Entre as fofocas que circulam nos bastidores do petismo, uma das mais persistentes e verossímeis diz que a presidenta Dilma não suporta o governador gaúcho Tarso Genro porque este, quando ministro de Lula, em 2009, tentou convencer o então presidente a desistir de lançar a candidatura da ministra poderosa.
O que se sabe é que Lula bancou a aposta e venceu, enquanto Tarso teve de se contentar com a disputa pelo governo do Rio Grande do Sul, estado que representa 5,5% da população nacional e cerca de 8% do Produto Interno Bruto do Brasil. Se ficou mágoa ou rancor entre a presidenta e o governador, não transparece nos encontros protocolares de ambos em cerimônias e eventos no Sul. .
Instalado no Palácio Piratini em Porto Alegre, onde foi prefeito nos anos 1990, Tarso não tem motivos para se queixar da presidenta, que tem sido extremamente “republicana” – no sentido generoso da palavra – na distribuição de verbas para setores básicos da economia gaucha, como a indústria naval e a infraestrutura viária.
Se Dilma seguisse o exemplo – republicano no sentido negativo – do governo do presidente Fernando Henrique Cardoso quando o “galo missioneiro” Olívio Dutra (1999-2002) governava o Rio Grande e a prefeitura da capital gaucha estava na mão de Tarso, este estaria agora mais apertado do que charuto. Inda bem que Dilma não fuma.
Sem folga de caixa, pois depende essencialmente de duas atividades que geram poucos tributos – a agricultura e as exportações –, o governo gaúcho mal tem dinheiro para pagar o funcionalismo. Royalties do petróleo? Só algumas quireras. É assim também na maioria dos estados e municípios.
Para atrair investimentos, os governadores precisam dar incentivos e subsídios aos empresários. Para ter recursos para investir em infraestrutura, não têm saída senão fazer empréstimos ou pedir ajuda federal. “É aí que me refiro!”, diria um petista reciclado por anos e anos de comportamentos republicanos para o bem e para o mal.
Passarinho na muda das penas não canta, fica triste. Político em posição subalterna muda a toada, ora fala fino, ora grosso. Especialista em concertação, tema da época em que foi ministro do Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social de Lula, Tarso acaba de fazer um lance que o transforma em protagonista central da continuidade do petismo no Rio Grande do Sul, a terra adotiva de Dilma.
É um jogo rico em contradições.
Quando ministro da Educação, Tarso Genro estabeleceu o piso nacional do magistério, animando as professorinhas de todo o país. Como governador do Rio Grande do Sul, porém, ele não está pagando o piso. Alega falta de recursos, o que é verdade. Se fosse dar o aumento prometido, abriria um rombo no charuto. Sobrou-lhe a alternativa de tentar uma saída, mas não pelo mesmo caminho trilhado em 1999 pelo governador Olívio Dutra.
Confiado na justiça de sua causa, o Galo Bigodudo ordenou o não pagamento à União das parcelas mensais da dívida pública gaúcha, negociada tempos antes pelo governo anterior (Antonio Britto, jornalista que se destacou como porta-voz do quase presidente Tancredo Neves) com a equipe do ministro da Fazenda, Pedro Malan. A disputa não foi adiante porque logo prevaleceu o poder do Tesouro Nacional, que interrompeu a liberação de verbas ao Estado.
Houve então um arreglo que prevalece até hoje. De Olívio para cá, o bolo cresceu três vezes. Atualmente, a dívida do Rio Grande do Sul com a União está em R$ 42 bilhões (10,5% das dívidas dos estados) e não para de crescer. Equivale ao orçamento estadual.
Em vez de afrontar o governo federal, Tarso Genro articulou um movimento de governadores e parlamentares para reduzir o endividamento dos estados e dos municípios com a União. Aprovado na Câmara, o projeto foi barrado no Senado pela base de apoio do governo federal, sob a alegação de que as contas públicas não têm mais gordura para queimar – segundo os jornais, as desonerações e bondades ao longo de 2013 somaram fabulosos R$ 84 bilhões.
Por um acordo das lideranças, ficou combinado que o desendividamento dos estados será o primeiro projeto a discutir no Senado em fevereiro. Tudo indica que será aprovado. Resta saber se Dilma não vai vetá-lo. Por enquanto, o ministro da Fazenda Guido Mantega ganhou a certeza de que pelo menos em 2014 o Tesouro Nacional vai continuar recebendo os juros de uma dívida que chega a quase R$ 500 milhões e continua a subir, sufocando os estados. Se for aprovada, a redução da divida só vai pesar no orçamento federal de 2015, quando os estados e municípios terão um alivio considerável.
Ainda não é o caso de soltar foguetes, mas o petista Tarso prossegue mexendo suas peças no tabuleiro político. Em almoço de fim de ano com a imprensa de Porto Alegre, onde a presidenta Dilma tem apartamento, o governador disse candidamente que não concorrerá à reeleição se o projeto do desendividamento não for aprovado pelo Senado. Além disso, põe a presidenta petista numa saia justa ao exigir que ela só freqüente um palanque eleitoral – o seu.
A leitura correta da jogada é que Tarso está preparando a retirada em alto estilo. A disputa eleitoral se configura duríssima para seja quem for o candidato petista. Primeiro porque perdeu o partido o apoio do PSB (que tem o vice-governador Beto Grill) e do PDT (que promete ter candidato próprio, embora não tenha nenhum nome forte). Segundo porque o PT gaúcho tem dois adversários históricos de peso – o PMDB dos ex-governadores Pedro Simon e Germano Rigotto; e o PP da senadora Ana Amélia Lemos, a loura platinada que galopa por fora com grande desenvoltura.
Jornalista que fez carreira na RBS, a rede sulina associada à TV Globo. Ana Amélia lidera as pesquisas de intenção de voto e tem baixo índice de rejeição. Tudo isso sem ser candidata declarada. Há quem diga que Tarso se contentaria com o lugar dela no Senado.
LEMBRETE DE OCASIÃO
Quem vai na garupa não segura nas rédeas
Ditado gaúcho