Guimarães Rosa é reconhecido pelas suas obras literárias, mas poucos sabem da sua carreira profissional como diplomata, principalmente o período em que viveu na Alemanha e trabalhou como vice-cônsul em Hamburgo. A falta de registros e relatos sobre esse momento da vida do escritor foi o que motivou as pesquisadoras Adriana Jacobsen e Soraia Vilela a produzirem um documentário para resgatar essa história.
Intitulado Outro Sertão, o filme demorou mais de dez anos para ficar pronto e apresenta um recorte da vida do autor mineiro entre 1938 e 1942, quando ele morou e trabalhou na Alemanha nazista. Para apresentar essa história, Adriana e Soraia reuniram documentos inéditos, imagens raras, análises de especialistas e depoimentos de judeus que fugiram da Alemanha com o auxílio de Rosa. O documentário será exibido nesta quarta-feira (28), às 19h, na Biblioteca Pública Estadual.
Adriana Jacobsen conta que as histórias sobre o período em que Guimarães Rosa morou na Alemanha surgiram quando ela e Soraia moravam e trabalhavam juntas no país. “Nós estávamos na Alemanha na mesma condição de estrangeiro que ele, e a experiência que ele teve com o país nos despertou interesse curiosidade”, diz a diretora. Além de realizadora audiovisual, Adriana também é graduada em Letras pela Ufes e mestre em Ciência da Comunicação pela Universidade Livre de Berlim. Hoje ela se divide entre o Brasil e Alemanha.
Quando Adriana e Soraia decidiram fazer o documentário, elas começaram as pesquisas pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), que é responsável pelo acervo dos diários de Guimarães Rosa. Mas foi só na Alemanha que elas encontram um material vasto e desconhecido no Brasil. “Descobrimos que devido as ajudas que o escritor prestava aos judeus, ele chegou a ser espionado pela Gestapo. Outro material inédito que encontramos foi uma entrevista de 11 minutos que ele deu para a televisão Alemã, em 1962”, conta.
O segundo passo nas pesquisas foi encontrar os judeus que o escritor ajudou na guerra dando vistos para virem para o Rio de Janeiro ou São Paulo. “Nosso objetivo era encontrar essas pessoas e perguntar o que elas se lembravam do Guimarães e se sabiam que o homem que lhes ajudou era o escritor”, explica Adriana. O resultado são relatos emocionantes que revelam a personalidade sensível e honesta do vice-cônsul.
Adriana também conta que a edição foi o momento mais doloroso da produção, porque elas tinham 100 horas de material gravado e precisavam decidir o que deixariam de fora do filme. “Apesar das escolhas difíceis, a montagem também é muito gratificante porque é quando você vê o documentário se construindo e ganhando forma”, lembra.
Foram seis meses de edição e Adriana só tem a agradecer pela paciência e generosidade da editora Isabela Monteiro de Castro. “A verdade é que o nome de Guimarães atrai pessoas muito interessantes e por isso toda a equipe que participou do documentário foi incrível”, revela.
O filme foi dividido em capítulos – a chegada, o amigo, o diário, o escritor, o diplomata, o alarme e a partida -, mas o que costura todas essas passagens é o narrador que vai lendo e interpretando relatos em primeira pessoa escritos por Guimarães, são trechos de livros, diários e cartas. “A narração é essencial para se entender a história, além de dar um caráter mais literário ao documentário. Guimarães Rosa foi escritor então o seu melhor esta na palavra por isso não podia faltar esses trechos em primeira pessoa”, explica Adriana.
Por meio desses relatos é possível notar que a guerra foi um momento de grande decepção para o escritor, que sempre admirou a cultura alemã e estava realizando um sonho morando no país. “Deve ter sido muito difícil para Rosa ver o país que ele sempre amou se desintegrando daquela maneira. Mas apesar dessa grande admiração pela Alemanha, em nenhum momento ele se mostra seduzido pela propaganda nazista, vemos o escritor sempre resistente e defensor da igualdade”, comenta Adriana.
Para a diretora, o grande momento de Outro Sertão é a entrevista inédita de Guimarães, um registro bem incomum, já que ele não costumava dar entrevista e aparecer na TV. “Ela foi gravada em 35 mm e é super bonita. Nós a encontramos num arquivo-morto, estava perdida na Alemanha. Sua maior importância é que as pessoas nunca viram o Guimarães Rosa falando. Quem gosta do escritor deve vir vê-lo porque é uma oportunidade única”, garante.
Outro Sertão recebeu o prêmio especial do júri no 46º Festival de Brasília do Cinema Brasileiro e foi selecionado para 32º Festival internacional cinematográfico do Uruguai, para o FEStin Lisboa e para o 18º Florianópolis Audiovisual Mercosul.
Serviço
O documentário Outro Sertão será exibido nesta quarta-feira (28), às 19h, na Biblioteca Pública Estadual. Av. Joao Batista Parra, 165 – Praia do Suá, Vitória