Uma “história de aparente mediocridade e repressão”, assim o escritor Caio Fernando Abreu (1948-1996) começa o conto Aqueles Dois, publicado originalmente no livro Morangos Mofados (1982). O conto é cheio de sutilezas e ambiguidades que tanto marcam a obra do escritor gaúcho. Aqueles Dois é sobre o encontro de duas almas solitárias que acham a felicidade na companhia uma da outra. No entanto, essa relação causa incômodo nos demais colegas de profissão.
Baseado nessa história de amizade ou de amor entre Raul e Saul, a Companhia de teatro mineira Luna Lunera apresentará o espetáculo Aqueles Dois, adaptação do conto homônimo de Caio Fernando Abreu. A temporada começa nesta sexta-feira (25) e vai até o domingo (27), no Teatro do Sesi, Vitória. Após a apresentação de sábado (26), o público poderá ainda participar de um bate-papo com atores e diretores da peça.
Para manter a subjetividade do texto, o ator Odilon Esteves conta que o elenco trabalhou com um processo colaborativo em que os atores se revezam nos papéis dos protagonistas Raul e Saul, além de sugerirem os outros personagens da repartição. “Desse jeito há várias versões para um mesmo personagem, cada ator insere suas próprias referências e leituras para o texto de Caio”, diz.
Odilon confessa que essa forma de atuação gera confusão, entretanto, tudo é proposital “não há consenso dentro da companhia sobre o que realmente aconteceu no conto Aqueles Dois. Alguns pensam que é uma história entre dois homossexuais, outros acreditam que os personagens são héteros e há também quem pense que se trata de um hétero e um homossexual”, diz o ator. O objetivo da companhia foi manter essa diversidade de leituras e percepções sobre a história.
A própria linguagem de Caio Fernando Abreu é ambígua no conto, o ambiente não é delimitado, não se sabe se é uma repartição pública ou uma empresa privada, pode ser um escritório qualquer, “é um ambiente de trabalho árido, onde duas almas se reconhecem no meio desse deserto, como bem explica o escritor no conto”, ressalta Odilon.
Para o ator tudo pode ter acontecido nesse conto que mistura cumplicidade e desejo entre dois homens, “Caio também escreve que Raul e Saul não tinham preparo para dar nome às emoções que sentiam e nem mesmo para entendê-las. Por isso talvez, a incompreensão dos colegas diante dessa relação fosse o medo do desconhecido”.
Há ainda a simultaneidade de tempos. A peça se passa nos anos 80, mas poderia acontecer hoje ou na década de 60. Para transparecer a atemporalidade do texto, a companhia mistura referência a filmes antigos com filmes novos, o cenário tem máquinas de escrever junto com monitores de computadores, além do figurino que também mistura peças antigas com novas.
“A plateia não precisa entender tudo que está em cena porque nossa intenção é que cada um crie a sua interpretação da história, assim como no conto”. Para preservar a delicadeza da literatura de Caio Fernando Abreu, a companhia também intercalou momentos de dramatização com momentos de narração, “nesses momentos, cada ator narra um momento do conto e diz o que vê e o que entende de cada cena”, explica.
A direção do espetáculo também foi feita de forma compartilhada. Na época, a companhia estava sem diretor, então cada ator criou um projeto de direção que seria escolhido ao final, “mas em vista de projetos tão diversos e interessantes, foi impossível escolher um só”, conta Odilon. “Elegemos as imagens que mais gostamos e começamos a improvisar em cima. Percebemos que os roteiros seguiam o mesmo caminho e foi aí que começamos a convidar o público para participar dos ensaios e agregar novas sugestões”.
Oficina
Além das apresentações, o grupo realizará a oficina Ator Criador, que revela as etapas de construção do espetáculo. Direcionada a atores, bailarinos e estudantes de teatro, maiores de 16 anos, a oficina será ministrada por Cláudio Dias nesta quinta-feira (24), das 18h30 às 22h30, na Má Companhia, sede dos grupos Z e Repertório, no Centro.
“Vamos explicar como é trabalhar de forma colaborativa e assim trazer um aprendizado além do espetáculo. Também pretendemos conhecer os artistas locais e trocar informações com eles”, explica Odilon. O ator conta que a oficina vai partir dos jogos de contato, improvisação e do método de ações vocais.
Serviço
O espetáculo Aqueles Dois da Cia Luna Lunera (MG) será apresentado nesta sexta-feira (25), sábado (26) e domingo (27), às 19 horas, no Teatro Sesi, Rua Tupinambás, 240, em Jardim da Penha, Vitória. Ingressos: R$ 5 (meia-entrada) e R$ 10 (inteira). Os ingressos serão vendidos duas horas antes do espetáculo, na bilheteria do Teatro do Sesi.