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Ex-juiz desconstrói tese de mando e diz que farsa foi ‘loucura jurídica’

 

A menos de duas semanas da realização do júri popular dos acusados pela morte do juiz Alexandre Martins de Castro Filho, a tese de crime de mando perde ainda mais força. O mais recente golpe partiu do juiz aposentado Antônio Leopoldo Teixeira, um dos pronunciados como suposto mandante do crime ocorrido em 2003, em depoimento nesta terça-feira (19) à CPI da Sonegação Fiscal da Assembleia Legislativa. O ex-togado revelou que foi alvo de uma trama para incluí-lo no crime e que chegou a ser oferecido um “acordo” na tentativa de incriminar outro acusado, o coronel reformado da Polícia Militar, Walter Gomes Ferreira, em troca de sua inocência.

O juiz aposentado – ao lado de sua mulher, Rosilene (foto acima), que também falou aos deputados – contou detalhes sobre os bastidores da montagem da suposta farsa do crime do mando, no que classificou como uma “loucura jurídica”. Diferentemente da teses anteriores, um novo nome surgiu em meio ao contexto: do ex-presidente do Tribunal de Justiça, Pedro Valls Feu Rosa, que comandou o inquérito do Caso Alexandre. O casal relatou encontros com o atual desembargador, inclusive durante a madrugada no período em que Leopoldo ficou preso em função das acusações.

Apesar dos relatos do juiz aposentado sobre o sofrimento nos oito meses em que ficou preso preventivamente, o depoimento mais fulminante foi de Rosilene. Ela relatou que Pedro Valls teria dito em uma das reuniões, que teriam sido intermediadas pelo advogado Beline José Salles Ramos e o empresário Francisco José Gonçalves Pereira, o Xyko Pneus, ligados ao magistrado:

“Foi me dito que ‘o Tribunal de Justiça, o governo do Estado – então comandado por Paulo Hartung, que cumpre atualmente o seu terceiro mandato –, o Ministério Público, o pai da vítima (o ex-juiz e ex-militar Alexandre Martins de Castro), o juiz Carlos Eduardo Ribeiro Lemos [que atuou na fase inicial do caso], Rodney Miranda – atual prefeito de Vila Velha e então secretário de Segurança –, todo mundo sabe que o seu marido é inocente, mas ninguém pode fazer nada por ele. O seu marido vai ser condenado e você e seus filhos não poderão mais sair na rua”, lembrou Rosilene, atribuindo a fala ao desembargador Pedro Valls.

Em seguida, o desembargador teria oferecido um acordo a ela e Leopoldo – que teria sido levado secretamente pelo delegado Danilo Bahiense, que se reportaria sobre os passos do juiz aposentado a Beline e Xyko Pneus. Segundo Rosilene, Pedro Valls e os demais interlocutores no gabinete do TJES teriam dado apenas uma solução:

“O seu marido vai fazer o que vamos pedir e sair do país”. Durante a sessão, Leopoldo detalhou que o plano era sair do Estado em um avião da Polícia Federal rumo à Brasília, onde iria ser transportado até a Itália, onde ele e a família receberiam novos documentos – com novos nomes, semelhante ao que ocorre com pessoas em programas de proteção a testemunhas – e recomeçaria a vida no exterior.

Rosilene afirmou que chegou a pegar um empréstimo bancário no valor de R$ 40 mil e recebeu a promessa de que Xyko Pneus daria outros R$ 350 mil, além da quitação de todas as dívidas contraídas pelo casal – prestação de um apartamento e um veículo. “Ele ficou mais preso no Tribunal de Justiça do que no Quartel da PM”, afirmou. A esposa de Leopoldo disse que soube da situação do marido por meio de cartas escritas por ele durante o cárcere.

Sobre a relação com a vítima, Leopoldo negou qualquer tipo de atrito com Alexandre Martins. Na tese do Ministério Público, os dois magistrados que atuavam na Vara de Execuções Penais de Vitória teriam um desentendimento. As rusgas justificariam o mando da morte. Para tanto, a promotoria levantou o depoimento de uma mulher, que relatou ter visto um carro do Poder Judiciário com uma pessoa de terno azul marinho – no estilo dos utilizados por Leopoldo à época –, entregando um envelope com dinheiro aos executores do crime.

No entanto, Leopoldo afirmou que o depoimento teria sido forjado, após um acordo de “delação criminosa” – termo cunhado pelo acusado do crime – que teria sido intermediada por um promotor de Justiça e o advogado da mulher, que era acusada do tráfico de drogas. Esse depoimento acabou “inserindo” o juiz aposentado na cena do crime, apesar da sentença de pronúncia – que o levará para ser julgado pelo júri popular, ainda sem data definida – fazer menção à prática de homicídio culposo, sob justificativa de que Leopoldo teria conhecimento das ameaças ao juiz Alexandre, mas não teria tomado qualquer providência.

Chama atenção que essa foi a primeira vez que Leopoldo revela os bastidores das apurações do crime. Entre as revelações, ele destacou ter sido torturado pelo juiz Carlos Eduardo Ribeiro Lemos e a participação ativa do delegado Danilo Bahiense, durante os constantes deslocamentos feitos no período em que estava preso. O juiz aposentado também revelou que dormiu quatro noites no Hotel Aruan, na orla da Praia de Camburi, no período em que se acreditava que estava detido no Quartel de Maruípe. Segundo Leopoldo, ele estava sendo acompanhado por quatro policiais, fortemente armados no quarto, mas que não foi feito qualquer registro formal da estadia por conta da amizade de Bahiense com um dos donos do hotel.

Outro dado que se destaca foi a mudança na relação pessoal do Leopoldo com Pedro Valls. Segundo ele, “antes do fato [prisão], sempre teve uma amizade com ‘Pedrinho’- como eles se tratavam”. O juiz aposentado afirmou que ficou ao lado do desembargador em sua eleição para a presidência da Associação de Magistrados do Espírito Santo (Amages) para o biênio 2004/2006. “Aquela eleição foi pesada, dizia que se estava votando a favor do crime organizado”, lembrou.

Sobre a participação de Pedro Valls diretamente no seu caso, Leopoldo relatou um encontro no Tribunal de Justiça. “Ele me chamou, subiu [ao gabinete] como amigo e desceu como inimigo [ao ser designado como o relator do processo disciplinar, que culminou com a aposentadoria compulsória do ex-togado]. Depois desse fato nunca mais tivemos relação”, afirmou o juiz aposentado, que afirmou “saber demais” sobre a eventual relação entre o desembargador, o advogado e o empresário – estes dois que foram condenados em ações penais sobre fraudes tributárias.

Todas essas novas revelações podem – e devem acabar – sendo levadas ao júri popular do Caso Alexandre no próximo dia 25. Além do Coronel Ferreira, o ex-policial civil Cláudio Luiz Andrade Baptista, o Calú, é acusado de mando do crime. O Ministério Público afirma que o trio teria articulado a morte do juiz, muito embora não tenha sido apresentada nenhuma prova considerada irrefutável contra qualquer um deles. Uma das testemunhas arroladas pela defesa dos acusados é o delegado Danilo Bahiense.

Somente os assassinos do juiz – Odessi Martins da Silva Filho, o Lumbrigão, e Giliarde Ferreira de Souza – e os intermediários – Leandro Celestino, o Pardal, que teria emprestado a arma do crime; André Luiz Tavares, o Yoxito, que emprestou a moto usada pelos executores; o ex-policiais militares Heber Valêncio; Ranílson Alves de Souza, acusados de “investigar a rotina do juiz”; e o traficante Fernando Reis, o Fernando Cabeção, cujo nome surgiu no bojo das escutas telefônicas – foram condenados.

Todos eles foram beneficiados com a progressão da pena e estão em regime aberto, com exceção de Lumbrigão, que já tem direito à progressão do regime, e Fernando Cabeção – que responde a outros crimes. Por conta de vários recursos, os acusados de mando ainda não foram para o banco dos réus. As defesas de Calú e do Coronel Ferreira negam qualquer participação de seus clientes no crime, inclusive, os advogados sustentam que o crime seria um latrocínio (assalto seguido de morte) e não um crime de mando.

As revelações acontecem no momento que uma testemunha importante no caso, o ex-juiz e advogado criminalista Antônio Franklin Cunha foi impedido de prestar depoimento. Ele chegou a atuar no início do processo como assistente de acusação da Amages, mas deixou o caso por acreditar que o crime cometido teria sido um latrocínio.  Recentemente, Antônio Franklin denunciou que o governador Paulo Hartung, que ocupava o mesmo cargo naquela ocasião, teria forjado a tese de crime de mando.

No final do ano passado, o magistrado aposentado prestou um depoimento à procuradora federal Denise Neves Abade, que instruiu o pedido de federalização do crime, feito pela presidente da Associação de Mães e Famílias Vítimas de Violência (Amafavv), Maria das Graças Nacort. Para ele, o governador tramou a farsa com a intenção de tirar vantagens políticas do episódio. Antônio Franklin deu ainda detalhes sobre o passo a passo do crime, que desconstroem a tese levada pela promotoria ao júri.

Outro lado

O desembargador Pedro Valls Feu Rosa, que está de férias, divulgou uma nota sobre as declarações do juiz aposentado na CPI:

“A respeito das declarações proferidas, nesta manhã, durante o depoimento do Senhor Antônio Leopoldo Teixeira na Sessão da Comissão Parlamentar de Inquérito instalada com o fim de investigar a sonegação fiscal no Espírito Santo, o Desembargador Pedro Valls Feu Rosa reitera que em obediência ao artigo 36, III da Lei Orgânica da Magistratura Nacional, está impedido de manifestar, por qualquer meio de comunicação, opinião sobre processo pendente de julgamento, tal como se verifica no presente caso, haja vista a iminente realização do júri do qual o referido senhor é réu. Saudações, do Pedro Valls Feu Rosa”.

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