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Comes e bebes não ajudaram a ‘empurrar’ questões abordadas na audiência pública da Quarta Ponte

“Tem capuccino aqui, hein”, anunciava a moça de touca do buffet. Teve até capuccino na audiência pública que debateu o processo de licenciamento ambiental da Quarta Ponte, nova ligação entre Vitória e Cariacica, na noite dessa quinta-feira (17), no Parque Tacredão, em Vitória. O encontro foi realizado pelo Instituto Estadual de Meio Ambiente e Recursos Hídricos (Iema).
 
Do lado de fora do auditório, uma extensa e farta mesa oferecia ao longo de seus quatro metros água, suco, refrigerante e outros acepipes aos convivas. Do lado de dentro, o diretor-técnico do Iema Elias Alberto, o secretário estadual de Transportes e Obras Públicas Fábio Damasceno e o representante do consórcio EGP/Engespro, responsável pelo projeto executivo, Mauro Martins Oliveira formavam a mesa da audiência.
 
No máximo 100 cadeiras estavam ocupadas entre as 300 espalhadas pelo salão. A pouco metros dali, a Rodoviária de Vitória fervilhava; carros, ônibus e táxis deslizavam freneticamente pela Segunda Ponte e avenidas naquele início de feriado prolongado. 
 
Foi mais uma aula que o governo deu de como esterilizar um debate público . E ainda mais para apresentar e debater uma obra colossal e de enorme impacto social, físico e ambiental como a Quarta Ponte – ainda que a audiência tenha tido o estrito foco ambiental.
 
O representante do consórcio EGP/Engespro iniciou os trabalhos. Como tem sido praxe em debates públicos sobre temas controversos, a autoridade substitui seus argumentos por uma peça publicitária. Mauro Martins apresentou um vídeo bem acabado, de boa edição, ágil montagem, etc… 
 
O produto começava com o repisado discurso do progresso, do desenvolvimento: “O Estado do ES está vivendo um intenso desenvolvimento econômico e social…”, e por ele foi. Pouco depois ele apresentou o quadro sombrio do inchaço populacional e, consequência, da frota veicular, para concluir que, notem a hierarquia, tal quadro traz “prejuízo para os negócios e para a qualidade de vida”. Os negócios, sempre eles. 
 
Entre outros elementos, Martins apresentou uma série de gráficos e números, um dos quais merece atenção: segundo projeção da consultoria, em 2023 a Quarta Ponte reduzirá em 20% a demanda pelas Segunda e Terceira pontes, segundo uma taxa de crescimento da frota de 3% ao ano.
 
Enquanto Martins explanava, um aluno da Escola Municipal de Ensino Fundamental Alvimar Silva, em Santo Antônio, percorria o auditório com um cartaz: “Meu bairro não merece ser estuprado”. Santo Antônio será imediatamente afetado pela ponte e suas intervenções. Junho de 2013 ecoou no Tancredão: um grupo de alunos da escola espalharam cartazes pelo auditório pedindo menos carros, menos poluição e mais ciclovias. 
 
A redução de 20% é inexpressiva quando lembramos que urbanistas sempre projetam o prazo de validade de um empreendimento para, no mínimo, meio século: “Que cidade queremos daqui a cinquenta anos”?, É a questão-chave. 
 
Atendo-se apenas a Vitória, Cariacica e Vila Velha, os três municípios diretamente envolvidos pela Quarta Ponte, em junho de 2001 a região somava 210.688 mil veículos, segundo o Departamento Nacional de Trânsito (Denatran). Dez anos depois, em setembro de 2013, o número saltaria para 499.380 mil veículos. Não parece razoável escoar R$ 700 milhões, o custo da Quarta Ponte, por uma taxa específica de 20% em 10 anos. 
 
De outra forma: qual o prazo de validade da Quarta Ponte? 
 
Mauro Martins de lugar à explanação de Marcos Lopes, da CTA-Serviços em Meio Ambiente, empresa responsável pela consultoria ambiental do empreendimento. Lopes apresentou a implantação da ponte e impactos decorrente em pontos negativos e positivos. 
 
A CTA enumerou cerca de 30 impactos, entre sociais, físicos e bióticos. Exemplos: criado há apenas sete anos, o Parque Natural Municipal Manguezais do Itanguá, em Cariacica. O parque ainda não possui plano de manejo; intervenções ali só com a anuência do órgão gestor, a Cariacica do prefeito Geraldo Luzia, o Juninho (PPS). Em Vitória, o sítio histórico-cultural formado pelo Cais do Hidroavião, Sambão do Povo e Escola da Ciência – Biologia e História também está dentro da área de impacto. 
 
Outro impacto é a alteração da qualidade do ar, naturalmente em função do adensamento viário previsto. Numa explanação serena e segura, Lopes assegurou que será aplicado programa de controle ambiental para reparar, ou ao menos abrandar, a deterioração do ar na região. 
 
Lopes é corajoso. Se há uma coisa a que o Iema nunca dispensou o mínimo esforço é para a qualidade do ar do Espírito Santo. Na tela de um data-show, tudo é possível. Na realidade, a história é outra, como nos mostram Vale, ArcelorMittal, Aracruz Celulose (Fíbria) e Samarco. 
 
Ele também demonstrou coragem ao arrolar os pontos positivos. Primeiro falou em melhoria da mobilidade urbana, reforçando o argumento do representante da EGP/Engespro. Em 1989, a Terceira Ponte também era melhoria de mobilidade urbana; menos de 20 anos depois ela se transmudou em símbolo de congestionamento.
 
Falou também em “alteração da dinâmica do mercado imobiliário”. Belo eufemismo, sabendo-se o quão predatório é o mercado imobiliário capixaba. Simbólico: mais tarde Fábio Damasceno faria uma advertência às famílias que sofressem desapropriações. Recomendou cuidado com especuladores, como corretores e advogados.  
 
Em matéria de março deste ano, a professora Martha Campos, do Departamento de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes), classificou de “fora do lugar” a ideia de “BRT com viadutos e pontes” – a Quarta Ponte terá faixas adaptadas para o BRT (vias exclusivas para ônibus). “Ou as políticas públicas de transportes valorizam as cidades ou as destroem”, disse.
 
A audiência foi interrompida para 15 minutos de lanche. O relógio já marcava quase nove horas da noite. No retorno, agora seria a vez da participação da sociedade civil, uma coisa ficou clara: há um bom tempo Fábio Damasceno não experimentava constrangimentos em encontros públicos. O segundo semestre de 2013 foi o inferno astral do secretário, pressionado por todos os lados pela sociedade civil nos casos Praça do Cauê, BRT e Transcol.
 
Ao invés de abrir o microfone, optou-se pela distribuição de canetas e cartões em que os participantes faziam perguntas. Mesmo o tema que mais parecia preocupar os moradores, as desapropriações, não desestabilizou o secretário. Deu até conselho, como dito acima. Desta vez, ele defendeu tranquilo o principal projeto do Programa de Mobilidade Urbana do governo estadual.  
 
A mesma audiência pública acontece em Cariacica nesta terça-feira (22), a partir das 19h, no Instituto Federal do Espírito Santo (Ifes). 

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