O sonâmbulo Amador (2013) é um livro difícil. No começo da leitura, a narrativa é lenta e cheia de complicadas descrições visuais, além disso, o personagem parece apático e de difícil identificação. A história é diversas vezes interrompida por longas memórias, fazendo com que o tempo do romance fique parado e com poucas cenas de ação. Mas passados os primeiros capítulos, o livro do escritor pernambucano José Luiz Passos dá um salto e toma um rumo completamente inesperado.
O romance conta a história de Jurandir, um humilde funcionário de uma tecelagem em Pernambuco. Ele está envolvido no caso de um jovem operário da empresa que sofreu um acidente que lhe queimou todo o rosto. Jurandir precisa viajar até a capital do estado para conseguir que o rapaz seja amparando legalmente. Entretanto, essa viagem se torna um estorvo em sua vida, ele quer ajudar o rapaz, mas hesita em deixar sua rotina.
Além da viagem, outros motivos começam a deixar Jurandir ansioso. Ele a esposa perderam recentemente o filho adolescente e estavam distantes desde então. Jurandir também tinha uma amante, com quem brigou um dia antes de ir a Recife. A viagem, na verdade, serviu como gatilho para um surto psicótico, que culmina com ele colocando fogo no carro da empresa um pouco antes de chegar à capital.
Não se sabe o que aconteceu logo após o incêndio, porque há um salto no tempo e Jurandir já aparece internado em uma instituição psiquiátrica. “Foi um grande desvio que me levou até esse ponto. E o que aconteceu depois é difícil de relatar numa linguagem mais ordenada. Espero que me entendam”, avisa o narrador.
O romance é dividido em quatro cadernos, que foram escritos por Jurandir como ordem médica do Doutor Enio. O protagonista precisa reconstruir o seu passado para retomar seu presente e é nesse momento que diversas narrativas se entrelaçam. Os cadernos contêm quatro tipos de linguagem, uma que relata os sonhos do Jurandir, outra para as suas memórias e as outras duas que misturam a rotina da clinica com a imaginação do personagem.
Aparentemente, a junção dessas quatro narrativas parece confusa, mas na verdade essa confusão se torna essencial. Enquanto Jurandir tenta reconstruir por meio das palavras a sua vida e a sua personalidade, o leitor vai conhecendo pouco a pouco quem realmente é esse personagem. Nesses relatos alguns momentos marcantes acabam voltando, mas sempre de uma forma diferente, seja por uma lembrança incompleta ou por um sonho absurdo.
Esses momentos são o acidente da infância que o deixou manco, as inúmeras brigas com a mulher e com o filho, a relação conturbada com a amante e o acidente com o jovem operário da tecelagem. Jurandir sente que falhou em todos esses momentos e, por isso, essas memórias não o abandonam nem quando ele dorme. As descrições dos sonhos de Jurandir são as melhores passagem do romance. O leitor, a princípio, pensa que a cena narrada é real até se deparar com alguma ação absurda e acordar sobressaltado junto com o personagem.
O Sonâmbulo Amador é uma grande colcha de retalhos de memórias, algumas fora da ordem cronológica e muitas preenchidas pela imaginação, que o protagonista Jurandir vai costurando ao longo da trama e, dessa forma, superando seus medos e derrotas. As caracterizações dos personagens e as descrições são muito bem trabalhadas e é incrível a forma como a realidade se confunde com o universo onírico. É um romance desafiante para o leitor, mas compensador ao final.
Serviço
O Sonâmbulo Amador
José Luiz Passos
Alfaguara
272 páginas
R$ 40,00 em média