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Superporto é necessário, mas em outro lugar

Até a moqueca capixaba será impactada, caso o porto de águas profundas, porto de contêineres, ou simplesmente superporto de Vila Velha for instalado na região de Ponta da Fruta. A conclusão foi apresentada pelos oceanógrafos Eric Mazzei e João Batista Teixeira, na audiência pública sobre o empreendimento, que aconteceu na tarde dessa quarta-feira (6), na Promotoria de Justiça do município. A previsão é de que até os peixes e outros animais marinhos apreciados na culinária capixaba possam desaparecer devido à instalação do terminal.  
 
Segundo os pesquisadores, atualmente, a região que poderá ser extinta com o projeto é repleta de alagados e abriga remanescentes de Mata Atlântica e de restinga, praias com arrecifes e rica biodiversidade. Igualmente extintos, apontaram, podem se tornar os pescadores, que formam uma comunidade tradicional na região. O ofício da pesca artesanal já não se expande, pois os filhos dos pescadores não querem continuar na atividade, e ainda é prejudicado pela pesca extensiva praticada por pescadores de outros locais.
 
A área da Ponta da Fruta também abriga formações rochosas que impedem emissões de carbono e compõem a cadeia Vitória-Trindade, que culmina, em alto-mar, no arquipélago de Trindade e Martim Vaz. “Nada do que ouvi até agora justifica um porto deste porte nesta região”, retratou João Batista. 
 
O superporto é uma reivindicação antiga dos trabalhadores portuários. Entretanto, a proposta dos trabalhadores era bem diferente daquela que foi apresentada para implantação na Ponta da Fruta. Eles não queriam que o porto fosse instalado em uma área ambientalmente sensível, mas sim em uma já impactada por porto, como Praia Mole – o que não significa que as leis ambientais devessem ser afrouxadas –, e que sua capacidade fosse gradativamente aumentada, conforme a demanda. 
 
O deputado estadual Claudio Vereza (PT), presente na audiência, foi categórico ao dizer que o superporto não foi apresentado como um projeto para a área de Praia Mole porque a Vale e a ArcelorMittal querem total controle sobre o terminal logístico que, lembrou, é público. 
 
Em apresentação conjunta nessa quarta-feira, os oceanógrafos apresentaram o porto de Roterdã, o maior da Europa, localizado na Holanda, como um exemplo que poderia ser seguido. Apesar de ocupar uma grande extensão, o porto concentra centenas de empresas em apenas um local, não permitindo a degradação de outras áreas, e abastece grande parte do continente. Estratégia muito diferente da que está sendo planejada para o Estado, onde poderão ser construídos até 30 portos, em uma distância considerável entre si e prioritariamente longe da ocupação humana – ou seja, em unidades de conservação. Alessandro Chakal, da Frente Parlamentar Ambientalista da Assembleia Legislativa, lembrou que quase a totalidade desses empreendimentos está ilegal, já que não passou pelo Conselho Estadual de Cultura (CEC). 
 
Para a instalação do superporto, será necessária a construção de um quebra-mar de cerca de três quilômetros de comprimento; o aprofundamento em mais de 20 metros do canal portuário; e a iluminação constante, inclusive noturna. Das principais preocupações dos moradores da região presentes na audiência, uma gira em torno da perda da praia, que será inviabilizada por conta do projeto; e outra surge por da força da maré que pode se tornar ainda maior. Em todo mês de março, o avanço do mar na praia precisa ser contido com sacos de areia, e a situação pode ainda se agravar caso as correntes marítimas não sejam profundamente estudadas e aplicadas em consonância com o empreendimento.Além disso, a iluminação constante pode deslocar cardumes e concentrar espécies marinhas nas proximidades do terminal, onde a pesca é proibida.
 
Além das preocupações ambientais, também foram apresentados na audiência os problemas sociais que podem ser acarretados com a chegada do empreendimento de tal porte em uma região ribeirinha, de populações tradicionais e ainda pouco povoada. O historiador e professor da Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes), Luiz Cláudio Ribeiro, apontou que o litoral do Espírito Santo deve ser pensado de forma mais responsável e estratégica, uma vez que o Estado ocupa pouco mais de 0,5% de todo o território nacional.

Luiz Cláudio apontou ainda que os lucros produzidos por esse tipo de empreendimento provocam o aumento do Produto Interno Bruto (PIB), mas não geram riquezas para o povo capixaba. Não à toa, elencou como consequências da chegada do empreendimento o aumento dos bolsões de pobreza, a ocupação desordenada e as ausências de infraestrutura e de empregos para as populações locais, citando os exemplos de bairros como São Pedro, que cresceu a partir da instalação de grandes empreendimentos na Capital. 

 
O historiador descreveu o modelo da implantação do sistema portuário no Estado como, “basicamente, cada empresa constrói o porto que quer para escoar sua própria produção”, e ilustrou como consequências o domínio de grupos econômicos alheios ao interesse público, descumprimento da legislação, desorganização social e política, manipulação de informação, e a discriminação de comunidades tradicionais, a exemplo de pescadores, quilombolas e indígenas, no caso da ocupação do eucalipto no norte do Estado. Ele ainda completou: “Há empresas que, para se livrarem do passado, mudam de nome”, a exemplo da Aracruz Celulose, hoje Fibria, e da Companhia Vale do Rio Doce (CVRD), hoje Vale; e denunciou que existe um mercado de licenciamento ambiental, no qual não são só o governo e as empresas lucram. 
 
O último expositor da audiência foi o cientista político Roberto Garcia Simões, que questionou se realmente o Espírito Santo precisa de um porto de tal porte, se o Estado tem a quantidade de carga que o empreendimento poderá movimentar. “Estamos montando o porto para depois saber o que vem”, retratou. Para Simões, um passo decisivo é conhecer o projeto do empreendimento e questionar ponto a ponto e “desmontá-lo a partir de seu próprio discurso”, opinião que foi compartilhada pelo Fórum Popular em Defesa de Vila Velha (FPDVV), cuja representante, Irene Léia, confirmou a intenção de qualificar a sociedade civil, por meio dessas audiências, a questionar o empreendimento e até rejeitá-lo em sua audiência pública oficial. 
 
O representante do Fórum de Desenvolvimento Social da Região 5 (que engloba 23 bairros entre Terra Vermelha e a Barra do Jucu), Heduard Ribeiro, expressou que a comunidade desta região quer os empregos gerados pelo porto. A ele, João Batista sugeriu que reunisse uma comissão dos bairros para visitar as comunidades afetadas por portos para conhecerem a realidade das pessoas que sofreram com tal impacto. 
 
 Ao final da audiência, Nice Sampaio, promotora de meio ambiente de Vila Velha, e Gustavo Senna, promotor de justiça cível do mesmo município, confirmaram a intenção de apoiar a discussão popular sobre o porto como uma forma de valorizar a cidade. Uma nova audiência, convocada pelo FPDVV, está marcada para o final deste mês, e também há a possibilidade de uma nova audiência com a presença do Ministério Público, no mês de dezembro.

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