Mesmo sendo alvo de uma série de controvérsias, o projeto do Porto Central, no município de Presidente Kennedy (litoral sul capixaba), recebeu autorização do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente (Ibama). Nessa segunda-feira (8), o órgão ambiental publicou a licença prévia (LP) do empreendimento, cujo investimento foi orçado em R$ 5 bilhões. Apesar do sinal verde, o projeto portuário depende de alguns fatores, entre eles, a resolução do impasse em torno dos terrenos situados na área do porto, além da própria viabilidade econômica do negócio.
De acordo com o parecer do Ibama, o porto capixaba deve assumir uma vertente multiuso, como relatou a matéria publicada pelo jornal Valor Econômico. O terminal deve lidar com a rotina de exploração e produção de petróleo na camada pré-sal, tendo em vista a proximidade com as bacias petrolíferas de Campos e do Espírito Santo, além do atendimento de diferentes demandas da indústria, com as extensões do cais de atracação. Outra vantagem comparativa é a proximidade de acessos rodoviários, como a Rodovia do Sol (ES-060), que fica próxima ao entroncamento com a BR 101.
Segundo o projeto conduzido pela empresa TPK Logística, em parceria com os holandeses do Porto de Roterdã, o empreendimento será construído em uma área com 1,5 mil hectares, com possibilidade de expansão para até 2,2 mil hectares. A previsão é que o Porto Central cause impactos significativos na geografia local, já que a o projeto prevê a escavação de um grande canal artificial em terra com comprimento de 3.645 metros, além de canais secundários, bem como a dragagem de um canal de acesso em mar que terá 22 quilômetros de comprimento.
Chama atenção que esses impactos não passaram à margem do órgão ambiental, que chegou a apresentar mais de 40 pedidos de revisão e esclarecimentos aos responsáveis pelo Porto Central. No documento publicado pelo Ibama em julho passado, os técnicos alegaram que faltavam argumentos fundamentados para a avaliação adequada sobre a viabilidade ambiental do empreendimento. Além dos aspectos ambientais, o relatório também destacou pontos referentes às populações tradicionais e na área social. No entanto, a licença foi concedida pouco mais de cinco mesmo depois.
Mesmo assim, a primeira fase do licenciamento não autoriza o início da realização do empreendimento. Segundo os ritos do órgão ambiental, as obras só podem deflagradas na fase seguinte – licença de instalação (LI) – em que o órgão autoriza o início das intervenções desde que observadas as condicionantes descritas na licença ambiental. A terceira e última fase é a licença de operação (LO), quando se avalia a implantação dos programas ambientais e se autoriza – ou não – o início da operação do complexo portuário. As obras devem ter uma duração de um ano e três meses. A previsão inicial dos responsáveis é de que o Porto Central entre em operação em 2017.
Controvérsia
No relatório anterior, baseado no Estudo de Impacto Ambiental (EIA) apresentado pela empresa, o Ibama havia solicitado uma descrição mais detalhada dos cursos d'água e áreas alagáveis na Área de Influência Direta (AID) do empreendimento, visando uma quantificação mais precisa das Áreas de Proteção Permanente (APPs). O órgão ambiental também enumerou que “uma das deficiências do EIA foi justamente a avaliação de impactos sobre os corpos d'água, especialmente na porção oeste do empreendimento (área úmida), de modo que não foi possível por esta equipe técnica analisar a extensão e a importância desses impactos”.
Sobre a atividade pesqueira no balneário, que será amplamente impactada pela construção do porto, o Ibama solicitou a visualização das áreas que abrigam tal atividade com sobreposição do mapa de instalação e operação do Porto Central e descrição dos locais de restrição de uso, definindo em quais dessas áreas a restrição será temporária e permanente. O órgão ambiental também requereu a inclusão das comunidades pesqueiras que, na audiência pública, questionaram sua ausência na documentação.
O relatório preliminar também apontou o impacto do empreendimento no núcleo urbano, tendo em vista que a projeção da empresa é de que as obras devem mobilizar um total de 4,7 mil trabalhadores. No documento, o Ibama avaliou que o local onde os funcionários deverão ficar alojados “não parece ser a mais indicada”, uma vez que está projetado para as proximidades do empreendimento que os trabalhadores sofrerão os impactos diretos desse empreendimento, sobretudo com relação ao material particulado e à emissão de ruídos.
O documento do Ibama fez menção, inclusive, às divergências em relação à propriedade dos terrenos onde está prevista a instalação do complexo portuário. Segundo o órgão ambiental, os responsáveis pelo empreendimento deveriam esclarecer a titularidade das áreas. Pelo visto, não foi preciso nem mesmo a solução do impasse para a concessão da LP. Isso porque, o caso está longe de ter sido solucionado, mesmo com a intervenção na Justiça do Estado do Espírito Santo – que é sócio minoritário do porto, com aproximadamente 1% do capital social.
No mês passado, o Tribunal de Justiça do Estado (TJES) confirmou a realização de uma perícia para avaliar o valor real dos terrenos situados na área do empreendimento. A medida já havia sido solicitada pelo juiz da comarca de Presidente Kennedy, em função da divergência entre o valor oferecido pelo Estado, que promoveu a desapropriação das áreas sob justificativa de interesse público, e a quantia pleiteada pelos representantes da empresa Predial Itabirana, que é responsável pela comercialização do loteamento Cidade Balneária Solimar, que fica “dentro da área” do porto.
O governo estadual chegou a depositar em juízo cerca de R$ 27 milhões, porém, os donos do loteamento entendem que o valor de mercado da área chegue à casa dos R$ 100 milhões. Enquanto a Justiça não define o valor definitivo da desapropriação, o juízo de 1º grau não concede a imissão na posse – documento que reconhece a transferência do terreno aos responsáveis pelo empreendimento. Apesar de a perícia ter sido solicitada em setembro, os trabalhos ainda não foram iniciados.
Outro detalhe do empreendimento é a ligação do negócio com parceiros comerciais do governador eleito Paulo Hartung (PMDB), desde a contratação do seu escritório de consultoria Éconos – na época que o governador ainda não havia entrado formalmente na sociedade – com empresas responsáveis pela especulação imobiliário em Presidente Kennedy. Tanto que a ZMM Empreendimentos e Participações Ltda, criada para dar vazão à negociata para compra de terrenos para a Ferrous Resources em 2008, formalizou o pedido de licenças ambientais para a implantação do Porto Central.