A sessão da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Assembleia Legislativa que investiga a sonegação fiscal no Estado, na manhã desta terça-feira (12), se transformou em palanque para denúncias do presidente da Casa, Theodorico Ferraço (DEM), contra o ex-presidente do Tribunal de Justiça do Estado (TJES), desembargador Pedro Valls Feu Rosa. O parlamentar acusou o magistrado de ser um “impostor” e “bandido”. Ele o acusou ainda de ter comandado a Operação Derrama com o objetivo de proteger os sonegadores de impostos da área de petróleo e gás natural.
Durante todo o seu depoimento, Theodorico Ferraço não escondeu a real intenção de atacar o desembargador, que presidia o TJES à época da operação policial, deflagrada no início de 2013. O demista se referiu aos investigados por suspeita de fraudes na arrecadação de tributos – entre elas, a mulher do parlamentar, a ex-prefeita de Itapemirim, Norma Ayub (DEM), que acabou sendo presa na operação – como “vítimas”. Entre os membros da CPI, o deputado Guerino Zanon (PMDB), ex-prefeito de Linhares, também foi preso, assim como o ex-prefeito de Guarapari, o deputado Edson Magalhães (DEM), que acompanhou toda a sessão.
Sobre as suspeitas de sonegação por parte das empresas petrolíferas que atuam no Espírito Santo, o presidente da Assembleia disse que a Derrama teve o objetivo de intimidar os atuais prefeitos para cobrar as dívidas na Justiça. “A operação beneficiou apenas os sonegadores”, assegurou. Ele citou um eventual prejuízo estimado em R$ 3 bilhões aos cofres dos municípios. Theodorico citou ainda uma suposta decisão do Supremo Tribunal Federal (STF), que teria assegurado a cobrança de uma dívida de R$ 600 milhões das empresas petrolíferas com o município de Itapemirim.
“Ao perceber que o objetivo da operação era proteger a quem sonega, como deputado estadual me senti no dever de acionar o Ministério Público denunciando as ilegalidades e irregularidades cometidas pelo então presidente do TJES, pelo então presidente Tribunal de Contas, Sebastião Ranna, e pelos delegados do Nuroc na execução da Operação Derrama. De forma suspeita e criminosa, prendeu quem cobrava os impostos e acobertou a sonegação de R$ 2 bilhões por parte dos produtores de petróleo e gás natural no Espírito Santo”, disse Ferraço, que também atacou a “omissão”da Secretaria de Segurança – cujo titular à época, Henrique Herkenhoff, pediu demissão do cargo em seguida.
No entanto, as referências ao tema oficial da CPI pararam por aí. Em seguida, o alvo do demista foi o desembargador Pedro Valls, que já havia sido atacado pelo parlamentar em outras ocasiões após a prisão de Norma Ayub. Desta vez, o presidente da Assembleia exibiu uma gravação de conversa telefônica entre a esposa do juiz aposentado Antônio Leopoldo Teixeira, acusado de mando da morte do juiz Alexandre Martins de Castro Filho, Rosilene, com dois interlocutores – o advogado Beline José Salles Ramos e o empresário Francisco José Gonçalves Pereira, o Xyko Pneus, que teriam ligação com o magistrado.
A conversa foi registrada no período em que o juiz Antonio Leopoldo estava preso em função da suposta participação no crime do juiz Alexandre. A revelação da escuta teve o objetivo de mostrar a proximidade de Beline e Xyko Pneus com Pedro Valls, que seria acusado em outro vídeo exibido por Theodorico de comandar o esquema para venda de software desenvolvido pelo magistrado para informatizar o sistema de registro de presos. Segundo ele, os direitos de comercialização do programa de computador teriam sido passados para uma firma (Libertec), de propriedade dos filhos do advogado e do empresário – na época, suplentes do senador Magno Malta (PR).
A gravação de áudio em que a mulher de Antônio Leopoldo ameaçava “contar tudo” para a imprensa, caso o juiz não fosse libertado, teve a intenção de criar o clima entre os membros da CPI para a oitiva de Antônio Leopoldo e de sua mulher, que foram à sessão a convite do próprio presidente da Assembleia. Os dois depoimentos corroboraram com as acusações de Theodorico, que citou ainda uma tentativa de Pedro Valls em promover a prisão de autoridade – entre elas, do atual governador Paulo Hartung – com vistas a uma eventual promoção a ministro do Supremo.
“Eu avisei ao doutor Leopoldo se gostaria de estar presente [à CPI], ele me fez um memorial, que deixarei reservado… [Neste momento, Theodorico anuncia a chegada do juiz aposentado e pede que seja ouvido seu depoimento]. Porque ele [Antônio Leopoldo] foi vítima de rapto, de sequestro”, acusou o parlamentar que deixou de lado a figura de investigado na operação para assumir o papel de acusador de Pedro Valls, que teria participado ativamente dos desdobramentos do Caso Alexandre Martins na Justiça.
Em seguida, o juiz aposentado disse que Pedro Valls teria oferecido um acordo para se livrar das acusações de participação na morte do juiz Alexandre. No entendimento de Antônio Leopoldo, a proposta feita em reuniões secretas no gabinete do desembargador, inclusive, durante a madrugada, seria uma forma de evitar a ligação de Pedro Valls com Beline e Xyko Pneus, que chegaram a ser condenados em outros episódios de sonegação fiscal. Antonio Leopoldo revelou ainda ter sido o idealizador do software e que teria acompanhado as negociações para venda do programa para os governos do Rio de Janeiro e do Paraná por cifras estimadas em R$ 35 e R$ 19 milhões, respectivamente.
Segundo Antônio Leopoldo, ele teria sido conduzido às reuniões pelo delegado Danilo Bahiense, que também seria ligado a Pedro Valls, e se comunicava frequentemente com o advogado e o empresário. Pelo suposto acordo, o juiz aposentado seria levado para Brasília em um avião da Polícia Federal e de lá, seria transportado para a Itália, onde ele e seus familiares receberiam uma nova identidade. Já as dívidas do magistrado – financiamentos do apartamento da família e de um veículo – seriam pagas por Xyko Pneus. Por outro lado, o juiz “sairia como herói”, já que, segundo ele, o próprio desembargador teria separado cerca de 130 inquéritos que estariam inconclusos para Leopoldo decretar a prisão dos suspeitos.
No entanto, o juiz aposentado disse ter desistido do acordo poucas horas antes do embarque. Durante o período que ficou preso, ele afirma ter sido torturado pelo juiz Carlos Eduardo Lemos, que conduzia as primeiras investigações do processo. Ele também acusou a ingerência de membros do Ministério Público, do Tribunal de Justiça e até do governo do Estado, que teriam conhecimento da sua inocência no caso da morte do juiz Alexandre, ocorrida em março de 2003. Todos esses fatos relatados teriam ocorrido entre março e abril de 2005, quando o MP concluiu pela suposta participação de Leopoldo no crime.
Logo após o depoimento de Leopoldo, o presidente da Assembleia voltou à cena para denunciar um novo suposto caso de corrupção envolvendo o desembargador Pedro Valls. Desta vez, o demista acusou o togado de ter usado os valores apreendidos com um traficante de drogas para comprar um veículo de luxo, da marca Mercedes-Benz . Ele chegou a pedir a convocação de uma nova testemunha – identificada por ele como Carlos Franco Bastos -, que também havia sido convidada por Theodorico, mas não havia tempo suficiente para a oitiva. Essa denúncia já havia sido feita pelo deputado ao Ministério Público, logo após a prisão de Norma Ayub – porém, o caso não ganhou destaque na mídia local.
Por último, o deputado acusou Pedro Valls de ter feito uma ameaça recente aos integrantes do Tribunal de Contas do Estado (TCE). Theodorico levantou a ata de uma sessão convocada pelo conselheiro Sérgio Aboudib, em que se registrou uma declaração supostamente atribuída pelo conselheiro Sebastião Carlos Ranna ao desembargador. Nesta fala, Pedro Valls teria dito: “Estou sabendo que o Sérgio [Aboudib] está para investigar [atos da minha gestão], se ele fizer isso eu vou dar o troco”.
Por conta das denúncias, o presidente da CPI, Enivaldo dos Anjos, e os demais membros aprovaram o envio de uma cópia em vídeo de toda a sessão, bem como da documentação entregue pelo presidente da Casa à Procuradoria-Geral de Justiça para que o Ministério Público investigue as denúncias. Também foi aprovada a convocação de Beline para prestar depoimento na próxima sessão da comissão, marcada para a próxima terça-feira (19).
A CPI também decidiu pela quebra do sigilo bancário do Instituto e de todas as Organizações Não- Governamentais (ONGs) presididas pela advogada Clenir Avanza, que chefiou o gabinete de Pedro Valls como presidente do Tribunal Regional Eleitoral (TRE-ES). Theodorico acusa as entidades de terem recebido doações de empresas, entre elas, do setor petrolífero, que seriam beneficiárias, segundo ele, do esquema de “blindagem” promovido pelo desembargador.
Durante a sessão, Enivaldo também anunciou o recebimento a relação das 500 maiores empresas sonegadoras de impostos no Espírito Santo, enviada pela Secretaria de Estado da Fazenda (Sefaz) após a autorização da quebra do sigilo fiscal pela CPI. Ele informou que a documentação está guardada em cofre e será conhecida numa reunião reservada dos cinco deputados, por causa do compromisso de sigilo da CPI. Por causa do acúmulo de trabalho, a CPI da Sonegação Fiscal deverá passar a ter duas sessões semanais, segundo ele.
No mês passado, Pedro Valls chegou a ser convidado pela CPI, mas recusou o convite sob alegação de que estaria impedido de se manifestar devido à restrição da Lei Orgânica da Magistratura (Loman), já que ele preside a 1ª Câmara Criminal do TJES e, caso fosse ouvido pela comissão, ficaria impedido de participar de julgamentos.
Resposta de Pedro Valls