quarta-feira, novembro 27, 2024
27.7 C
Vitória
quarta-feira, novembro 27, 2024
quarta-feira, novembro 27, 2024

Leia Também:

Ex-funcionário da Petrobras denuncia vazamentos de gás na sede em Vitória

Os moradores do Bairro Vermelho e da Praia do Canto, bairros nobres de Vitória, estão expostos diariamente a um perigo que não fazem ideia. Uma mistura de gases tóxicos – monóxido de carbono e metano – é lançada na atmosfera, como resultado de uma reação química, que transforma a queima de gás natural em água fria para climatização de toda a sede da Petrobras na Reta da Penha.

A revelação é do advogado Ricardo José Ribeiro, que atua como representante de um ex-funcionário da estatal, demitido em janeiro de 2013 após relatar a situação em documento encaminhado aos seus superiores. Em vez de a empresa adotar medidas para solucionar o problema, o advogado afirma que o seu cliente, Carlos Irapuan Lube de Menezes, que ocupava o cargo de técnico de inspeção de equipamentos, passou a sofrer retaliação por parte da direção da estatal.

“Eles mandaram ocultar o relatório e desligaram os sensores que mediam os níveis de gás. Hoje, a população continua exposta aos mesmos riscos que foram denunciados por meu cliente há mais de dois anos. Uma prova disso é que os vizinhos da empresa sentem um forte cheiro de gás, que se assemelha ao gás de cozinha”, completou o advogado (foto abaixo).

 

No relatório enviado ao comando da empresa no Estado, o ex-funcionário Carlos Irapuan aponta a emissão no ambiente externo de pelo menos quatro tipos diferentes de gases: o próprio gás natural (que não é consumido por completo pelo equipamento), monóxido de carbono, dióxido de carbono e metano. Este último que se transforma em um gás altamente explosivo em contato com o ar.

Segundo o documento, os níveis de emissão em área aberta são muito superiores ao máximo tolerável. No caso do metano, os valores estão acima do Limite Inferior de Explosividade (LIE), o que representa o risco iminente de explosão no contato com uma forma de calor, isto é, uma simples fagulha. Já na leitura de monóxido de carbono, foram registrados a presença de 150 ppm (partículas por milhão), enquanto o limite tolerável é de 50 ppm. Esse gás pode provocar desde náuseas, desmaios até o fechamento da glote. Nos casos mais graves, o gás pode causar asfixia e até morte.Os vizinhos confirmam o incômodo. Caso dos moradores da Rua José Luiz Gabeira, que fica exatamente ao lado da usina de transformação do gás natural – que vem do gasoduto da estatal em Linhares, município no litoral norte do Estado. Eles confirmam que sentem o cheiro de gás quase todos os dias e que a situação se agrava nos finais de semana.

A explicação é simples: o projeto das obras da sede adotou o modelo de refrigeração por absorção para realizar a climatização das principais áreas do complexo, como os blocos 1, 2, 3 e 4, além do edifício central e o auditório. A única exceção ficou com a área dos computadores, que utiliza o sistema de gás pressurizado. Todas essas informações são de Carlos Irapuan, um dos sete funcionários da estatal que acompanharam diretamente a execução das obras do início ao fim.

Segundo ele, a usina de transformação do gás natural fica no prédio mais afastado das edificações principais, na parte de trás do complexo. A operação conta com duas máquinas importadas da China. O modelo é o 16DN, da marca AHI Carrier, que consome 220 Nm³/hora (normal metro cúbico, unidade que expressa vazões de gases) cada uma. Para efeitos de comparação, o ex-funcionário relata que o consumo do gás por todos os usuários da região da Praia do Canto é equivalente a 30% do combustível utilizado para alimentar o sistema (440 Nm³/hora).

Além do volume de gás natural que é consumido pela usina, o processo de transformação em si, é muito próximo do que era utilizado nas antigas geladeiras a querosene – que deixaram de ser utilizadas em função dos riscos de explosão.  O funcionamento da usina na sede da Petrobras segue o mesmo princípio, só que numa escala muito maior.

Carlos Irapuan relata, através de seu advogado, que os equipamentos importados fazem a “queima” do gás natural em uma caldeira, aquecendo um elemento químico (brometo de lítio) que resfria a água – bombeada para as cinco unidades, cada uma com uma central independente para realizar a troca de calor – ou seja, dispensa água quente (que retorna à usina) e circula a água fria, permitindo o resfriamento da área, como acontece com os condicionadores de ar tradicionais.

No entanto, a reação química provoca reflexos em decorrência da queima incompleta, resultando em calor – dissipado por meio de chaminés, que estão voltadas para o prédio principal – e de uma mistura de gás nocivos ao ser humano.

Pelos cálculos do técnico de inspeção de equipamentos, que atuou na estatal entre 2008 e o final de 2012, a usina lança, pelo menos, 4,4 mil metros cúbicos de gases no ambiente externo só pela parte da manhã – quando os equipamentos funcionam a 100%. Na parte da noite, a potência do sistema é reduzida para 30%, uma vez que não existe um reservatório da água resfriada ou tampouco as máquinas podem ser paralisadas.

Em dois vídeos feitos pelo técnico na mesma época (abril de 2012), obtidos pela reportagem de Século Diário, ficam claros os riscos da atividade. Eles comprovam os vazamentos de gás, aferidos por medidores de metano – presentes em toda área da usina de refrigeração. No primeiro vídeo, os equipamentos de monitoramento “piscam”, o que aponta a detecção de gases acima do limite permitido. Neste caso, é possível ver o sinal luminoso, mas não há o som do alarme que, segundo o ex-funcionário, teria sido desativado pela direção da empresa.

O segundo vídeo revela um flagrante de vazamento ocorrido em abril de 2012, quando todos os funcionários foram obrigados a desocupar o prédio que corria risco de explosão. Nas imagens é possível ver a movimentação das equipes de segurança da Petrobras, que entram no prédio para averiguar o incidente. O vídeo traz ainda o relato de um funcionário, que não foi identificado, em que tenta evitar a notificação dos superiores para evitar um “carnaval” da chefia, nas palavras do interlocutor.

A reportagem de Século Diário esteve próximo à usina na tarde dessa quinta-feira (5) e pode constatar que o ar no local dá a impressão de ser mais pesado, dificultando mais a respiração – próxima à sensação que se tem ao tentar respirar normalmente em regiões com mais altitude. Sobre esta constatação, o ex-funcionário explica que isso se deve ao bolsão de “ar pesado” que se concentra, sobretudo em dias com maior umidade do ar e com mudança na incidência do vento.

Outro dado alarmante é de que os moradores da região, além de sofrerem os efeitos dos gases, estão expostos ao “bolsão de calor” produzido pela usina. “Bastam as condições climáticas se alterarem, para os moradores da Praia do Canto receberem esse calor”, explica o advogado, citando os demais vizinhos do empreendimento. No relatório, o ex-técnico da estatal concluiu que, além dos gases, um bolsão de calor – cuja temperatura chega a 400º C – é liberado em função da alta escala da operação.

Na parte de trás da sede, estão localizados vários edifícios residenciais, que circundam o parque municipal Pianista Manolo Cabral, construído pela estatal após uma longa queda de braço com a comunidade local. A obra do parque foi uma das condicionantes ambientais para a instalação do empreendimento.

Relação explosiva

Além dos problemas na operação de sistemas na sede da estatal, o ex-funcionário Carlos Irapuan também aponta falhas em outros procedimentos internos. “Esse tipo de comportamento não se restringe à unidade de Vitória. A Petrobras não informa o destino de materiais radioativos ou incidentes com caldeiras de pressão, que foram apontados em relatórios dos quais tive acesso. Como é que o gerente-geral [no Espírito Santo] trata esses assuntos?”, desafia.

O detalhamento de informações tão confidenciais revela o nível de conhecimento do ex-funcionário, que representava os trabalhadores na Comissão Interna de Prevenção de Acidentes (CIPA). Carlos Irapuan atuou durante [período] no colegiado. Em busca da melhoria nas condições de segurança dos colegas, ele já havia feito um Boletim de Ocorrência na Polícia Civil em 2010 após receber ameaças na unidade de tratamento de gás de Cacimbas, em Linhares.

Naquela oportunidade, Carlos Irapuan teve a mesa de trabalho retirada, sendo obrigado a trabalhar com o uso de baldas como cadeira e base do seu computador. Logo após o episódio, ele foi transferido para a unidade Vitória, onde passou a denunciar os constantes vazamentos de gás na usina de refrigeração. Na época da apresentação do relatório sobre a usina, ele teve acesso a um e-mail interno da direção da empresa, que determinou mudanças na remessa do documento. “Eles fizeram isso para não alertar os demais trabalhadores”, confidencia o ex-funcionário.

O episódio derradeiro aconteceu em uma reunião da Cipa, em janeiro de 2013, quando o funcionário ameaçou denunciar a situação aos órgãos de fiscalização e o Ministério Público. O advogado Ricardo Ribeiro afirmou que pretende ajuizar uma nova ação trabalhista para cobrar o retorno de Carlos Irapuan às funções. Ele já havia sido reintegrado por forca de decisão judicial, mas a empresa conseguiu obter um recurso. Hoje, o caso ainda tramita nas instâncias superiores.

Mais Lidas