Inspirada pelo livro Vozes do Bolsa Família – Autonomia, Dinheiro e Cidadania, escrito por Walquiria Leão Rego, Eliza Capai começou a produzir o curta Severinas. Gravado em Guaribas, sertão do Piauí, o curta revela mulheres que promoveram pequenas revoluções em suas famílias graças a ajuda financeira do Bolsa Família. A partir dos depoimentos é possível perceber que essas participantes do programa estão conseguindo mudar as suas vidas e, principalmente, a vida dos filhos que agora possuem mais oportunidades.
O pequeno curta de 10 minutos serviu de base para o mais novo documentário de Eliza: No devagar depressa dos tempos. A frase de Guimarães Rosa ilustra bem o caráter do filme que mostra pequenas mudanças, mas em um espaço de tempo muito curto. Nesse novo trabalho, a documentarista incorpora cenas extras e mais duas personagens. A estreia está prevista para esta terça-feira (16), às 19h, durante a 18º Mostra Competitiva Nacional de Curtas, do 21º Vitória Cine Vídeo.
Na visão de Eliza, o livro Vozes do Bolsa Família aborda um novo feminismo no sertão. “O dinheiro do programa está começando a mudar as questões de gênero nos sertões do Brasil por que a mulher passa a ser a única pessoa que recebe a renda fixa da família e eu achei isso fascinante”, diz a diretora.
Eliza já trabalha o tema de gêneros em suas obras há algum tempo, o seu primeiro longa metragem Tão Longe é aqui (2013) é uma reflexão sobre o que é ser mulher durante uma viagem pela áfrica. Acostumada a ver relações tão desiguais entre homens e mulheres, Eliza se surpreendeu com as histórias dessas mulheres. “No curta eu falo desse machismo que existe no interior, mas a partir de um possível ponto de virada, de um inicio de um processo de autonomia feminina”.
Guaribas foi escolhida por que foi a cidade piloto para o Bolsa Família e também onde se implantou o projeto Fome Zero. Eliza conta que foi muito bem recebida, a sobrinha da dona da pousada onde ficou foi quem lhe apresentou as mulheres do local e Eliza passou a conviver com elas, participar de suas rotinas e frequentar suas casas.
“A Luzia, uma das personagens principais, me permitiu uma relação muito próxima. Foi com ela que se passou um momento que me marcou muito. Nós temos praticamente a mesma idade e ela me disse que viveu a época da escravidão, e isso me deu uma tristeza profunda por que ela falava da escravidão em um tempo presente. Outra coisa que ela me disse foi que quando ela tinha um chinelo ela costumava ir até os lugares descalça e só os calçava quando chegava para conservar o chinelo novo”, conta Eliza.
Hoje, Luzia já se sente satisfeita por seus filhos não passarem por isso e ela poder comprar chinelos para eles. Uma mudança, a principio tão pequena, mas um símbolo muito grande da transformação dessas mulheres, que não passam mais fome e conseguem alimentar seus filhos e permitir que eles estudem.
O filme foi financiado a partir de uma bolsa que Eliza ganhou da Agencia Publica de Jornalismo Investigativo, essa verba serviu apenas para o transporte de Eliza e para a finalização do curta Severinas. Eliza conta que esse primeiro trabalho gerou muitas discussões na internet, “o programa ainda é associado a uma briga partidária, mas acredito que a discussão deve ser muito maior que isso, deve de fato questionar a desigualdade social que vivemos. Em minha opinião o Bolsa Família deveria ser um programa constitucional para se desatrelar de qualquer partido que seja”.
Esse impulso que o Severinas ganhou na internet permitiu que Eliza continuasse o trabalho de pesquisa. A finalização do No devagar depressa dos tempos saiu do bolso da diretora, que o considera um investimento pessoal, “acredito no filme por isso quis que ele chegasse ao cinema com uma qualidade melhor e dessa forma a discussão alcançasse cada vez mais pessoas”, diz. Severinas já é finalista do premio Gabriel Garcia Marquez de Jornalismo Ibero Americano, que prova a importância do tema fora das questões partidárias brasileiras.
Serviço
Exibição do documentário No devagar depressa dos tempos será nesta terça-feira (16), às 19h. Sessão única que integra o 21º Festival de Vitória, no Theatro Carlos Gomes. Entrada Gratuita