A Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 215/2000 não foi votada por todas as comissões pelas quais deveria passar até o final do ano legislativo. Por isso, de acordo com o regimento interno da Câmara dos Deputados, deveria ser arquivada, e a comissão especial criada para analisar a proposta extinta. No entanto, a bancada ruralista ainda pode articular uma autoconvocação por parte do Congresso para votar matérias pendentes nos próximos dias. O senador Romero Jucá (PMDB-RR), que relata diversos projetos de lei e PECs favoráveis a representantes do agronegócio, é um dos protagonistas da estratégia.
O advogado do Instituto Socioambiental (Isa), Maurício Guetta, explica que os ruralistas ainda podem tentar uma manobra regimental para reverter a situação, ainda neste ano, ou para desarquivá-la no início da próxima legislatura. Para o advogado, eles continuarão tentando aprovar propostas contrárias ao meio ambiente e aos direitos de povos indígenas e tradicionais.
Na noite dessa quarta-feira (17), o deputado Afonso Florence (PT-BA), presidente da comissão especial, comunicou no Plenário da Câmara dos Deputados que havia sido cancelada a votação do relatório do deputado Osmar Serraglio (PMDB-SC), favorável à PEC.
A votação do substitutivo, que aconteceria pela manhã, foi adiada por falta de energia elétrica na Casa. A proposta já havia sido transferida outras três vezes. Nas últimas ocasiões, dezenas de indígenas, parlamentares e pessoas contrárias à PEC foram impedidos de entrar no plenário, gerando tumulto no Congresso.
O substitutivo de Serraglio mantém a demarcação das terras indígenas pelo legislativo, porém por meio de projeto de lei de iniciativa privativa do presidente da República, e não por decreto, como é feito atualmente, com base na Constituição. O deputado ruralista propõe ainda mudanças ainda nas regras de posse das terras tradicionalmente ocupadas por indígenas, a quem é garantido o usufruto exclusivo das riquezas do solo, dos rios e dos lagos nelas existentes. O substitutivo também diz que os índios poderão explorar essas terras direta ou indiretamente, estabelecendo uma série de exceções.
A PEC 215, além de submeter ao Congresso Nacional a decisão final sobre a demarcação de terras indígenas no Brasil, abre prerrogativa, ainda, para os processos de demarcação já findados e é uma ameaça também para territórios quilombolas e unidades de conservação. Essa ação interferiria, também, na existência dos territórios indígenas demarcados das etnias Guarani e Tupinikim, em Aracruz (norte do Estado).
Biodiversidade
O Plenário da Câmara dos Deputados também encerrou, nessa quinta-feira (18), o debate do projeto de lei da biodiversidade (PL 7735/14), devido à obstrução de vários partidos pela falta de quórum. O projeto, de autoria do Executivo, simplifica as regras para pesquisa e exploração do patrimônio genético de plantas e animais nativos e para o uso dos conhecimentos indígenas ou tradicionais sobre eles. Com o adiamento, o projeto só poderá ser votado na próxima legislatura.
Essa proposta, de cunho anti-indigenista, não reconhece aos povos indígenas e comunidade tradicionais o direito de negar ou tomar decisão sobre o acesso aos conhecimentos tradicionais e indígenas sobre técnicas e propriedades associadas ao patrimônio genético brasileiro. Por isso, impede que haja separação entre as atividades de pesquisa científica, bioprospecção e desenvolvimento tecnológico, simplificando todos os processos.
O projeto, de origem no Poder Executivo, revisa a legislação que trata de pesquisa científica e exploração do patrimônio genético de plantas e animais nativos; e dos conhecimentos indígenas ou tradicionais sobre propriedades e usos de plantas, extratos e outras substâncias. A proposta atualiza a Medida Provisória 2.186-16/01, que regulamenta a Convenção sobre Diversidade Biológica (CDB), mas não traz regras para pesquisas ligadas à agricultura e produção de alimentos – que continuarão reguladas pela MP.