O Ministério Público Estadual (MPES) está analisando um documento que pode mudar os rumos da investigação sobre a denúncia de vazamento de gases na sede da Petrobras, na Reta da Penha, em Vitória. Apesar das negativas da estatal sobre a ocorrência deste tipo de incidentes, um relatório elaborado por uma comissão interna da Petrobras confirmou um grande vazamento de gás, ocorrido em abril de 2012. Na época, os investigadores concluíram que o incidente foi motivado por falta de ajustes nos equipamentos utilizados na usina de refrigeração do Edifício Vitória (Edvit).
O documento – classificado como reservado – foi protocolado pelo ex-técnico de inspeção de equipamentos da Petrobras, Carlos Irapuan Lube de Menezes, um dos seis funcionários que participaram da comissão. Ele foi o autor da denúncia de vazamentos no empreendimento, corroborada agora pelo relatório que teria sido encaminhado para a cúpula da empresa no Estado à época. O texto confirma a presença de gases residuais – CO (monóxido de carbono) e CH4 (metano) – no ambiente externo.
Segundo o relatório obtido pela reportagem de Século Diário, o vazamento de gás teria sido detectado por funcionários que chegavam ao prédio da Central de Utilidades (foto abaixo), onde fica localizada a usina de refrigeração. Os investigadores apontaram que os sistemas de alerta não funcionaram, sendo possível a detecção da presença dos gases por meio do forte odor (semelhante ao gás de cozinha) sentido pelos trabalhadores.
Logo após o alerta dos funcionários, as equipes de emergência foram acionadas e detectaram a presença do gás nos ambientes interno e externo. “Apesar da evidência de liberação de gás incombusto no ambiente, a comissão avaliou que se o sistema de escoamento (chaminés), projetado para conduzir ao ambiente externo os gases residuais, funcionasse adequadamente, o metano não estaria presente na área interna da [Central de] Utilidades. Isto significa que a presença de CH4 na atmosfera foi decorrente de dois eventos combinados: queima deficiente e escoamento insuficiente de gases residuais”, narra o documento.
Chama atenção que esse é mesmo tipo de cheiro sentido na vizinhança do empreendimento, como denunciaram os moradores de prédios e casas do entorno da sede da Petrobras. Tanto que, entre as conclusões do relatório, a comissão sugere a mudança no posicionamento das chaminés. De acordo com Carlos Irapuan, a localização das chaminés foi alterada logo após o incidente, ficando paralelas ao teto do prédio, não sendo possível ser vistas pelos vizinhos do empreendimento.
Em relação à mudança no local de escoamento dos gases, um trecho do relatório dá entender que a companhia tinha prévio conhecimento do risco à população vizinha, mas que esta não teria sido consultada: “Importante ressaltar que, qualquer que seja a solução a ser adotada para sanar o problema da drenagem do gás residual para o ambiente externo, deve ser avaliado o impacto à comunidade vizinha e eventuais conflitos com órgãos ambientais”, alertou o documento à época.
O teor do relatório contradiz com a nota enviada pela direção da empresa ao jornal Século Diário, que negou a ocorrência de registros de vazamentos na unidade. Outro ponto negado pela estatal foi a existência de áreas de caverna no prédio. Entretanto, o relatório de investigação confirmou a existência deste local, que era funcionários como “caixão fechado”. O documento reservado também anexou fotos da vistoria feita no local, inclusive, os funcionários tiveram que usar máscaras e tubos de oxigênio ao adentrar na área localizada no subsolo da usina de refrigeração.
A omissão sobre a existência das áreas de cavernas foi registrada durante os trabalhos de apuração: “Importante registrar que, durante a investigação, foi identificada a existência de um espaço vazio sob a [Central de] Utilidades denominado pelos trabalhadores de “caixão perdido”. Nesta área “perdida” passa parte da tubulação de gás e um eventual vazamento poderia gerar uma acumulação perigosa com potencial de explosão. Chamou a atenção da comissão o fato de que tal área se manteve desconhecida até recentemente dos responsáveis pelo processo de ocupação do EDIVIT, evidenciando falha de integração entre órgãos da Petrobras na disseminação de informações com potencial de dano à Companhia”.
Utilizando este trecho como referência, é possível perceber em todo documento que a maior preocupação dos investigadores foi quanto à possibilidade de danos à imagem da empresa do que a possíveis riscos submetidos à população do entorno. Tanto que na parte das ações sugeridas e do “aprendizado” com a situação, o documento lista a tomada de uma série medidas internas, que não seriam “passíveis de geração de Alerta de SMS e divulgação corporativa” – isto é, nem mesmo os funcionários de todo o complexo, formado por seis grandes edificações, seriam avisados da ocorrência de vazamentos.
Outro dado alarmante trazido no documento reservado foi a revelação de que o alarme sonoro (sirene) para abandono do local em caso de incidentes foi sumariamente desativado: “O técnico C.H. (o nome foi suprimido pela reportagem) explicou que, dada a instabilidade do sistema desde que entrou em operação, os disparos de alarme têm sido frequentes e, portanto, houve uma decisão de se desativar a sirene a fim de não se provocar abandonos constantes da força de trabalho que ocupa os blocos administrativos”.
No entanto, o trecho que chama mais atenção é em relação ao desconhecimento sobre a decisão de desligar o sistema de alerta. “O mesmo [técnico da empresa] não soube, contudo, dar maiores detalhes do processo decisório que envolveu desabilitação da sirene. […] Esta constatação indica uma causa básica relacionada à falta de critérios para desativação de sistemas críticos de proteção, conforme requerido no procedimento mencionado acima”, aponta o relatório de investigação.
Entre as causas responsáveis pelo vazamento de gás, a comissão apontou a falta de uma rotina de ajustes nos equipamentos, o que provocaria a queima incompleta do gás natural no processo de refrigeração; falha ou ausência de análise de risco na fase de projeto do prédio, levando a erros no sistema de escoamento de gases para o meio externo; falta de procedimento para desativação de sistemas críticos (sirene); e falta de conhecimento prévio da influência de fatores ambientais nos instrumentos de medição de gases.
Além do Ministério Público, a denúncia do ex-funcionário da estatal foi encaminhada para o Conselho Regional de Engenharia e Arquitetura (Crea-ES), Delegacia Regional do Trabalho (DRT) no Estado, Corpo de Bombeiros e a Câmara de Vereadores do município. A Secretaria municipal de Meio Ambiente também foi acionada após a indicação do vereador Serjão Magalhães (PSB), que relatou o fato na tribuna de Casa e pediu a intervenção da Prefeitura para investigar as suspeitas de vazamentos que persistiriam até hoje.
Denúncia
Na representação protocolada no órgão ministerial, no último dia 11 de março, Carlos Irapuan afirma ter sido demitido da Petrobras após denunciar a ocorrência de vazamentos de gás na sede da companhia. Ele detalhou os riscos que a população vizinha estaria submetida, além da passagem da tubulação de gás que alimenta a usina pelo parque municipal Pianista Manolo Cabral – construído na parte de trás da sede, como a contrapartida ambiental à vizinhança do empreendimento.
O ex-funcionário também denunciou que a usina responsável pela climatização de todo complexo foi construído sobre uma área de caverna, fato que também seria contra as normas vigentes. Segundo ele, em caso de vazamento de metano – um dos gases resultantes do processo de queima do gás natural –, pode ocorrer o confinamento do gás nessas cavernas, o que caracterizaria um risco iminente de explosão.
Ele relatou que a situação teria sido omitida do Corpo de Bombeiro durante a inspeção realizado no ano de 2011. Ele relata que uma gerente teria ordenado às empreiteiras responsáveis pelas obras [Odebrecht e Camargo Corrêa] a instalação de uma porta falsa para ocultar a área. A manobra teria o objetivo de evitar uma interdição do prédio. Carlos Irapuan também apontou que, em caso de incêndio, o sistema de combate às chamas não irá funcionar, tendo em vista que a caixa de água do local fica no subsolo e não no teto.
Empresa nega vazamentos
A direção da Petrobras nega todas as acusações e afirma que as operações no prédio seguem rigorosamente os critérios estabelecidos na legislação vigente. A empresa alega que realiza medições constantes do nível de qualidade do ar, sendo que nenhum vazamento de gás teria sido detectado nos últimos 18 meses. Na nota enviada ao jornal (veja a íntegra abaixo), a estatal negou inclusive a existência de áreas de caverna no local.
“Em relação à matéria publicada pelo site Século Diário, a Petrobras informa que as operações no Edifício Vitória – Edivit seguem rigorosamente os critérios estabelecidos na legislação vigente, assim como os estabelecidos em sua Licença Ambiental de Operação e Alvará de Localização e Funcionamento emitidos pela Prefeitura Municipal de Vitória e Corpo de Bombeiros Militar do Espírito Santo.
Nos dias 11 e 16 de março, após matéria publicada pelo site, o Corpo de Bombeiros e a Secretaria Municipal de Meio Ambiente acompanharam aferição de rotina realizada pela Petrobras no Edivit. A aferição, realizada em seis pontos entre o prédio da Central de Utilidades (onde se localiza a central de ar condicionado) e o limite do terreno, não identificou a presença de qualquer gás fora dos limites estabelecidos pelos órgãos de controle, o que foi confirmado pela medição realizada pelo Corpo de Bombeiros, que trouxe equipamento próprio.
Nos últimos 18 meses, essas medições são realizadas três vezes por semana, em cinco horários durante o dia. As aferições normalmente indicam ausência de qualquer gás fora dos limites estabelecidos pelos órgãos de controle. Raramente, devido a condições meteorológicas específicas, identifica-se apenas a presença de monóxido de carbono, porém em índices muito inferiores ao limite estabelecido (que é de 39 partes por milhão). Não há registro de vazamento de gás no Edifício Vitória. Todas as medições estão arquivadas.
Em relação à “usina responsável pela climatização ser construída sobre uma área de caverna com confinamento do gás”, a Petrobras esclarece que o Edivit foi construído em um terreno rochoso e irregular, sem a existência de cavernas. Adicionalmente, o metano é mais leve que o ar, o que inviabilizaria o seu confinamento nas supostas cavernas, que como destacado, não existem no local.
Sobre o sistema de combate às chamas, é importante ressaltar que todo o projeto de combate a incêndio foi aprovado pelo Corpo de Bombeiros, havendo inspeção anual para a renovação do alvará. Além disso, a Petrobras realiza sistematicamente simulados de emergência com o sistema de combate a incêndio, assim como com todos os sistemas de segurança do prédio, entre eles, o Sistema de Detecção e Alarme de Incêndio (SDAI), o Sistema de Proteção Contra Descargas Atmosféricas (SPDA) e sistema de pressurização de escadas.
Com relação às escadas de emergência, utilizamos o sistema de pressurização, composto por um conjunto de ventiladores, que insufla ar continuamente, fazendo com que, em casos de incêndio, a fumaça seja direcionada para fora dos pavimentos.
Em caso de falta de energia elétrica, temos geradores de emergência que garantem o funcionamento do sistema de combate a incêndio.
Para o controle de animais, pragas e vetores, a Petrobras conta com uma empresa contratada que presta serviços na área de biologia, não havendo registro de animais mortos no prédio ou no seu entorno”.