Os deputados estaduais iniciaram, na sessão desta quarta-feira (19) na Assembleia Legislativa, a análise do Projeto de Resolução 4/2014, que assegura aos servidores da Casa o uso do nome social. O nome social é a forma pela qual as pessoas, travestis e transexuais, se reconhecem e são reconhecidas, são identificadas e denominadas na comunidade.
A sessão, no entanto, foi marcada pela discussão entre os parlamentares sobre o mérito da questão, revelando o desconhecimento da maioria dos parlamentares presentes sobre o uso do nome social de travestis e transexuais como instrumento que garante a cidadania desta parcela da população.
Durante a apreciação da matéria, os parlamentares da Comissão de Constituição e Justiça votaram pela constitucionalidade e legalidade do projeto.
No entanto, o relator da matéria na Comissão de Cidadania Comissão de Defesa da Cidadania e dos Direitos Humanos, deputado Marcos Mansur (PSDB), se posicionou contra a matéria. O deputado Cláudio Vereza, autor do projeto e membro da comissão defendeu o projeto. Segundo ele, a matéria apenas permite permite que travestis e transexuais se identifiquem pelo nome social nos crachás e nos comunicados internos.
O deputado do PT salientou que há uma servidora no gabinete dele, Déborah Sabará, que se identifica como mulher, vive como mulher, embora tenha nascido com o gênero biológico masculino. “Quando chega à Assembleia ela tem de usar um crachá com o nome que consta no registro civil, o que causa constrangimento”, disse ele, acrescentando que Déborah não quer ser chamada pelo nome civil.
O parlamentar disse ainda que questões religiosas não deveriam interferir na garantia de cidadania. “Compreendo perfeitamente as convicções religiosas de colegas que não aceitam a matéria, mas tem de haver uma convivência harmônica na Casa. Convicções religiosas não deveriam interferir na vida de outras pessoas”, disse ele.
O deputado Hércules Silveira (PMDB) apontou que, dentre os próprios deputados há aqueles que não usam o nome do registro civil no exercício da função e não são questionados – caso dos deputados Vandinho Leite (PSB), Nilton Baiano (PP) e Sandro Locutor (PPS).
A servidora Déborah Sabará, que seria beneficiada com a aprovação do projeto, afirma que acompanhou a sessão e se entristeceu com o desconhecimento dos deputados sobre a questão. “Desde que comecei a trabalhar na Assembleia, tive de colocar um papel com o meu nome em cima do nome civil”, diz ela.
Déborah acrescenta que se identifica como mulher desde os 14 anos e que a discriminação é parte do cotidiano. “As pessoas acham que me sinto bem sofrendo discriminação todos os dias”, lamenta ela.
A servidora aponta outro erro grave da Comissão de Finanças que votou pela rejeição da proposta sendo que ela não traz nenhum impacto financeiro para a Assembleia. Nesta comissão, o relator da matéria, deputado Euclério Sampaio (PDT), votou pela rejeição e foi acompanhado pelos deputados Gilsinho Lopes (PR) e Dary Pagung (PRP). Somente a deputada Lúcia Dornellas (PT) votou contra o relator, pela aprovação da matéria.
A Mesa Diretora deu parecer favorável à aprovação da matéria, mas a votação em Plenário deve ficar para a próxima semana, já que a sessão foi derrubada por falta de quórum.
Realidade
A utilização do nome social já é realidade em diversos setores do serviço público. Na prefeitura de Vitória o nome social já é adotado. Na educação a adoção do nome social dos alunos é regulada por dispositivos federais, estaduais e municipais, como o parecer nº 141/2009 – MEC/SECAD; portaria nº233/2010 – MPOG; Decisão do STF Adin 4275 – 1/600 de 2009. E pelas leis estaduais: resolução 2.735/2011 – Conselho Estadual de Educação do Estado; resolução 01/2011 – Conselho Municipal de Educação de Cariacica e lei 8.585/2013 – do município de Vitória.
A própria Déborah Sabará prestou o Exame Nacional do Ensino Médio (Enem), no início deste mês, utilizando o nome social. O cartão do Sistema Único de Saúde (SUS) também identifica o usuário pelo nome social, se for da vontade da pessoa. “É vergonhoso que este projeto não passe na Assembleia”, conclui ela.
Ela diz que os militantes da causa LGBTTI (lésbicas, gays, bissexuais, transgêneros, travestis e intersexuais) têm uma semana para levantar o debate com os deputados para conscientizar para a importância da matéria.
Campanha
Em abril deste ano, o Sindicato dos Trabalhadores em Educação (Sindiupes) lançou uma campanha pela adoção dos nomes sociais de alunos travestis e transexuais nas escolas do Estado.
A campanha, ressalta a importância do nome social no processo de ensino e no ambiente escolar, é considerada instrumento pedagógico para garantir a inclusão, acesso, permanência e a efetivação da aprendizagem de travestis e transexuais no processo de ensino e aprendizagem.
É comum a evasão escolar entre alunos travestis e transexuais em razão do comportamento social de alguns profissionais de educação. A campanha de adoção do nome social é uma forma de combate à homofobia e respeito à diversidade.