Murilo Ferreira, presidente da Vale, a empresa que mais produz poluição do ar por material particulado na Grande Vitória, qualificou apenas como “incômodo” o que os agentes produzem nas pessoas. Na verdade, o pó preto produz doenças alérgicas, respiratórias e, entre outras, câncer. E também aumenta a mortalidade no Estado.
O presidente da Vale prestou, finalmente, seu depoimento na CPI do Pó Preto da Assembleia Legislativa. Fugiu na primeira convocação, pelo que se desculpou na reunião, alegando agenda com a presidente Dilma Rousseff. Quando fugiu da CPI, não restou opção aos deputados, que tiveram que afirmar que o presidente da Vale seria conduzido para depor, se necessário. Não foi. Compareceu nesta quinta-feira (23), às 14 horas.
Murilo Ferreira foi tratado como estadista, e bajulado. Mas também teve que ouvir que a Vale espiona os movimentos sociais na Grande Vitória e que municia seus parceiros, como o Ministério Público do Estado (MPES). Um promotor moveu ação contra um ambientalista que luta contra o pó preto a partir de material fornecido pela empresa.
O presidente da Vale ainda ouviu como depoente que a empresa que dirige polui a Grande Vitória e que produz doenças e mortes. Não é como no Leblon, no Rio de Janeiro, onde o presidente mora, e citou como exemplo de que a poluição do ar ocorre em todas as cidades, entre outras críticas.
A estratégia da empresa consistiu primeiro na ocupação de todas as cadeiras no plenário da Assembleia Legislativa, local da reunião. O presidente da Vale se fez acompanhar dos diretores da empresa, e por um batalhão de funcionários responsáveis por chefias. Conseguiu, desta forma, afastar eventuais manifestantes e questionamentos de representantes da sociedade civil.
Na argumentação de que como no bairro Lebon, onde mora em rua sem circulação de veículos, existe poluição, Murilo Ferreira assinalou que não se pode esquecer o pano molhado para limpar sua varanda, para limpar os poluentes.
Na fase da manifestação dos deputados, teve que responder ao deputado Euclério Sampaio (PDT) se na região onde mora tem pelotizadoras. “Quero que o presidente responda”, exigiu o deputado. Não, não tem. Nem na capital do Rio de Janeiro, tampouco no município da capital de São Paulo, tem usinas de pelotização e siderúrgicas, foi obrigado a admitir.
O deputado então ironizou afirmando que se no Leblon os apartamentos são limpos com pano molhado, na Grande Vitória é necessário rodo e balde de água. “É necessário mangueira”, ressaltou.
Teve que responder, no sim ou não, se a empresa foi expulsa do Chile e do Canadá. Não, disse o presidente, que argumentou que a empresa optou por mudanças. A Vale recebeu em 2012 o titulo de pior empresa do mundo? “Sim, mas dos nossos adversários”, minimizou. Assegurou o presidente da Vale que Vitória tem mais qualidade do ar do que muitas cidades europeias. Foi advertido que respondia aos questionamentos sob juramento de dizer a verdade.
Ao deputado Gilsinho Lopes (PR), Murilo Ferreira teve que responder sobre a espionagem praticada pela Vale. Argumentou que o Ministério Público, que investigou a empresa, pediu o arquivamento das denúncias em outros estados. Foi confrontado pelo deputado: no Espírito Santo, a Vale espionou manifestação de pessoas que protestavam contra a empresa, em Camburi.
Mais que isto. Forneceu as gravações para que um promotor do MPES fizesse ação judicial contra um dos manifestantes. O deputado assumiu, de público, que defenderá este cidadão no processo. Gilsinho assinalou que não só o denunciado à Justiça foi espionado pela Vale, mas também o deputado estadual Sérgio Majeski (PSDB), e o deputado federal Max Filho (PSDB) foram espionados pela Vale nesta ocasião.
O deputado Gilsinho Lopes quis saber como a Vale define os políticos que financia nas campanhas eleitorais. É competência do colegiado dos acionistas, e não da direção da empresa, disse Murilo Ferreira. E ainda que são escolhidos os parlamentares afinados com mineração e siderurgia. O deputado relatou então que buscava criar uma CPI do Pó Preto, como a que está em funcionamento.
Relatou que os deputados que foram financiados pela Vale nas campanhas eleitorais e apoiavam a abertura da CPI retiraram suas assinaturas após visita de representantes da Vale. Mas não a ele e a outros que tinham assinado o pedido de abertura da CPI.
O presidente da Vale informou que seus diretores fazem visitas nos legislativos estaduais, da mesma forma que visitam senadores e deputados federais em Brasília. Murilo Ferreira não citou, mas a empresa é uma das principais financiadoras das campanhas eleitorais no Espírito Santo, e é particularmente generosa com o governador Paulo Hartung (PMDB). Através de suas subsidiárias, doou R$ 200 mil na eleição do governador em 2014. Na eleição de 2006, R$ 1 milhão, através da MBR. Em 2002, R$ 300 mil.
A Vale, como todas as poluidoras, insistiu em assumir só uma parte ínfima, um nadica de nada, da poluição do ar no Espírito Santo. E exigiu um estudo que aponte, com precisão científica, o que e quanto emite de poluentes. Para então estudar o que será feito.
Entretanto, tal estudo não é necessário. Todas as poluidoras assumiram em seus depoimentos na CPI que sabem quais poluentes emitem e suas quantidades. A sociedade civil jamais foi informada sobre tais registros e exige estes dados. Conivente com as poluidoras, o governo do Estado, através do Instituto Estadual de Meio Ambiente (Iema), não cobra nada. Se o Iema cobra e têm os dados, os esconde da população.
São as próprias empresas que pagam a coleta de dados e os repassam ao Iema. E prestam serviço tanto ao Iema como às poluidoras, como é o caso da Ecosoft. Tudo acertado nos Termos de Compromisso Ambiental (TCAs). A Vale informou que é esta empresa que está conduzindo novos estudos, junto com a Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes), sobre o poluição do ar na Grande Vitória.
O pagamento da coleta e análise de dados é um compromisso que as poluidoras assumem nos TCAs e um favor às empresas poluidoras, numa parceria do governo do Estado, através do Iema, do Ministério Público Estadual (MPES) e uma ou outra entidade, que cooptam.
O enquadramento jurídico das empresas que agem sem respeito às leis ambientais tem que ser por Termos de Ajustamento de Conduta (TACs), firmados por decisão judicial. Os TCAs foram cantados e decantados por todas as poluidoras na CPI, felizes com este artifício.
As poluidoras Vale, ArcelorMittal e a Samarco, também jamais esquecem o favor que recebeu em TCAs sobre a poeira sedimentável, o pó preto. O governo do Estado, através do Iema, o MPES e a sociedade civil, concordou com as empresas em fixar o limite de 14 microgramas por metro cúbico, medida mensalmente para a poeira sedimentável.
No Rio de Janeiro, Minas Gerais e Amapá (Macapá), é permitido cinco microgramas dos poluentes na mesma área e tempo três vezes menos que no Espírito Santo. Mesmo recebendo este favor, a Vale e a ArcelorMittal produziram poluentes em tal quantidade que os índices foram ultrapassados em alguns meses, como até o Iema admitiu.
Em estudo realizado em 2009 – 2011, a Vale aparece à frente da ArcelorMittal Tubarão e Cariacica como a maior poluidora da Grande Vitória. Nesta ocasião, a Vale lançava no ar, todo mês, 22,2 mil toneladas de poluentes. A segunda colocada, a ArcelorMittal Tubarão e Cariacica, que tem quatro siderúrgicas, contribuía com 16 mil toneladas, todo mês.
Nesta época, as empresas Vale e ArcelorMittal juntas lançavam 38 mil toneladas de poluentes, mensalmente, sobre a Grande Vitória. Os poluentes eram suficientes para encher 593 carretas, com capacidade para transportar 27 toneladas. Os resultados deste estudo já estão defasados, pois a maior pelotizadora da Vale – sua 8ª usina na Grande Vitória – começou a funcionar em 2012. Foi licenciada no governo Paulo Hartung, contra manifestação da população, que a rejeitava.
As oito pelotizadoras instaladas na Ponta do Tubarão, entre os municípios de Vitória e Serra, e as quatro usinas de pelotização construídas em Ubu, Anchieta, também da Vale, poluem a maior parte do litoral capixaba.
Entre os deputados incisivos com o presidente da Vale, o deputado Eric Musso (PP) lembrou a Murilo Ferreira que a empresa polui e que a poluição causa doenças e mortes, não só incômodo. E que a população não aguenta mais tanta poluição, e cobra.
No campo da bajulação, a deputada Janete Sá (PMN). Pegou carona, da mesma forma que o deputado Edson Magalhães (DEM) na audiência da Samarco. A CPI do Pó Preto permitiu à deputada ficar de frente com o presidente da empresa onde disse ter trabalhado 38 anos. Que não fazia questionamentos. Que agradecia à empresa por ter cumprido o TAC Que reconhecia não ser possível enclausurar todo o estoque de minério dos pátios mas que, pelo menos, que a Vale enclausurava as correias transportadoras. E terminou com pedidos ao presidente.