Travestir-se no teatro não é nenhum tabu, mas foi fora dos palcos que o ator e produtor independente Silveiro Perreira foi buscar aqueles que precisam se vestir como mulher para se sentirem eles mesmos. Silveiro passou dois anos nas ruas na companhia de um grupo de travestis para compor o espetáculo Uma Flor de Dama. O monólogo mostra um dia na vida de uma travesti desde o momento em que entra no camarim e se prepara para fazer um show, até quando vai às ruas prostituir-se.
O texto é inspirado no conto Dama da Noite, de Caio Fernando Abreu, e começa com ela sentada em um bar tomando a última e quente cerveja e falando sobre sua vida, como escolhas, amores, desejos e ódio. A peça é uma produção do coletivo cearense As Travestidas e fará uma apresentação única em Vitória esta sexta-feira (18), às 20h, no Teatro do Sesi.
Uma flor de Dama inicia uma trilogia de temática LGBT do coletivo e surgiu de uma questão pessoal do artista, que se incomodava em ver a discriminação das travestis. “Eu percebia que as pessoas não conheciam de fato esse universo e que isso era um dos grandes motivos do preconceito. O travesti é uma figura distante das pessoas e com o meu espetáculo eu o aproximo do público e mostro seu lado humano”, explica Silveiro.
O artista também diz que, assim como o texto de Caio Fernando Abreu, o espetáculo aborda situações que a sociedade prefere ignorar e dá voz àqueles que estão à margem dos padrões sociais. “Eu utilizo o teatro como ferramenta de transformação para colaborar com a destruição dos estereótipos”, afirma. Depois de Uma Flor Dama, o grupo produziu o espetáculo Engenharia Erótica e Br Trans, todos com o mesmo objetivo: questionar a visão da sociedade sobre o universo dos travestis.
O modo de produção do grupo é o teatro-documentário, método que coloca o ator em contato com o seu objeto seja por meio de estudos ou laboratório. Silveiro passou dois anos saindo com travestis para compreender sua rotina e o que as levou a se prostituir. Assim, ele descobriu uma carência nessas pessoas, tanto afetiva como de trabalho, que se perdem em meio às ruas e noites de prostituição.
“O que eu descobri foi a crueldade humana. O motivo dessas pessoas estarem marginalizadas é sempre o mesmo, a intolerância da família que devido a religião ou outros motivos não aceita a condição do filho e o abandonam”, diz Silveiro. Ele ainda completa que depois da família, quem os exclui é a sociedade que lhes nega emprego e estudo. “Sem perspectiva, a única opção que lhes restas é a rua”. O artista criou um personagem fictício para contar essas histórias, mas ele também acaba colocando fatos da sua própria vida para compor o monólogo.
Para montar os primeiros espetáculos de Uma flor de Dama Silveiro encontrou dificuldades porque não conseguia patrocínio de empresas privadas e começou a fazer seu trabalho de forma independente. Mais tarde conseguiu ser aprovado em leis de incentivo a cultura, mas até hoje não consegue outros tipos de apoio. Apesar disso Uma Flor de Dama, que tem 12 anos nos palcos, já realizou 368 apresentações em diversos estados do Brasil e possui mais de 15 prêmios com participações em mais de 10 festivais nacionais. “Conseguimos reverter a nossa situação e hoje o coletivo As Travestidas tem alcance nacional e envolvemos diversas linguagens além do teatro. O nosso coletivo é formado por dançarinos, fotógrafos, músicos, publicitários, todos trabalhando juntos a temática LGBT”, finaliza Silveiro.
Oficina
No sábado (19), acontece a oficina do Palco Giratório A construção da travestilidade como personificação do ator performático, que será ministrada pelo ator Silvero Pereira, do Grupo Coletivo Artístico as Travestidas (CE), das 09h às 12h e das 13h às 16h, na Escola de Teatro, Dança e Música FAFI, em Vitória. A inscrição é gratuita e segue até o dia 16 de julho.
O objetivo da oficina é estudar o processo de criação do ator e a construção da sua travestilidade nos campos de atuação e performance teatral, com o intuito de compreender e classificar essa prática, na arte, como conceito, gênero ou máscara teatral. A atividade tem como público alvo atores, bailarinos, estudantes de artes cênicas e interessados em geral. Para participar, basta solicitar a ficha de inscrição pelo e-mail [email protected] e enviar preenchida ou presencialmente na sede do setor de cultura do SESC-ES.
Serviço
Uma for de Dama será apresentado esta sexta-feira (18), às 20h, no Teatro do Sesi. Entrada gratuita. Os ingressos podem ser retirados uma hora antes no local do espetáculo.