Ao jornal A Gazeta desta quarta-feira (29), o secretário estadual de Cultura, João Gualberto, comentando a doação de alguns milhões que o Instituto Sincades – entidade criada em 2008 pelo Sindicato do Comércio Atacadista e Distribuidor do Espírito Santo (Sincades) – fez ao Fundo Estadual de Cultura (Funcultura), diz: “As pessoas acham que não pode haver recurso da iniciativa privada em política pública. Isso é uma meia verdade”.
O secretário mistura alhos com bugalhos. No caso do Instituto Sincades, o que se tem é uma prestidigitação inteira, pronta e acabada. O Instituto Sincades é uma peraltice fiscal travestida de mecenato. Há sete anos, sua relação com a Secretaria de Estado da Cultura (Secult), estabelecida por decreto, causa estranheza e coleciona questionamentos. Como funciona? Quem define qual projeto recebe recurso e qual não? Com que critérios?
São perguntas que ainda vagam sem resposta pelos corredores da Secult e que legitimam a preocupação com o mais recente gesto de altruísmo do Sincades: bancando quase 70% do Funcultura 2015, quem garante que não haverá ingerência do instituto em uma das principais expressões da política cultural capixaba? Até agora, apenas o secretário, garantia que, aí sim, equivale a uma meia verdade.
A razão de ser do Instituto Sincades se liga ao Contrato de Competitividade (Compete-ES), instrumento de fortalecimento da competitividade das empresas locais instituído pelo governo Paulo Hartung (PMDB) em 2004. As empresas que firmam adesão ao Compete 15, referente ao setor atacadista, assinado entre Sincades e governo estadual, pagam uma contribuição diretamente ao instituto, destinada a projetos sociais e culturais do governo.
O decreto que regula a participação do Instituto Sincades na política de cultura estadual orienta a destinação de 10% de sua carga tributária ao fomento de atividades culturais. A carga de tributos incidente sobre o setor atacadista é de 1%. Em relatório de 2014, o Instituto Sincades informa que o setor movimentou R$ 21 bilhões. Operando a matemática do decreto, o Sincades gerou R$ 529 milhões em impostos e, portanto, o fundo cultural do Instituto Sincades chegou a cerca de R$ 50 milhões.
A pressão para elucidar as atividades do Instituto Sincades atingiu o ápice no início de 2013, após a entidade estrangular o Rede Cultura Jovem, projeto robusto até ficar sob ingerência direta do Sincades. Uma reunião entre governo, entidade e sociedade civil tentou responder aos questionamentos acima. Mas a classe artística não foi incisiva e o governo blindou o presidente do sindicato, Idalberto Moro, e o gerente-executivo do instituto, Durval Uliana.
A cada novo projeto, vide as sessões de abertura das concorridas exposições que tomavam os amplos salões do Palácio Anchieta, Moro aparecia como uma espécie de mecenas moderno, exaltando, claro, o poder criador capixaba, mas também pavoneando a abnegação do Instituto Sincades. Era como se ele agisse não pelas facilidades dos incentivos fiscais, mas pelo casto sentimento da benevolência cultural. Arte pela arte.
Capixaba de Aracruz, Idalberto Moro, 59, montou em 1980 o grupo de distribuição de peças de motocicletas do qual hoje é diretor-presidente. Composto por três empresas, o Grupo Motociclo atua nas áreas de distribuição, importação e logística. A Comercial Motociclo atua na área de distribuição e comércio de peças e acessórios para motos, a Capri Logística S.A. atua no controle de estoque e transporte de mercadorias e a Capri Import & Export Ltda especializou-se em comércio exterior. Além de lidar com motocicletas – nada contra, nobre atividade – ele também decide o que é e o que não é cultura.
O discurso da perdição financeira dos cofres estaduais enunciado por Hartung desde as eleições agora atingiu em cheio a política cultural capixaba. Aí temos a única verdade inteira dessa história: a cultura local pode ficar cada vez mais dependente das boas ações do Sincades.