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Monocultura do eucalipto contribui para o caos das chuvas no Estado

Em meados dos anos 1970, o naturalista Augusto Ruschi já dizia que a natureza reagiria aos crimes cometidos contra ela. Naquela época, a usurpação do solo capixaba com os plantios desordenados de eucalipto, feitos sobre as áreas desmatadas da Mata Atlântica, já era uma realidade. Ruschi descrevia a alarmante situação dos eucaliptais da Aracruz Celulose (Fibria) no Estado como um grande deserto verde, ambientes em que, apesar da grande quantidade de plantas, há pouca diversidade de espécies e muita degradação, consequências da secura e desnutrição do solo provocadas pela monocultura.
 
Até hoje, a Aracruz propaga a ideia de que os eucaliptais substituiriam as funções naturais da mata nativa, servindo como um reflorestamento. Não é que diz o agrônomo Antonio Donato Nobre, em entrevista ao Valor Econômico desta sexta-feira (31). Nobre aborda a relação entre a Amazônia e o problema da seca no estado de São Paulo. Menciona, por diversas vezes, que reflorestamento não é plantar eucalipto e explica que essa planta não desempenha o mesmo papel da mata nativa em relação ao ciclo hidrológico, que regula a quantidade e frequência das chuvas.
 
Desde o começo deste ano, já se vê no Espírito Santo as principais consequências das interferências causadas pelo ser humano na natureza em função do lucro. As fortes chuvas dos últimos dias e de dezembro passado são consequências desse modelo. Como explica Valmir Noventa, liderança do Movimento dos Pequenos Agricultores (MPA) e da Via Campesina, o Brasil foi formado sob a visão de que a natureza seria um obstáculo ao desenvolvimento e é possível afirmar que a ação do ser humano é a principal causadora do desequilíbrio ambiental.
 
Entretanto, como considera, é preciso saber quais são esses seres humanos que desempenham as atividades mais danosas ao meio ambiente. Entre eles, estão os empresários do agronegócio, modelo de desenvolvimento baseado nos monocultivos, no uso da grande propriedade e do abuso dos químicos agrícolas, além da preservação do plantio em detrimento da proteção da floresta nativa. Entre os principais plantios desse modelo, estão os eucaliptais.
 
Como explica Valmir, tanto a seca como as enchentes dos grandes rios que abastecem as cidades são resultados da falta da mata ciliar. Desmatadas para abrigar pastos ou grandes plantações, as margens dos rios perdem sua capacidade de reter a água para que seja preservado o fluxo e o espaço natural do rio. Esse é o caso dramático do Rio Doce, como ilustra. Em toda a margem do rio, a Mata Atlântica que protegia o rio foi retirada para dar lugar às pastagens, atividades de mineração e grandes complexos industriais. Além das monoculturas, esses setores também são responsáveis pelo grande uso da água dos rios.

Sem que haja mata nativa nas margens dos rios, as águas da chuva não são retidas e causam tanto a cheia exacerbada, que atinge as proximidades dos rios, como o assoreamento. Além disso, como lembra Valmir, não há políticas de recuperação ambiental dos córregos, tampouco políticas públicas que atendam a população a curto, médio e longo prazo. Medidas emergenciais são tomadas na época das chuvas, mas os problemas não são solucionados. A população urbana, sobretudo a mais pobre, como exemplifica Valmir, é a mais prejudicada.

 
A primeira estratégia, segundo a liderança, seria remover a população que habita as áreas de risco, ao mesmo tempo que se dá condições de moradia digna em lugares que não obstruam córregos, alagados ou margens de rios. Também é fundamental oferecer incentivo a quem preserva as matas nativas, como é o caso dos agricultores familiares. “No debate do Código Florestal, os pequenos agricultores não estiveram no centro do problema, porque o meio ambiente nunca foi visto por eles como um problema. Essa visão é do agronegócio, que quer aumentar cada vez mais a sua área de produção”, explica. “Tanto que a concentração fundiária, no Brasil e no mundo, é proporcional à destruição do meio ambiente”, finaliza. 

Lupércio Araújo, do Instituto Orca, explica que, nas cidades, a ocupação desordenada atinge áreas de brejos que funcionam como esponjas para a água da chuva. É uma falha do poder público, como considera, aterrar essas áreas, naturalmente alagáveis, para que ali viva a população mais pobre e se instalem empresas.

 
Esse é o caso da região de Guaranhuns, em Vila Velha, como retratou Lupércio. “O governo erra ao deixar que as pessoas continuem morando em territórios como este. Erra quando permite o parcelamento do solo e o loteamento, cobrando impostos pela infraestrutura em uma área que não poderia sofrer grandes interferências”, explica. Como afirmou o ambientalista, a maioria das cidades brasileiras é planejada para dias sem chuva. Quando acontece a precipitação, aparecem os problemas que não foram evitados em planejamentos anteriores.
 
Lupércio considera, além disso, que a questão ambiental é tratada com distância, temporal e física, pelos governantes. A poluição e o desmatamento, por exemplo, são pensados como causas fisicamente distantes para solução de um problema que demorará a acontecer, que são as mudanças climáticas. Não há um acompanhamento sistêmico das mudanças provocadas no ambiente e das consequências que podem ser acarretadas à população a cada mínima ação. “As justificativas humanas de hoje são tão ridículas quanto as que foram dadas do passado, com a diferença de que há interesses envolvidos”, explica.

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