Texto: Henrique Alves
Fotos: Divulgação
Já que o Orkut acabou, é preciso desfazer um mito: não, o prato predileto de Eustáquio Palhares não são três miojos, como fazia crer um perfil mui traquinas na rede social. Eram os bons tempos do Orkut, meados da primeira década dos anos 00, e alguém resolveu tirar um sarro do programa 9 Minutos. Algo como “Eu odeio o Nove Minutos do SBT”. Daí a sacada sensacional do miojo.
É o próprio Eustáquio quem cita o perfil, em tom de auto-ironia. Antes, contara uma anedota. Por todos esses anos, uma cruz pesou-lhe sobre os ombros: a pecha de “inimigo do Chaves” pelas crianças capixabas, devotas do humor ingênuo do seriado mexicano. “Eu com essa cara fechada, conversando sobre assuntos sérios… Aquilo era um saco para as crianças. Para elas o 9 Minutos nunca acabava. ‘Nove minutos porra nenhuma, essa programa dura uma hora e taí atrapalhando o Chaves’”, diz, rindo.
Brincadeiras à parte, é inegável que o capixaba algum dia já comeu seu feijão com arroz de cada dia vendo aquele homem enfiado em um terno preto, aparentemente carrancudo, cabelos ralos penteados para o lado, fazendo perguntas para alguém do outro lado da bancada.
Assim começou o Programa 9 Minutos em 30 de junho de 1989. E assim ele terminou em 30 de junho de 2014. Estar numa emissora forte, como o SBT, com uma progamação local consistente, o formato conciso e o ecletismo das pautas basicamente ajudaram o 9 Minutos a cavar um nicho de audiência na emissora e sustentá-lo por 25 anos numa grade regional com o puro e simples debate de ideias. “Não é cabotinismo falar, não, mas sempre tivemos uma audiência qualificada”, diz.
Claro que a edição derradeira deixaria Eustáquio nervoso; dar um ponto final a uma biografia dessas amolece a alma. Ele confessa o nervosismo. No último programa, deixou da fazer perguntas para respondê-las, como mostra a foto acima, com o jornalista Maurício Prates. No entanto a estreia, esta deu-se tranquilamente. Em 89, ele já era um profissional experiente.
Era 1976 quando o então estudante de Administração na Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes) entrou em A Tribuna como redator de Economia. “Peguei com unhas e dentes”, diz. Durante três anos, passou dias e noites estudando economia, para adquirir domínio da área. Assumiu depois a editoria de Economia e, mais adiante, assumiu a Secretaria de Redação.
Em 1984, uma greve dos jornalistas de A Tribuna redundou no fechamento do jornal. Eustáquio foi remanejado para o setor de Radiojornalismo, enquanto a TV Tribuna era gestada. Quando da inauguração, em 29 de março de 1985, foi novamente deslocado, para a implantação do telejornalismo.
“Quando a TV foi inaugurada, entramos com ambiciosa programação local. Muitas horas. Programa de debate, infantil, clipe musical, telejornal, o Cidade Aberta, uma revista eletrônica”, lembra. Mas como ambição e viabilidade comercial nem sempre falam a mesma língua, a grade local foi secando, secando, até sobrar um único e singelo telejornal diário – o Tribuna Notícias. Com apenas 15 minutos, este padecia de precariedade técnica – faltava equipamento na empresa – e de um horário, digamos, fluido – um pecado, em termos de televisão.
Eustáquio, então, apresentou um projeto a Prates, então diretor-geral da Rede Tribuna. A ideia era dar um pouco de viço à então exangue grade local da TV Tribuna: situação que se explica, antes, pela ênfase que a empresa aplicava ao seu produto impresso, o jornal A Tribuna tal e qual o conhecemos hoje, cujo relançamento se dera havia pouco.
Assim nascia o 9 Minutos, ou, em outro acesso de auto-ironia, “o melhor programa da galáxia”. Mas para uma empresa de comunicação sem dinheiro para investir na própria TV, era mesmo: tudo o que o 9 Minutos pedia era um entrevistado, um cinegrafista e um editor de imagem. Só. Uma produção barata e enxuta como vemos hoje aos montes nesses tempos de You Tube.
Como a empresa estava sem condições financeiras para contratações, Eustáquio se dispôs a apresentar o programa. Sobretudo porque, anos antes, ainda no tempo bom da recém-nascida TV Tribuna, tivera uma boa experiência com o Evidência, programa de mesmo perfil do 9 Minutos, que acabou em função do deslocamento de seu apresentador para trabalhar no relançamento de A Tribuna.
À época, a principal fonte de atualização de Eustáquio sobre mercado televisivo, claro, era os Estados Unidos. Em uma dessas leituras se deparou com um estudo que defendia que o espectador oferecia no máximo nove minutos de atenção a um conversa no vídeo. A tese caiu como uma luva para o programa, do perfil ao, como se vê, título. “Depois percebi que nove minutos podiam ser longo demais para uma conversa chata e curto demais para um papo empolgante”, diz.
Eustáquio sempre achou que estratégias de diferenciação podem ser baseadas na programação local. Além disso, também sempre achou que as pessoas gostam de assistir a um bom papo, como mostram, a sua maneira, os talk-shows norte-americanos. E, em tempos de controle – “a maior invenção humana depois do ar-condicionado”, profere – o espectador de repente pode se deixar prender por uma conversa instigante.
O perfil do 9 Minutos já está em sua cabeça. “Ele ia falar de duas coisas: Deus e o mundo”, ri. E assim começou, e começou diferente. Não queria uma estreia pomposa, como é rito na televisão, ou seja, inaugurar um programa com a presença de autoridades.
O jornalista Pedro Maia foi o primeiro a tomar o assento dos convidados. Entrevistador e entrevistado falaram amenidades sobre a vida e o mundo. Eustáquio, aliás, revela que deveria encerrar o ciclo do 9 Minutos. Mas a vida não deixou: o jornalista faleceu quatro meses antes, em fevereiro.
Eustáquio qualifica o 9 Minutos como um “modesto pódio local”. A ideia era destacar, conferir alguma visibilidade, a pessoas com algo importante a dizer no Espírito Santo, pessoas cujas respectivas atividades talvez não encontrasse respaldo na pauta jornalística convencional.
Deu certo. Com essa premissa reuniu um dos melhores e mais expressivos acervos contemporâneos de entrevistas de personalidades capixabas, uma vasta galeria de gente que ao longo das últimas três décadas faz o estado acontecer. “Quem faz alguma importante no Espírito Santo, está lá nos nossos inexoráveis arquivos”, diz.
O formato do programa não favorecia nenhum tema. Daí ser tarefa dura para seu apresentador pinçar uma entrevista mais marcante entre as cerca de seis mil que realizou ao longo de duas décadas e meia. “Tive muitas entrevistas que me deram o prazer de estar ali naquele momento. Me sentia extremamente feliz de, através daquele trabalho simples, estar ensejando a chance daquela pessoa compartilhar uma informação conosco”.
Em particular, brota da memória uma entrevista com a então prefeita de São Paulo, Luiza Erundina. A petista vinha pelas mãos de Vitor Buaiz (ex-governador do Espírito Santo) e, como prefeita da colossal metrópole, apressada e um tanto estrela. “Vinha fazer um breve desfile aqui na província”, diz Eustáquio. O programa começou e três perguntas depois Erundina estava amansada: o entrevistador foi pelas vias da emoção, querendo saber como era ser mulher, paraibana, pobre, socialista e meio a uma sociedade arraigadamente machista.
Eustáquio lembra de entrevistas com sumidades capixabas como o folclorista Hermógenes Lima Fonseca e o escritor Renato Pacheco, todo o pessoal do esoterismo, ocultismo, contracultura, antroposofia, com celebridades nacionais como Geraldo Azevedo, Renato Teixeira, Wagner Tiso, João Bosco.
Lembra também de ter recebido o professor Hermógenes, o grande mestre de ioga no Brasil, o chileno Rolando Toro, criador da Biodanza, o psiquiatra José Ângelo Gaiarsa, um dos que popularizaram Reich no Brasil, o professor de Filosofia da Ufes Carlos Bussola (por quem Eustáquio deixa transparecer um apreço e respeito enormes; depois ele o levou para escrever em A Tribuna).
E, não poderia deixar de ser, trocou ideia com “o pessoal da Economia”, que era mais a sua praia.
Afora comportamento, o programa sempre tratou de assuntos palpitantes, como a questão das drogas, da segurança e, estamos no Espírito Santo, da poluição ambiental. “A questão ambiental sempre foi tratada, nunca houve restrição da empresa em discutir isso”, afirma.
Eustáquio recorda uma entrevista recente com um pneumologista. “Nós aqui no Espírito Santo já vivemos dentro de um cigarro. Existem protocolos recentes da Organização Mundial da Saúde dizendo que, se você vive numa cidade poluída como Vitória, você corre mais risco de câncer do pulmão do que um fumante passivo”.
Para ele, o Espírito Santo sofre de um estigma contraditório. Por um lado, é a mais perfeita síntese do Brasil, com praias e montanhas deslumbrantes. “No entanto, nós vivemos em uma região metropolitana poluída, degradada, por conta de projetos industriais que país industrializado nenhum no mundo aceita, como siderurgias e mineradoras”.
Ao longo desse tempo todo, basicamente quatro pessoas produziram o 9 Minutos. Afora seu apresentador, os cinegrafistas César Mesquita Braga e Sérgio Porto, o Diretor de Operação José Celso Francisco. Por todos Eustáquio expressa grande gratidão e respeito.
A composição enxuta faz do 9 Minutos um programa altamente recomendável para a internet. Ele diz que se surpreendeu quando se deparou pela primeira vez com o 9 Minutos no YouTube. “Olha a grande mídia, aí”, diz. Ele, como muito, vê o futuro da comunicação nas mídias móveis. “O jornal diário, impresso, é um anacronismo, que vai subsistir ainda por causa do hábito”, analisa.
Eustáquio analisa, mas não se apega ao futuro. Assim que o último 9 Minutos acabou, fez a seguinte reflexão: “Graças a Deus que eu consegui fazer 25 anos de trabalho”. O trabalho legou-lhe um profundo sentimento de gratidão. “Agora que nós fechamos um ciclo, vamos ver o que aparece”.