Pó preto coletado em Anchieta, no sul capixaba, e imagem de água visivelmente poluída – escura, com muita espuma – lançada na lagoa de Mãe-Bá. Imagem do material e da contaminação da lagoa foram apresentados nesta quarta-feira (22) ao presidente da Samarco, Ricardo Vescovi de Aragão, na CPI do Pó Preto da Assembleia Legislativa.
O presidente compareceu à CPI para depor sobre a responsabilidade da empresa na poluição do ar no sul do Estado. Se fez acompanhar por diretores e por um batalhão de funcionários. A estratégia da empresa foi a negativa de autoria: não polui, nem o ar nem a lagoa. E gera emprego e renda, e tudo mais de bom.
Como todas as poluidoras que até agora depuseram na CPI, a direção da Samarco usou seu depoimento para jogar para a plateia. Dois pontos foram destacados por todas as poluidoras, como nesta quarta feira pela Samarco.
Um, os índices estabelecidos para a poluição do ar – que a sociedade aponta com elevadíssimo e praticamente inatingíveis, independente do que as poluidoras lançam no ar – e, outro, o arranjo jurídico que foi construído por e para elas.
São os famosos Termos de Conduta Ambiental (TCA), em lugar do procedimento jurídico que é necessário para corrigir as empresas que ferem a legislação ambiental e enquadrá-las, que é o Termo de Ajustamento de Conduta (TAC).
Esta foi a forma que encontraram para, junto com o governo do Estado, através do Instituto Estadual de Meio Ambiente e Recursos Hídricos (Iema) e o Ministério Público Estadual (MPES), obter o licenciamento ambiental de novas usinas e, como dizem, ainda diminuir a emissão de poluentes.
Foi assim que surgiram as ineficazes wind fences, as barreiras de vento, que seriam capazes de evitar o arrasto de minérios das pilhas. A sociedade rejeita esta tecnologia e o aumento contínuo da poluição, tanto no sul do Estado, como na Grande Vitória, é apontado como prova. A sociedade exige o enclausuramento do minério nas áreas de transferências e pátios de estocagem.
Do lado da CPI, conhecida como “chapa branca” por ter sido montada para atender aos interesses do governo Paulo Hartung (PMDB), perguntas algumas vezes sem nexo, outras apresentadas pelos deputados para levantar a bola da empresa.
O presidente da CPI, Rafael Favato (PEN), seguido de perto pelos deputados Almir Vieira (PRP) e Dary Pagung (PRP), este nada menos que o relator da CPI, pareciam pedir desculpas aos dirigentes da Samarco por perguntar qualquer coisa.
Outros, como Edson Magalhães (DEM), ex-prefeito de Guarapari, pegaram carona na CPI. Magalhães apresentou demandas à empresa, como em relação à destruição da rodovia ES-010 em Meaípe, entre outras, pedindo colaboração da empresa, etc e tal.
A Samarco não reconheceu responsabilidade na destruição de trecho da rodovia, como disse o seu presidente, solícito com o ex-prefeito de Guarapari, e não descartou entendimentos. Edson Magalhães se deu por satisfeito com o que ouviu, chamou a Samarco de “empresa competente”, e deixou a reunião da comissão.
Outro, este com intervenções infantilizadas, foi o deputado Bruno Lamas (PSB). Pegou sua carona no final, e encheu a Samarco de elogios: “A empresa foi totalmente convincente”, considerou o deputado.
Nem tudo estava perdido. Durante sua intervenção, o deputado Gilsinho Lopes (PR) colocou na tela imagens da empresa. Mostrou o pó preto coletado no sul, em Anchieta; nuvens de poluentes a partir dos pátios e chaminés da Samarco; e água suja, escura e com muita espuma, sendo lançadas na lagoa Mãe-bá.
Ricardo Vescovi de Aragão negou que o lançamento fosse direto na lagoa. O gerente-geral de meio ambiente da empresa, Marcio Isaias Perdigão Mendes (foto abaixo), afirmou que a imagem mostrava lançamento na barragem norte da empresa. Que a água, depois, passaria por tratamento para, só então, ser lançada na lagoa.
Desde a criação da Samarco, em 1977, a empresa usa a lagoa Mãe-bá para lançamento dos seus rejeitos. A empresa é acusada de poluir o manancial com metais pesados. Na CPI, claro, a empresa negou.
Ao contrário, afirmou que depois de devidamente tratada, a água excedente que vem junto com o minério de Minas Gerais é lançada na lagoa, contribuindo com a manutenção de seu volume, mesmo durante períodos de crise hídrica, como agora.
A Samarco informou que o seu mineroduto conduz o minério, na forma de polpa formada por 70% do mineral e 30% da água. Só dois bombeamentos são necessários para que o ferro chegue a Ubu, em Anchieta. São empregados 1.600 metros cúbicos de água por hora. A empresa tem autorização do governo de Minas para captar até 6.300 metros cúbicos de água por hora, para transportar o minério, segundo a direção da Samarco.
A uma pergunta do deputado Gilsinho Lopes, a Samarco disse desconhecer o registro da mortandade de duas toneladas de peixe na lagoa, atribuída aos rejeitos da empresa.
A Samarco admitiu que usa água subterrânea. Mas minimizou: são só dois poços, um nada, a menos de 20 metros de profundidade.
Na Grande Vitória é diferente. A Vale, por exemplo, está consumindo todo o aquífero da Grande Vitória, juntamente com a ArcelorMittal Tubarão e Cariacica. Só a Vale passou a retirar água subterrânea, que é reserva social, de 7 poços, em 2007, para 87, em 2015.
Gilsinho Lopes, entre outras perguntas, quis saber se a empresa financiou a viagem de algum promotor do Ministério Público Estadual (MPES) antes da assinatura do Termo de Compromisso Ambiental (TCA) com o Instituto Estadual de Meio Ambiente e Recursos Hídricos (Iema). Citou os promotores Marco Antônio Nogueira e Elaine Costa de Lima. A empresa negou que os tivesse financiado em viagens para a Europa.
A Samarco afirmou que o sistema de monitoramento da qualidade do ar na região do sul é feita por uma empresa, remunerada por ela. Mas é em cumprimento do TCA, destacou. E que empresa é esta? A CP+ Soluções em Meio Ambiente. Esta empresa é a mesma Cepemar? A direção da Samarco disse não saber, mas afirmou que a Cepemar não presta serviço à empresa há anos.
A Samarco também usou o argumento de que existem outras fontes poluidoras, como as poluidoras Vale e ArcelorMittal na Grande Vitória. Quer inventário de fontes, como exigido aqui. Ocorre que no sul é mais que claro que a poluição do ar tem como única fonte a Samarco. Como, na Grande Vitória, não há dúvidas de que a poluição do ar é de responsabilidade da ArcelorMittal e da Vale.
A poluição produzida pela Samarco atinge os moradores de Guarapari, com mais força durante o vento sul, e todo o sul do Estado, a partir de Anchieta. O aumento da poluição no sul se tornou evidente com o funcionamento da quarta usina de pelotização da Samarco, em Ubu, Anchieta.
A construção da usina foi autorizada no governo Paulo Hartung (2003 – 2010). A Samarco é da Vale e da anglo-australiana BHP Billiton. Apesar da poluição que produz, a Vale quer renovar licença para construir uma siderúrgica na região, e já está licenciada. Aguarda apenas que o mercado se torne favorável para tocar a obra.
Murilo Ferreira
Nesta quinta-feira (23), às 14 horas, o presidente da Vale, Murilo Ferreira, deporá na CPI do Pó Preto, depois de deixar de comparecer à primeira convocação. A comissão não teve alternativa senão intimá-lo pela segunda vez. Agora, confirmou presença.