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Jorge Luis Borges, os caminhos da metáfora

INTRODUÇÃO

Temos aqui, neste texto, partes resenhadas de uma palestra borgiana que veio a se tornar livro, Esse Ofício do Verso, e se trata de palestras proferidas em inglês por Jorge Luis Borges nos anos de 1967 e 1968, na Universidade de Harvard, e aqui temos a digressão do escritor sobre questões que tocam ao estudo linguístico e a literatura, numa riqueza de erudição própria do saber que podemos chamar sui generis da percepção intelectual borgiana.

O ENIGMA DA POESIA

Borges começa tratando da palavra enigma já dizendo que não tem nada a revelar neste sentido, que o mistério que cerca a poesia como um todo não é facultado a seu intelecto desvelar, portanto, aqui já de saída desmistifica-se a poesia e seu enigma, uma vez que o saber borgiano discorre mais etimologicamente sobre o tema do que sobre um suposto dom revelador de um adivinho das letras que Borges logo refuta.

Portanto, a postura de Borges diante da poesia é muito mais lúdica, de perplexidade, isto é, de um leitor que tem dúvidas sobretudo, do que de um conhecedor profundo de arcanos que na verdade não existem, pois o intelecto borgiano funciona aqui muito mais como um documento do que um fundamento para a análise da poesia.

E, falando da perplexidade, Borges nos convida ao próprio espanto histórico de que se fez e com a qual se edificou todo o saber filosófico, pois desde as origens do pensamento reflexivo da filosofia temos o espanto, aqui em Borges com a palavra perplexidade, a qual alimentou as especulações filosóficas desde os hindus, chineses, gregos, escolásticos, seja já na filosofia moderna com Berkeley, Hume, Schopenhauer, etc, tal sentimento de dúvida que Borges nos faz saber e compartilha como o começo de sua reflexão sobre o estro poético.

Na análise borgiana temos sobretudo a refutação da ideia ou conceito de forma e conteúdo como expressão, esta que vem da estética, e que está aqui bem citada no livro de estética de Benedetto Croce, área teórica que toma poesia e linguagem segundo o conceito de expressão, num modo de ver que Borges julga equivocado, pois se descola da coisa própria, a poesia aqui vira um fato para a teoria, mas Borges tenta situá-la em seu terreno, a vida.

Borges nos cita John Keats em seu famoso e batido soneto On first looking into Chapman's Homer, o qual é, na fala de Borges, “um poema escrito a respeito da própria experiência poética”. Aqui vigora não a comunicação tomada como tal, mas uma paixão e um prazer, no qual Borges se vê impactado e impressionado não somente em seu intelecto como “com todo o meu ser, minha carne e meu sangue”.

E, fenômeno comum a um leitor, a primeira impressão ao ler um poema impactante nunca se repetirá, isto é, a primeira leitura de um poema causa ao leitor algo tão intenso em termos de deleite e paixão, que não se repetirá em leituras posteriores, já esfriadas por um conhecimento de causa. Contudo, Borges, mesmo diante desta evidência, ainda tenta nos fazer crer que a leitura de um poema se renova e que é possível termos “uma experiência nova a cada vez” com a poesia.

Borges lembra da importância da memória e do saber oral nos inícios da Antiguidade e como isto evoluiu para escritas sagradas como a Bíblia e o Alcorão, sendo aqui o sagrado como escrita do Espírito Santo, por exemplo, quando falamos das Sagradas Escrituras, e atributo do próprio Deus, quando falamos do Alcorão. E segue a leitura de Borges então sobre os clássicos, que lhe são mais caros pela beleza do que necessariamente por sua tomada imortalidade histórica.

E a experiência de beleza passa aqui por uma operação etimológica que se modifica a cada tempo e que na leitura poética tem em palavras de origens diversas uma leitura própria nestes contextos em que a poesia se exerce. A poesia ganha aqui impacto próprio, mesmo em diversas experiências de tradução pelas quais passe. Quando Borges nos diz da beleza, ele nos diz da permanência da poesia.

 A METÁFORA

Borges logo nos dá o fenômeno inusual de que as combinações metafóricas se nos dão como infindáveis, mas que temos contudo o fenômeno usual de que muitos de nossos poetas se utilizam geralmente de metáforas surradas que se repetem pelos anos, no que Borges nos dá este paradoxo em que a amplitude da língua se limita, talvez, quando tratamos desta na língua poética.

Borges segue a sua análise e tem em conta que a metáfora se dá tal qual, isto é, funciona sempre para a percepção do leitor como ela é, ou seja, uma metáfora. Podemos até bem citar a análise borgiana das palavras poéticas como espécies de palavras-valise (aqui lembrando uma leitura exógena carroliana que aqui o resenhista inclui por contra própria) e temos então usos que se dão em metáforas que fluem diversamente, independentemente de condições lógicas prestebelecidas, mas do uso diverso feito pelos poetas e suas idiossincrasias simbólicas feitas pelo estro em ação, e que Borges nos dá exemplos como pela palavra noite, ampla em seu ir e vir pelas metáforas em seu sentido e uso.

Contudo, embora Borges nos dê a diversidade da palavra noite como metáfora, nos dá a entender também, por conseguinte, a limitação das metáforas surradas em palavras como lua, rio e pela manjadíssima comparação das mulheres com flores num estro romântico desavisado em língua-clichê que a poesia sempre conflui para o bem ou para o mal. Temos que a metáfora surrada dos poetas é um limite não linguístico, mas estilístico, em que o poeta é escravo de seu próprio estilo e não tem para onde ir.

E Borges segue a sua análise comparando o argumento filosófico em seu conteúdo lógico como insuficiente diante da verdade metafórica encontrada na poesia, e temos que Borges vê um discurso filosófico como o de Martin Buber, por exemplo, tendo mais valor como algo de beleza poética ou sonora como de um argumento filosófico propriamente dito, o que leva Borges a viver em Walt Whitman, por conseguinte, uma medida que ele usa para chancelar sua análise de que a poesia é mais convincente do que as ideias racionais, pois estas estão sem o brilho da beleza que a poesia proporciona.

E Borges nos dá sinais na poesia que atuam como velhos encantamentos que passam com o tempo a configurar truques de obviedade de modelos limitados de metáforas na poesia, desde afetações gongóricas do repertório barroco ou ainda imagens reiteradas de um estro romântico byroniano, por exemplo.

O que temos, por fim, dados exemplos de poetas históricos, é que os modelos metafóricos, embora limitados, ainda podem ter uma elasticidade em que se pode ter algo novo, “novas variações das principais tendências” em que temos o paradoxo dos modelos limitados, quase truques, com a inovação possível ainda por novos poetas históricos em correntes ou tendências ainda inauditas.

Gustavo Bastos, filósofo e escritor.

Blog: http://poesiaeconhecimento.blogspot.com

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