De certo modo, o dia 2 de julho de 2013 só terminou nessa terça-feira, 22 de abril de 2014. O que lá houve de tensão e revolta, a deflagração do #ocupaAles e o início de um movimento que expôs como nunca as relações entre a Concessionária Rodovia do Sol S.A. e a política capixaba, aqui viu-se o lúdico e o festivo.
No protesto dessa terça, houve polícia, óbvio, mas não houve bala de borracha, nem gás, nem spray. Houve música, batuque e muita gente alegre de sorriso no rosto.
Gente que viveu em parte ou integralmente os 11 dias de ocupação da Assembleia Legislativa estava entre as cerca de 250 pessoas reunidas em frente à Casa. Conversamos com alguns desses “vândalos” para saber como analisariam a suspensão da cobrança do pedágio da Terceira Ponte anunciada pelo governador Renato Casagrande e, em retrospectiva, como 2013 e suas palpitações seriam avaliadas.
Primeiro de tudo: eles preservaram a coerência do movimento. Preferiram não se identificar em entrevistas, mesmo procedimento adotado durante o #ocupaAles, em respeito ao caráter apartidário e sem lideranças do movimento.
Segundo: em maior ou menor escala, todos enxergam uma clara conexão entre as jornadas de 2013 e ambos os atos dessa terça. No Espírito Santo, especificamente, se no início das jornadas havia uma pauta extensa porém um tanto dispersa de demandas, não demorou para tudo desaguar no pedágio da Terceira Ponte que, viu-se, avultou como a principal bandeira dos protestos.
O #ocupaAles começou no fim da tarde do dia 2 de julho, após o turbulento desfecho da sessão que votaria o decreto determinando a extinção do contrato da Rodosol. Todos lembram o estopim: o pedido de vistas de Gildevan Fernandes (PV), relator do projeto. Mais de 100 manifestantes foram para o gabinete da Presidência e lá ficaram. Depois se mudaram para um espaço do restaurante. Só saíram no dia 12, um sábado.
“Foi um dos movimentos mais bem sucedidos que tive a oportunidade de ver. Mas a gente não pode cair na ilusão de que ‘ah a gente conquistou o que a gente queria e ponto’, disse um ocupante.
“Isso expressa que a luta do povo capixaba não foi em vão, 100 mil pessoas na rua, 11 dias na Assembleia, nada disso foi em vão”, celebra uma ocupante, enquanto o Bloco Que Loucura! fazia o esquenta na calçada da Assembleia.
“Foi uma vitória não só das pessoas que estiveram dentro do #ocupaAles, mas daquelas que se manifestaram, contribuindo para o processo de ocupação. Só mostra que a gente indo pra rua, ocupando os espaços, consegue as vitórias”, disse outra ocupante.
O sabor da vitória é bom, mas os agora ex-ocupantes sabem que não é perene. Ninguém vê na suspensão do pedágio um ato definitivo. O triunfo, aqui, dizem, foi pontual. “ Isso é uma vitória simbólica contra a Rodosol, que tanto explora o povo capixaba. Mas é uma vitória que precisa continuar”, avalia uma ocupante.
Tanto não é perene que uma ocupante diz que 2013 não pode ser considerando um ano exatamente vitorioso. “Não acho que foi vitorioso. O contrato ainda não foi suspenso, revogado. Mas acho que é um processo que está andando”. A melhor definição vem de um outro ocupante: “É uma vitória semiconquistada, semiconcedida”.
Há a consciência de que os resultados divulgados na auditoria, ainda que escabrosos, são preliminares. Por isso o movimento ainda defende o pedágio livre.
“O que a gente quer é uma ponte sem privatização. Não sabemos se a gente vai conseguir conquistar isso, mas tomara que a gente consiga”, diz um. “Nosso objetivo não é que mude a concessão, que mude a empresa, mas que acabe o pedágio. Não se quer outra empresa ocupando o lugar da Rodosol”, completa outra.
Terceiro ponto de consenso: todos os entrevistados relacionam o anúncio do governador Renato Casagrande às eleições deste ano. “De certa forma uma jogada política, as eleições estão chegando, mas de certa forma também foi resultado de uma pressão”, analisa uma ocupante. “É uma tática clara de reeleição”, diz outra. “A auditoria saiu em um momento muito propício eleitoralmente e aí saiu esse relatório inicial como medida eleitoreira”, diz mais uma.
Sobretudo após a saída da Assembleia, o #ocupaAles recebeu dos jornalões capixabas o grande e vistoso carimbo do vandalismo – matérias pranteavam vidros quebrados, tetos esburacados, paredes pichadas, objetos destruídos. Um muro das lamentações. Após essa vitória, onde fica todo esse mimimi, vandalismo, mimimi, destruição, mimimi, prejuízo?
“O discurso do vandalismo vai continuar acontecendo. Daqui a 200 anos, se houver algum tipo de movimento, mesmo que não quebre nada, vai ser chamado de vândalo”, considera, tranquilo, um ocupante.
O protesto
Às 18h, as vias de acesso à ponte e à região norte de Vitória se mostravam mais entupidas que o normal: talvez trabalhadores partindo mais cedo para casa e, assim, evitar os efeitos de um protesto.
Os manifestantes deixaram a Assembleia Legislativa e partiram rumo à praça do pedágio. Seguiram pela Avenida Nossa Senhora dos Navegantes e entraram na Rua Clóvis Machado. Ao mesmo tempo, destacamentos da Ronda Ostensiva Tática Motorizada (Rotam) faziam movimentações no entorno, conferindo aquele toque de tensão psicológica à manifestação.
Uma vez na praça do pedágio, foi possível observar que a polícia fechara todos os acessos à ponte: a Clóvis Machado, Avenida João Batista Parra, Rua Duckla de Aguiar, Avenida Reta da Penha (Praça do Cauê) e Avenida Capitão João Brandão.
No escurinho da João Batista Parra, quase em frente ao Tribunal Regional Eleitoral (TRE-ES), um fila de soldados de escudos e capacetes, provavelmente o Batalhão de Choque, tomava o asfalto de ponta a ponta, mostrando-se a postos. Viaturas espalhavam-se por pontos estratégicos em toda a região.
Não foi preciso. O máximo que os manifestantes fizeram às cabines da Rodosol foi batucar nas chapas de aço que as protegiam, acompanhando o batuque do Que Loucura!. De resto, o que a manifestação fez foi reviver hits de 2013 como “Casagrande, cê não me engana, a Rodosol financia sua campanha” ou tripudiar dos Robocops do governo estadual para reprimir os protestos.
Dessa vez, a praça do pedágio não virou praça de guerra: o cortejo saiu batucando e cantarolando, contornou a Praça do Cauê e depois se concentrou no cruzamento das avenidas Reta da Penha e Desembargador Santos Neves. Foi o ato final de um protesto que, de início, abriria as cancelas, mas após o anúncio da suspensão do pedágio, virou um protesto lúdico de tomada simbólica do Muro de Berlim à capixaba.