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Política cultural sente a lâmina da guilhotina de Hartung

Apreensão e expectativas marcaram a reunião do Conselho Estadual de Cultura (CEC), realizado na última quinta-feira (9). Marcado para às 14h, na Biblioteca Pública do Espírito Santo (BPES), em Vitória, o encontro entre representantes do Poder Público e da sociedade civil atrasou. Havia mais participantes que cadeiras. Parece que os organizadores subestimaram a participação popular.
 
Entre os presentes do Conselho, o secretário de Estado da Cultura, João Gualberto; e o subsecretário, José Roberto Santos Neves. Também estiverem alguns dos conselheiros das câmaras dos segmentos culturais. 
 
Com presença bem marcada por artistas e produtores, a reunião, que havia sido anunciada informalmente como uma das mais apreensivas do CEC – pois objetivou apresentar os editais de financiamento cultural de 2015 -, não foi um bom momento para o secretário. Ele admitiu que os resultados “não eram os que gostaria de mostrar”. Isso porque os editais, um dos poucos instrumentos culturais que conseguem ser mantido ao passar dos anos, sofreu um intenso corte de gastos. Inicialmente falou-se em mais de 65% de verba reduzida; mas a Secretaria de Cultura apresenta em suas atas um corte menor, que pode chegar a 15%. Não houve até então certezas e esclarecimentos sobre os índices da guilhotina. 
 
Um dos participantes da reunião, conselheiro de uma das câmaras, indagou sobre esse clima de incertezas sobre o tamanho dos cortes. Questão que não foi amplamente discutida pelo secretário ou subsecretário.  O que se tem de oficial da Secult é que o orçamento do ano de 2014 foi de R$ 150 milhões, sendo que o valor liquidado pela Secretaria foi de R$ 88 milhões – desse valor liquidado, R$ 50 milhões foram destinados à construção do Cais das Artes e R$ 38 milhões para outras despesas. Comparando esse último valor orçamentário aprovado para 2015, a diferença é de R$ 5 milhões a menos, o que totaliza R$ 33 milhões. 
 
O que se comprova é que o grande volume de dinheiro investido no Cais das Artes foi descartado como um valor que poderia entrar efetivamente para outras ações culturais da Secult.  
 
Os editais de 2015: Menos fragmentações
 
Como forma de lançar os editais sem tantas reduções, a Secretaria apostou em retirar as fragmentações anteriores – que seguiam com divisões bem específicas dentro das categorias maiores, como música ou audiovisual – e agregar tudo a grupos maiores. A finalidade é contemplar de forma mais abrangente os grupos culturais, sem  destinar verbas a grupos específicos – estes devem se inserir nos grupos maiores. 
 
De acordo com a Secult, essa decisão resulta na chegada de editais chamados transversais, aqueles que abrangem mais linguagens artísticas. Dessa forma, com orçamento do Fundo de Cultura (FUNCULTURA) de R$ 6,5 milhões (redução de R$ 2 milhões em relação à verba do ano passado), os editais se dividem nas seguintes categorias:
 
– Locomoção para artistas, estudiosos e técnicos
– Territórios culturais
– (NOVO) Economia Criativa
– Coletivos artísticos da juventude
– (NOVO) Pontos de memória
– Incentivo ás práticas leitoras
– Patrimônio Cultural
– Edital para culturas populares e tradicionais
– Mestres da cultura popular
– Circulação de grupos da cultura popular
– Inventário, conservação e reprodução de acervos
– [Artes cênicas] Circulação Cultural de artes cênicas
– [Música] Circulação de shows musicais
– [Artes visuais]
– [Audiovisual]  
 
A reunião do Conselho se transformou numa explanação burocrática. Não houve espaço para o debate, pois os representantes de Poder Público partiram do princípio de que a construção das propostas foram debatidas com os presentantes das câmaras setoriais, que são sete, mas no momento atual se reduz a seis, pois a Câmara de Artes Cênicas segue sem representante.
 
A próxima reunião do Conselho foi marcada o próximo dia 23 de abril, às 14h, no mesmo local. 
 
 
A política cultural do Estado
 
 
Partindo desse descontentamento da classe artística e de produtores culturais, os editais refletem o viés que a política cultural toma não só nesses cem dias do governo Paulo Hartung, mas de uma tendência já apresentada nos últimos anos: a falta de esclarecimento sobre as decisões políticas. 
 
Acerca desse assunto, Orlando Lopes (foto acima), ativista cultural, presidente da Comissão Interna de Exensão do curso de Letras da UFES, Coordenador do Neples – Núcleo de Estudos e Pesquisas da Literatura do ES, Membro da Comissão Permanente de Cultura do CCHN/UFES e pesquisador em Economia Criativa, fez uma análise das políticas culturais do Estado.
 
“Minha dificuldade em relação à compreensão sobre a política do governo atual é a falta de clareza de um contexto de pensamento sobre a política cultural, a falta de clareza em relação aos fundamentos dessa política, embora essa indefinição não tenha surgido agora. Nestes cem dias, o elemento mais objetivo que o governo propõe na área da cultura, seu primeiro movimento discursivo, é o da formalização da economia criativa como política de Estado. Houve uma contenção, houve um corte de verbas que foi geral, para todo o secretariado, mas eu não vi a Secretaria de Cultura se manifestar sobre as implicações imediatas e de longo curso dessa atitude. Não houve uma declaração, uma matéria que fosse colocada nos veículos oficiais dizendo que a Secretaria absorveu o fato de o governo do Estado ter tomado uma decisão de corte, nem o que acontecerá a partir dela. Era de se esperar um anúncio, no mínimo, que não haveria corte dos serviços oficiais ou de como isso afetaria o funcionamento de serviços regulares e de programas estratégicos. Então a sociedade, a classe artística e de produtores culturais ficam sem uma orientação, sem saber como lidar com o cenário”, observa.
 
Palestras de “economia criativa”, destaca orlando, como a de hoje (10), no Sebrae, com a convidada Claudia Leitão, estampam bem o direcionamento que o governo pretende dar à área da cultura. Mas esse estampamento vem ainda carregado de questões a serem respondidas. “Houve uma chamada para constituir uma rede de economia criativa que o governo fez questão de dizer que é ele que vai capitanear. Só que ao apresentar dessa forma, não se responde qual é o lugar então da economia criativa nesse processo. Mesmo que se assuma, então, que a economia criativa será usada como forma de bancar financeiramente as ações –  porque é preciso de dinheiro para se fazer cultura – quais são os instrumentos que a política vai dar? Agora é a fase da definição. Mesmo que não se tenha uma definição conceitual, é preciso ter a definição instrumental. E qual é o único instrumento de cultura hoje constituído? O edital”, esclarece Orlando.
 
Segundo Orlando, como um dos únicos instrumentos mais concretos dos governos, os editais são uma das poucas ações que a classe artística têm para se amparar. O que resulta em governos que quase resumem suas lógicas de política em uma ferramenta só. Dessa forma, prossegue Orlando, não se constitui um catálogo diversificado e integrado de ações, nem estratégias descentralizadoras, tampouco um espaço de ação suficientemente amplo para a construção coletiva das dinâmicas culturais, e da política cultural em escala mais ampla. “Que espaço as gestões públicas estadual e municipais têm dado às pessoas para a discussão? A reunião do Conselho de Cultura, por exemplo, ou a palestra sobre economia criativa com plateia reduzida a 80 lugares, são quase uma declaração explícita de que não há espaço e tempo para discussões e construções mais complexas, aprofundadas. E aí passa a ser preciso lidar com o expediente do 'falar rapidinho', três, cinco minutos. Em três minutos não dá tempo de o cidadão acrescentar e questionar quase nada, só dá para se lamentar.  Não é possível ser democrático sem algumas condições, sem a clareza de instâncias de encaminhamento que, mesmo sendo reguladas por representações e hierarquizações, precisam ter sua adequação, precisam fazer os problemas caberem nas pautas. Então, se o governo, que lidera a implementação da política cultural, não cria as condições para que se possa discutir, como é que se vai construir, por exemplo, uma percepção crítica e propositiva sobre o cenário cultural no Estado? Não há clareza, nem chamada de construção”.
 
Orlando acrescenta que o diálogo, quando tímido ou não tão aberto, gera ações na política que, mesmo com o potencial para seguir, perdem-se no meio do caminho, pois precisam de referências conceituais fortes bem difundidas. Um bom exemplo desse tipo de ação, segundo ele, está bem presente nos projetos do Estado que não conseguem ultrapassar gestões governamentais, projetos que deveriam ser perenes. “Corre-se sempre o risco de se cumprir só a agenda do dia-a-dia. Boas ideias, algumas criadas nas primeiras gestões do governador Hartung, e outras mais recentes, como o Programa Rede Cultura Jovem, vão sobrevivendo sem lastro, sem crítica, sem diálogos aprofundados com a população envolvida. São ideias sobre as quais todo mundo percebe um potencial estratégico de abordagem, mas elas não dão certo. E por que não dão certo? Porque tem coisas que não foram pensadas o suficiente. Isso leva a equívocos com relação ao que é importante, o que é prioritário – e isso não tem nada de óbvio, pede tempo, pede especialistas, pede gestores capazes de pensar de forma mais aprofundada, e de forma relativamente rápida. Fui um dos coordenadores do Programa Rede Cultura Jovem e lembro que foi definida a meta de atendimento  para 100 mil jovens, num universo de 600 mil, para alcançarmos. No final, a gente não atendeu nem cinco mil deles. Não foi apenas um erro técnico, foi conceitual, que não permitiu potencializar os recursos como se pretendia” explicou.
 
Para Orlando Lopes, enquanto a pasta de cultura ultrapassa anos e anos sem o fortalecimento que a classe artística espera, a cultura continua como uma boa mídia espontânea para o governo, que mesmo realizando ou não ações nas diversas áreas, consegue emplacar diversas matérias espontâneas nos veículos de comunicação do Estado. “Percebendo isso, a gente se pergunta: Não era para ser priorizado então? O governo não dá anúncio de um lugar de ação. Não está claro ainda. Não quer dizer que isso não possa ser estabelecido nos próximos meses. Caso venha a ser essa a postura estabelecida, não se pode ignorar que cem dias são definidores, mas podem ser um sinal de atenção também, de cuidado. Continuemos acompanhando e buscando diálogo, tanto o governo quanto os ativistas e os militantes da cultura. O que é certo é que, sem diálogo, nenhuma das pontas desse triângulo terá força suficiente para interferir de verdade no sistema cultural do Espírito Santo”, finaliza.
 

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