A comissão especial que analisa a Proposta de Emenda Constitucional (PEC 215/00) que submete ao Congresso Nacional a decisão final sobre a demarcação de áreas indígenas adiou para a próxima terça-feira (9), às 14h30, a votação do parecer do relator, deputado ruralista Osmar Serraglio (PDMB-PR). Ele apresentou substitutivo à proposta que inviabiliza novas demarcações, reabre procedimentos administrativos já finalizados e legaliza a invasão, posse e exploração das terras demarcadas, como as aldeias Tupinikim e Guarani de Aracruz, norte do Espírito Santo.
Segundo a Agência Câmara, o adiamento foi em decorrência das votações da sessão do Congresso nessa quarta-feira, que se estendeu até a madrugada, com discussão da mudança no cálculo do superavit (PLN 36/14).
Desde essa segunda-feira (1), indígenas realizam protestos em Brasília contra a PEC. Eles também querem impedir a votação do projeto de lei do senador Romero Jucá (PMDB-RN), que pretende regulamentar o Art. 231 da Constituição Federal, classificando propriedades rurais como “área de relevante interesse público da União”, excluindo-as da delimitação das terras indígenas se seus títulos de ocupação forem “considerados válidos”. A matéria entrou em pauta nessa quarta, mas também foi adiada, para a próxima quarta-feira (4).
O substitutivo de Serraglio mantém a demarcação das terras indígenas pelo legislativo, porém por meio de projeto de lei de iniciativa privativa do presidente da República, e não por decreto, como é feito atualmente, com base na Constituição.
O texto diz ainda que a lei poderá estabelecer a permuta de áreas que originalmente caberiam aos indígenas; veda a ampliação de terra já demarcada; e modifica o Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, determinando que se a União não cumprir o dever de demarcar as terras indígenas no prazo constitucional previsto, ao todo cinco anos, terá de indenizar o proprietário das terras. Procedimentos considerados em desacordo com a disposição da PEC terão que ser revistos no prazo de um ano.
O deputado ruralista propõe mudanças ainda nas regras de posse das terras tradicionalmente ocupadas por indígenas, a quem é garantido o usufruto exclusivo das riquezas do solo, dos rios e dos lagos nelas existentes.
O substitutivo diz que os índios poderão explorar essas terras direta ou indiretamente, estabelecendo uma série de exceções: ocupações configuradas como de relevante interesse público da União; instalação e intervenção de forças militares e policiais; instalação de redes de comunicação, rodovias, ferrovias e hidrovias e edificações destinadas à prestação de serviços públicos; áreas afetadas por unidades de conservação da natureza; e perímetros urbanos.
A proposta autoriza o ingresso, trânsito e permanência de não índios nas áreas indígenas, inclusive pesquisadores e religiosos, e que as comunidades indígenas em estágio avançado de interação com os não índios poderão se autodeclarar aptas a praticar atividades florestais e agropecuárias e a celebrar contratos, inclusive de arrendamento e parceria.
Segundo o Conselho Indigenista Missionário (Cimi), que considera os pontos do substitutivo “descaradamente inconstitucionais e ultrajantes aos povos indígenas”, as interferências do setor ruralista na tramitação da PEC estão sendo investigadas pelo Ministério Público Federal (MPF) e Polícia Federal.
A entidade aponta que por meio de interceptações telefônicas, o MPF descobriu que Sebastião Ferreira Prado, líder de uma associação de produtores rurais, planejava o pagamento de R$ 30 mil ao advogado Rudy Maia Ferraz, que seria ligado à Confederação Nacional da Agricultura e Pecuária (CNA), pela elaboração do parecer de Serraglio.
Na época, como diz o Cimi, a Justiça Federal do Mato Grosso considerou que os fatos representavam “um desvirtuamento da conduta do parlamentar responsável pela elaboração da PEC, eis que a CNA é parte política diretamente interessada no resultado da mencionada PEC”.
A proposta, que tramita há 14 anos na Câmara dos Deputados, ainda precisa ser votada pela comissão especial e pelo Plenário.