O artigo Combinou com o povo?, de Arlindo Villaschi, economista e professor associado de Economia da Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes), publicado domingo (9) em A Gazeta, expressa, de certo modo, o conjunto de anseios que tomou saudavelmente tempo e neurônios de um segmento específico da sociedade civil da Grande Vitória em 2013.
Recapitulemos. Ante dois pontos específicos da implantação do projeto do BRT – a mais arrojada ação de mobilidade urbana para a Grande Vitória em anos – foi demandada do poder público a conciliação entre a dimensão humana da cidade (mais estritamente de Vitória) e a mutação da “paisagem urbana” que, prevê-se, virá no rastro das vias exclusivas para ônibus.
Vamos ao texto do professor, que lá encontramos um exemplo palpável: ao final, ele cita os casos da Praça do Cauê e dos armazéns do Porto de Vitória. Diz Villaschi que tais áreas “precisam ser valorizadas na dimensão do que representam para o imaginário coletivo e não serem travestidas de estação de baldeação ou túnel de passagem de ônibus”.
Para quem não sabe/não lembra: o furacão do BRT seguia na direção de ambos. Para o Cauê, projeta-se sua divisão em duas para a implantação das obras do BRT – embora a via previsse a passagem apenas de veículos de passeio e motocicletas pela via; os ônibus tomariam a Duckla de Aguiar. No porto, apresentou-se a demolição dos armazéns 4 e 5 e o reaproveitamento dos outros três como estação para o BRT.
Em três debates públicos – nas escolas Irmã Maria Horta (Praia do Canto), Professor Fernando Duarte Rabelo (Praia de Santa Helena), estas sobre o Cauê, e na Assembleia Legislativa – setores da sociedade rechaçaram o que o BRT guardava para praça e porto. Até aqui o poder público acatou o desejo da população. Duas edificações históricas da cidade de Vitória não poderiam sucumbir tão facilmente à necessidade de mais fluxo.
O que ficou claro naqueles debates é que ninguém é contra o BRT. Não é nem questão de ver, um ato passivo: todos sentimos que a mobilidade urbana de da Grande Vitória atingiu um nó indesatável, a menos que nele intervenha um projeto de transporte público de alta capacidade – caso do BRT. Uma das coisas que junho de 2013 esfregou em nossas fuças é que as cidades brasileiras não suportam mais ficar à mercê dos transporte individual. Os paradigmas têm de ser transformados/deslocados.
Mas, como se disse mais de uma vez nas audiências, Vitória está virando um mero corredor de passagem. Onde entram as pessoas? Villaschi evoca outro exemplo-marco da Ilha do Mel: a Avenida Nossa Senhora da Penha, cuja áurea histórica pode se esvair ao se transformar em “espaço seccionado pela construção de plataformas de embarque/desembarque de passageiros”.
Qualquer cidade que almeje qualidade de vida – converter o tempo em engarrafamentos em tempo para, sei lá, sejamos românticos ao menos por uma frase, bater bola com os filhos na Praia de Camburi, falar saudáveis e inofensivas besteiras com os amigos no Triângulo, embriagar-se com a tristeza exultante de um samba na Rua Sete, ver um Woody Allen no Jardins, por aí – em qualquer dessas cidades, as pessoas vêm primeiro. Daí a necessidade de “combinar com o povo”.