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Ministério Público Federal rejeita denúncia de quilombola contra pulverizações químicas da Aracruz Celulose (Fibria)

Ao final de uma quinzena de sucessivos sobrevoos para lançamentos de agroquímicos sobre a vila de Itaúnas, em Conceição da Barra, e sobre as comunidades do Território Quilombola do Sapê do Norte, que se estende também ao município de São Mateus, mais uma grave denúncia surge, desta vez, da Associação Quilombola de Pequenos Produtores Orgânicos do Angelim II, e contra o Ministério Público Federal (MPF).

A presidenta da Associação, Flávia dos Santos, que também é coordenadora financeira da Associação de Programas Alternativas em Tecnologias Alternativas (APTA), foi à Procuradoria da República em São Mateus para registrar denúncia contra os sobrevoos e também contra a aplicação de agrotóxicos dentro de sua propriedade, vizinha à estrada que limita com as plantações de eucalipto da Aracruz Celulose (Fibria).

“Passaram aqui em frente à minha propriedade. Não imaginei que era o herbicida, aí eles passaram pulverizando de um lado e voltaram pulverizando na beira da minha cerca. Nunca vi fazendo isso. Achei que era vistoria de formiga. Três a quatro dias depois, vi a beira da cerca toda destruída: pimenta-do-reino, maracujá, fava … tudo o que eu plantei na beira da cerca, exatamente pra fazer barragem do agrotóxico que eles aplicam no eucaliptal ao lado e que pode vir pelo vento”, relata Flávia.

Na procuradoria de São Mateus, no entanto, a denúncia foi recusada e a orientação foi para a contratação de um advogado particular. De posse das fotos das plantas mortas na beira da cerca e do avião em voos rasantes sobre a sua casa, Flávia estuda pedir auxílio à Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes), que presta assessoria jurídica gratuita às comunidades quilombolas, ou reformular o requerimento junto ao MPF, desta vez em nome da própria Associação e, quem sabe, de outras ações do Sapê do Norte, todas revoltadas com a presença constante das aeronaves e seus venenos mortais.

“A comunidade está preocupada que essas aplicações contaminem as nossas lavouras e a gente até perca a certificação orgânica”, conta a presidenta.

Terror vindo do céu

Um agravante sobre toda essa situação esdrúxula é a orientação, vinda da empresa Equilíbrio, contratada para os sobrevoos, para que, em caso de mal-estar devido à inalação/absorção do produto, a população se dirija à empresa e não ao serviço público de saúde. “O senhor que mora aqui no sítio que recebeu o recado e me falou, eu não estava em casa na hora”, indigna-se a agricultora.

O terror vivido pelas famílias durante a aplicação aérea dos agroquímicos – fertilizantes, segundo as indústrias de eucalipto, e agrotóxicos, segundo os atingidos que passam mal e assistem suas criações de aves morrerem ao entrar em contato com o produto –, afirma Flávia, nunca vai ser esquecido, até porque, considerando o histórico, elas devem se repetir em breve.

“Agarrei na minha filha e tentei protege-la de respirar ou ingerir esse produto”, lembra, para em seguida fotografar as aeronaves logo acima dos coqueiros que circundam a residência.

A Associação Quilombola de Pequenos Produtores Orgânicos do Angelim II foi a primeira a receber, há dois anos, a certificação de produção orgânica dentro do Território Tradicional Quilombola do Sapê do Norte. Os associados trabalham basicamente com hortaliças, frutas, verduras e milho para alimentação das criações de aves e suínos. Vendem na feira de Conceição da Barra e para os Programas de Aquisição de Alimentos (PAA) e de Alimentação Escolar (Pnae). Outras duas associações, em Linharinho e Córrego do Macuco, já estão em fase final de certificação.

Visita do inimigo

Na última quarta-feira (25), a presidenta da Associação recebeu uma visita de técnicos do Programa de Desenvolvimento Rural Territorial (PDRT) da Aracruz Celulose (Fibria) e pequenos agricultores dos municípios de Aracruz e Pinheiros, que participam do mesmo. O objetivo era conhecer a experiência exitosa do Angelim II e obter certificação também para essas localidades.

Flávia aproveitou para falar do temor da comunidade em perder a certificação por conta da ação irresponsável da Aracruz Celulose (Fibria), que os levava ali para aquela visita. Falou também das dificuldades crônicas de acesso à água, resultado, também, da gigante do deserto verde.  “Estávamos entre iguais, eles que vieram nos visitar são pequenos agricultores como a gente, não é deles a culpa, mas eu precisava falar”, conta.

“Praticamente não temos água, nem pra manter a horta”, lamenta. Há dez anos que a água consumida no Angelim II vem de um poço artesiano de 80 metros cavado pela Prefeitura por ordem do MPF, depois de sucessivas denúncias sobre a contaminação e represamento do Córrego Angelim, que sempre abasteceu os moradores.

“Teve época que o rio foi tão poluído, que os animais morriam na beira do córrego. Segundo o pessoal do meio ambiente, a água tinha herbicida e resíduos sanitários, de limpeza de fossa feita pela Disa [Destilaria Itaúnas S/A]”.

Atualmente, os moradores estão buscando água para consumo humano numa bica pública a cerca de quatro quilômetros, pois a água do poço artesiano está com excesso de ferro, segundo as últimas análises da Companhia Espirito Santense de Saneamento (Cesan). “Ninguém bebe, porque dá cólica”, conta.

Já a irrigação da horta orgânica utiliza um poço feito pela própria comunidade, com escavadeira, mas que está raso e não está sendo suficiente. O pedido para a Prefeitura aprofundar o poço ainda não foi atendido. 

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