedade me despido,/Porque quanto mais tenho delinquido,/Vos tenho a perdoar mais empenhado/Se basta a vos irar tanto um pecado,/A abrandar-vos sobeja um só gemido,/Que a mesma culpa, que vos há ofendido,/Vos tem para o perdão lisonjeado.”. O poeta se volta aos céus em sua contradição espiritual de poeta pecador e despido, no que segue : “Eu sou, Senhor, a ovelha desgarrada/Cobrai-a, e não queirais, Pastor divino,/Perder na vossa ovelha a vossa glória.”. O poeta anseia pela glória, de ser uma ovelha que a divindade não quereria perder ao abismo da morte e da maldade.


AO SANCTISSIMO SACRAMENTO ESTANDO PARA COMUNGAR: O poema mais uma vez revela a contradição do homem barroco e seiscentista, encarnado aqui no poeta Gregório, que se bate entre céu e inferno, e temos : “Tremendo chego, meu Deus,/ante vossa divindade,/que a fé é muito animosa,/mas a culpa mui cobarde.” (...) “Como comerei de um pão,/que me dais, porque me salve?”. Anseio de salvação que torna aqui em estro metafísico, poema religioso, pois, no que segue : “de um pão, que é tão formidável/vendo, que estais todo em tudo,/e estais todo em qualquer parte?”. E a especulação se volta aos desígnios divinos, no que tem : “Senhor, eu não vos entendo;/vossos preceitos são graves,/vossos juízos são fundos,/vossa ideia inescrutável.” (...) “só sei, que importa salvar-me.”. E o poema segue então diante dos anjos do Senhor, em louvação e glória em que o poeta tenta acudir os brutos em sua oração e poema, e até aos montes e vegetais, numa louvação universal, no que temos, por fim : “Os Anjos, meu Deus, vos louvem,/que os vossos arcanos sabem,/e os Santos todos da glória,/que, o que vos devem, vos paguem./Louve-vos minha rudeza,/por mais que sois inefável,/porque se os brutos vos louvam,/será a rudeza bastante./Todos os brutos vos louvam,/troncos, penhas, montes, vales,/e pois vos louva o sensível,/louve-vos o vegetável.”


CONTINUA O POETA COM ESTE ADMIRÁVEL A QUARTA FEYRA DE CINZAS: O poema aqui se configura com a natureza terrena do humano que, contudo, tenta alcançar a glória do céu como seu destino, e não a terra que lhe forma e que lhe dá o caráter mortal de pó, no que temos : “Que és terra Homem, e em terra hás de tornar-te,/Te lembra hoje Deus por sua Igreja,/De pó te faz espelho, em que se veja/A vil matéria, de que quis formar-te./Lembra-te Deus, que és pó para humilhar-te,”. E o poema finaliza entre salvação e natureza terrena, no que tem : “Todo o lenho mortal, baixel humano/Se busca a salvação, tome hoje terra,/Que a terra de hoje é porto soberano.”


AO BRAÇO DO MESMO MENINO JESUS


QUANDO APPARECEO. : O poema vai entre a parte e o todo, no que faz então um tipo de teoria poética sobre a divindade, no que vem : “O todo sem a parte não é todo,/A parte sem o todo não é parte,/Mas se a parte o faz todo, sendo parte,/Não se diga, que é parte, sendo todo./Em todo o Sacramento está Deus todo,”. E Jesus aqui é todo e não parte, o sacramento se dá inteiro, e então temos : “O braço de Jesus não seja parte,/Pois que feito Jesus em partes todo,/Assiste cada parte em sua parte./Não se sabendo parte deste todo,/Um braço, que lhe acharam, sendo parte,/Nos disse as partes todas deste todo.”.


MOTE 13 : O poema pinta bem a paixão do Senhor, e temos em versos delicados um trajeto que deseja a luz divina, no que temos :“Já requintada a fineza/nesse Pão sacramentado/temos, Senhor, ponderado/vossa inaudita grandeza :” (...) “Permiti por vossa cruz,/por vossa morte, e paixão,/que entrem no meu coração/os raios da vossa luz :/clementíssimo Jesus/sol de imensa claridade,/sem vós a mesma verdade,/com que vos amo, periga;/guiai-me, porque vos siga,/Ó divina Majestade.”. E Deus se fez Homem, a imagem do cordeiro então humaniza a divindade, e finaliza o poema, com júbilo : “na forma rendida/de um cordeiro a Majestade/aos olhos da humanidade/melhor a potência informa,/sendo cordeiro na forma,/Que sendo Deus na verdade.” (...) “que sendo Deus infinito,/Sois também Pão na aparência.”.


CONSIDERA O POETA ANTES DE CONFESSAR-SE NA ESTREYTA CONTA, E VIDA RELAXADA: O poema clama contra a morte em pecado que pode roubar a salvação do poeta, no que temos : “Ai de mim! Se neste intento,/e costume de pecar/a morte me embaraçar/o salvar-me, como intento?” (...) “Valha-me Deus, que será/desta minha triste vida,/que assim mal logro perdida,/onde, Senhor, parará?”. O poema segue seu rumo e teme pelo assédio diabólico, no que temos : “Que desculpa posso dar,/quando ao tremendo juízo/for levado de improviso,/e o demônio me acusar?” (...) “Nome tenho de cristão,/e vivo brutalmente,” (...) “Sempre que vou confessar-me,/digo, que deixo o pecado;/porém torno ao mau estado,/em que é certo o condenar-me :”. O poeta faz confissão, mas retorna ao seu próprio mal, no que temos : “Mas se tenho tempo agora,/e Deus me quer perdoar,/que lhe hei de mais esperar,/para quando? Ou em qual hora?/que será, quando traidora/a morte me acometer,/e então lugar não tiver/de deixar a ocasião,/na extrema condenação/me hei de vir a subverter.”. A subversão e a condenação são o temor deste poema inteiro, pois.


POEMAS 


A CHRISTO S.N. CRUCIFICADO ESTANDO O POETA NA ÚLTIMA HORA DE SUA VIDA


Meu Deus, que estais pendente em um madeiro,


Em cuja lei protesto de viver,


Em cuja santa lei hei de morrer


Animoso, constante, firme, e inteiro.




Neste lance, por ser o derradeiro,


Pois vejo a minha vida anoitecer,


É, meu Jesus, a hora de se ver


A brandura de um Pai manso Cordeiro.


 


Mui grande é vosso amor, e meu delito,


Porém pode ter fim todo o pecar,


E não o vosso amor, que é infinito.


 


Esta razão me obriga a confiar,


Que por mais que pequei, neste conflito


Espero em vosso amor de me salvar.


 


AO MESMO ASSUMPTO E NA MESMA OCCASIÃO


 


Pequei, Senhor, mas não porque hei pecado,

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