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Iema, Câmara e Prefeitura omissos no combate à poluição produzida pela Samarco

Fotos: Leonardo Sá/Porã
 
 
A Samarco produz doenças nos moradores de todo o sul capixaba, além de destruir o ambiente da região com os poluentes que lança no ar. Mas não é só: também usa a lagoa Mãe-bá para lançar seus rejeitos industriais sem nenhum tratamento, o que acabou com a pesca no local. A CPI do Pó Preto realizou audiência pública em Anchieta, encerrada às 21h25 dessa segunda-feira (15).

 
A audiência foi na Câmara Municipal. Contou com cerca de 60 participantes, entre os quais lideranças comunitárias. Presentes vereadores de Anchieta, Guarapari e Alfredo Chaves. O prefeito de Anchieta, Marcus Vinicius Doelinger Assad (PTB), também participou. Todos conhecem os resultados da poluição do ar, mas não tomam providências. 
 
A Samarco é uma empresa  da Vale e da anglo-australiana BHP Billiton, com 50% das ações, cada. Tem quatro usinas de pelotização em Ubu, Anchieta. Com sua quarta usina, a maior do complexo, a produção da Samarco saltou para 30,5 milhões de toneladas por ano. Um nada a menos do que as oito usinas da Vale na Grande Vitória.  E a aumentou a poluição na região sul capixaba.
 
Wever de Almeida Castilho (foto à esq.) mora há nove anos em Mãe-bá, o bairro mais próximo das quatro poluidoras. Informou que é o coordenador ambiental da associação dos moradores do bairro e que na audiência pública representava a comunidade, com a qual discutirá as informações que ouviu e os próximos passos dos moradores. Em entrevista, traçou o quadro vivido pelos moradores da região sul.
 
São cerca de dois mil moradores no bairro Mãe-bá. A comunidade vem lutando contra o pó preto e não consegue reduzir a poluição do ar. Ao contrário: o pó preto só aumenta. E torna a situação dos moradores insuportável quando há vento sul. O mesmo ocorre com  os moradores de Guarapari.
 
Os moradores de  Guarapari também  são atingidos  pelos poluentes da Vale e da ArcelorMittal Tubarão e Cariacica pela poluição do ar carreada pelo vento nordeste.  
 
Quando o vento dominante, o nordeste toca, não alivia muito em Mãe-bá. Mas a conta mais salgada vai para os  moradores de Anchieta, Piúma, Itapemirim e  Marataízes. 
 
Quando bate o vento sul, os moradores de Mãe-bá que têm piscinas, como disse Wever de Almeida Castilho, tem de esvaziá-las. Mas há sofrimento para todos: roupas lavadas e molhadas não podem ir para o varal, pois ficam pretas, contaminadas com minério. E têm de ser lavadas de novo. 
 
No bairro, as janelas e portas têm de ser fechadas, se não é impossível para o morador tomar café à mesa. Wever informou que em três dias coletou em sua casa cinco quilos de pó preto. Só na varanda, piscina e na área de lazer.
 
Quando a 4ª pelotizadora da Samarco entrou em operação, tudo se agravou. Alergias, coceiras, doenças respiratórias e câncer são das doenças mais comuns na região. Há casos documentados por médicos de doenças respiratórias produzidas pela poluição do ar. Causas registradas em atestados médicos. A Samarco, além de emitir minérios finos, os particulados como as PM10 e PM2.5, também lança  enxofre no ar.
 
Em Mãe-bá os moradores sofrem também com o barulho produzido pelas quatro pelotizadoras da Samarco. O barulho atinge 65/70 decibéis com vento nordeste, e 80 decibéis com o vento sul. 
O pó preto, mas principalmente os rejeitos lançados diretamente das usinas na lagoa Mãe-bá contaminaram a lagoa com metais pesados, entre eles o mercúrio. 
 
Há cerca de um ano, três toneladas de tilápias, criadas em tanques, morreram de uma só vez. Quinze pescadores que tocavam o projeto, aliás bancado pela Samarco como compensação ambiental, ficaram sem seu ganha pão. 
 
“Na lagoa Mãe-bá a comunidade pescava o tucunaré, que era abundante. Hoje não há mais tucunaré. Não tem traíra.  Nas outras lagoas da região têm estes peixes. Em Mâe-bá só conseguem viver e se reproduzir a tilápia e o bagre africano, que vivem em qualquer água poluída. Os peixes são contaminados por metais pesados”, relata Wever de Almeida Castilho. 
 
E como ficará a situação dos moradores com a Companhia Siderúrgica de Ubu (CSU), a siderúrgica que a Vale quer implantar em Anchieta, e para a qual já tem até licença ambiental do Instituto Estadual de Meio Ambiente e Recursos Hídricos (Iema)? Wever de Almeida Castilho não tem dúvidas: “Será o fim de tudo”, sentencia. Dá clareza de que a lagoa Mãe-bá é usada pela Samarco como “pinico”. 
 
E justifica: na decantação dos rejeitos, na parte da lagoa próximo da chamada barragem norte, a espuma produzida pelos poluentes atinge um metro de altura. No ar, as chaminés das usinas lançam fumaça “preta e vermelha”. O morador exige: “Queremos nosso ar limpo. Nossa lagoa limpa”.
 
Providências do poder público sobre os problemas dos moradores, nenhuma. Nem da prefeitura, nem da Câmara. Tampouco do Ministério Publico Estadual (MPES). Ajuda do Instituto Estadual de Meio Ambiente e Recursos Hídricos (Iema), nem pensar. 
 
Aliás, a Samarco é generosa com os políticos durante as eleições. Jamais esquece candidaturas de deputados e dos governadores. No caso de Paulo Hartung, aliás, o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) registra as generosidades das poluidoras Samarco, Vale, ArcelorMittal e Aracruz Celulose (Fibria), entre tantas outras, com os candidatos.
 
A mesma Câmara Municipal que recebeu a CPI do Pó Preto recebe denúncias contra a poluição e nada faz. Providências? Nenhuma. Aliás, não teria mesmo como haver providências. 
 
Durante a  audiência pública, o presidente da Câmara, Jocelém Gonçalves de Jesus (PSD/foto à esq.), disse que em usinas como as da Samarco têm, mesmo, que deixar escapar uma “poeirazinha”. As boas relações dos políticos com a poluidora foram ressaltadas na audiência por ele: “Não temos o que reclamar em termos de atendimento”. A audiência, aliás, foi assistida por dois funcionários da empresa. 
 
E a prefeitura de Anchieta, age contra a poluição do ar? Age, nada. O prefeito  Marcus Vinicius Doelinger Assad, primeiro disse que a controle a poluição é de responsabilidade do Iema. Depois, que solicitou informações ao Iema sobre os índices apurados pelo órgão na rede de monitoramento de qualidade do ar da região, e que  não obteve resposta. Pediu ajuda da CPI para requerer tais dados, no que encontrou apoio. O requerimento será feito, aprovaram os deputados.
 
Marcus Vinicius Doelinger Assad (foto à dir.) se omitiu primeiro por não acionar a procuradoria jurídica do município para exigir os dados que queria na Justiça. Segundo, parte do que a Samarco causa aos moradores está no papel, disponível na sentença dada em favor de uma família – Luiz Celso de Azevedo (já falecido) e  Conceição Aparecida Pinho Correa Azevedo, moradores do balneário de Ubu –, que lutou por seus direitos contra o desrespeito da empresa.  
 
Na sentença, há todos os números dos poluentes do ar da Samarco: “… 24,2% se consideradas as dez localidades. Ou seja, em média, 24% das partículas encontradas no ar nas localidades amostradas provinham da empresa (Samarco) …”, constata o juiz no processo de número 004.03.000688-8, em que deu a sentença. Sim, então a Samarco mentiu à CPI do Pó Preto e diz que só é responsável por 14% da poluição do ar em Anchieta. 
 
O prefeito de Anchieta também é omisso porque o poder público municipal é corresponsável  sobre o controle das condições ambientais, juntamente com o Estado e União. 
 
Oficial 
 
A mesa da CPI do Pó Preto esteve em Anchieta com Rafael Favatto (PEN); presidente, o vice-presidente Erick Musso (PP); o relator Dary Pagung (PRP); e Gilsinho Lopes (PR).  Euclério Sampaio (PDT), titular, não foi. Em seu lugar, esteve o deputado Almir Vieira (PRP), que tem base eleitoral  na região.
 
Favatto revelou que recebeu informação de que um cão pequeno sofre alergia produzida pela poluição. Diagnóstico de um médico veterinário especialista em alergia. Não aponta, mas o dado indica que outros animais domésticos das regiões contaminadas pelo pó preto podem também ser vitimados. 
 
O presidente da CPI também relembrou que cada morador de Vitória, o município da Grande Vitória mais atingido pela poluição do ar da Ponta de Tubarão, onde estão localizadas a Vale e ArcelorMittal Tubarão, inala poluentes equivalentes ao consumo de dois/três cigarros  por dia por causa da fumaça das poluidoras. O cigarro, como os poluentes industriais, causam câncer e matam.
 
Já o deputado Erick Musso minimizou os impactos da Aracruz Celulose (Fibria) na sua base eleitoral, o município de  Aracruz. Mas reconheceu que as usinas (são três) produzem “cheiro”. Na realidade, muito mau cheiro.  Sem contar a grande poluição por pó preto. Como poluidora do ar, a Aracruz Celulose (Fibria) nunca é citada pela CPI do Pó Preto. Não esteve entre as empresas convocadas pela CPI e, aparentemente, ficará de fora.
 
Até o deputado Dary Pagung fez uma revelação: a de que agora já sabe que não é só o pó preto que é poluente, mas que existem outros agentes poluentes que fazem mal à saúde. O relator da CPI citou um dado levado por um dos palestrantes médicos: uma em cada oito mortes no mundo é produzida pela poluição. Assegurou o relator que haverá proposta de mudança na legislação sobre a qualidade do ar.
 
Hoje o decreto que regula a qualidade do ar  – Decreto 3463-R/2013 – é considerado um favor do Estado para as poluidoras. Foi produzido para jamais ser atingido, e deixar as poluidoras livres para afirmar que estão dentro de lei. Mesmo assim, já houve registro de que os números considerados limites no decreto foram ultrapassados no ano passado, como admitiu o Iema meses depois do ocorrido. A população não foi informada do fato na ocasião.
 
Os relatos
 
O primeiro a se manifestar na audiência pública foi o promotor Rogério Pestana (foto à esq.), do Ministério Público Estadual (MPES), que destacou sua participação como cidadão. Como tal, proprietário de casa em Iriri, afirmou que tem sofrido com a poluição da Samarco. Disse que não se tem que fechar a empresa, mas discordou do vereador Jocelém  de que as empresas tem de soltar um “pozinho”.
 
O promotor disse acreditar que a poluição atinja todo o litoral sul, até Marataízes. Que descobriu que a poluição pela “PM10 recircula no ar por sete anos”.  De que quando os martelos (das usinas, usados no processo de limpeza dos precipitadores eletrostáticos)  batem, anunciam a “hora da fumaça” nas chaminés. 
 
Foi o promotor que citou que a poluição do ar tem componentes oleosos, que não desgrudam das paredes. Também assinalou que  nos últimos seis meses, a poluição do ar na região aumentou. E defendeu, entre outros, que a Samarco cresça sem destruir.  E ainda que o que não se vê dos poluentes é que são os mais perigos. A PM2.5 é então, “caixão lacrado”, afirmou o promotor. E finalizou: “A poluição da Samarco existe aqui em Anchieta.  Minha casa por testemunha”.
 
O professor Carlos Roberto Couto defendeu as barreiras de vento para controle da poluição, entre outras considerações. Mas cobrou do Iema, entre outros, os resultados parciais do estudo do DNA do Pó Preto, que está sendo produzido pela Qualitest Ciência e Tecnologia Ltda. Assinalou que o prazo para finalizar a pesquisa é de dois anos, e que um já passou, daí a exigência da divulgação do resultado parcial.
 
O deputado Gilsinho Lopes fez uma intervenção durante a fala do morador,  lembrando que tanto em relação à rede de monitoramento de Ancheita quanto da Grande Vitória, onde atua a Ecosoft, as empresas trabalham tanto para o Iema, que tem a responsabilidade de fiscalizar, como para as poluidoras. O que compromete os resultados do trabalho.
 
Maria Áurea dos Santos (foto à dir.), uma dona de casa e liderança comunitária do bairro Nova Anchieta, reclamou como moradora, e como avó. Criticou o barulho produzido pelas usinas da Samarco, bem como das emissões de poluentes que produzem doenças.
 
Citou um dado que a maioria das pessoas não quer ver: os poluentes do ar lançados pela Samarco queimam as folhas da vegetação no entorno das usinas. Traduzindo, produzem chuva ácida. E explicou o porquê da pouca participação dos moradores na luta contra a Samarco, inclusive na própria audiência:  os moradores estão cansados.  Cansados de lutar e não ver resultados. Tudo fica só no papel. Em síntese, ninguém pune a  poluidora.
 
Perminio Ferreira, construtor, denunciou que teve funcionários que ficaram doentes por causa da poluição do ar. Deu  uma informação que as empresas sabem, mas os órgãos fiscalizadores não querem saber. A de que o pó de minério tem de ser contido nas chaminés. E que isto é possível, que há tecnologia disponível.
 
E mais: “O pó preto não afeta só o ser humano. A natureza também é agredida. A natureza vive. Falta vontade da Samarco de controlar os seus poluentes. A vegetação na nossa região é amarela, cor produzida pelo pó preto. O pó gruda no chão. Se gruda no chão, imagina no ser humano, na natureza?”, provocou.
 
Morador no bairro Nova Esperança, Permínio Ferreira disse que na sua casa os poluentes não são varridos. São tirados a rodo, tamanha a quantidade. E finalizou; “A comunidade pede socorro”.
 
Jorge Peroba (foto à esq.) foi outro a se manifestar no microfone  oferecido à comunidade na audiência. De Guarapari, ele lembrou que toda mineração degrada o ambiente. Citou que o ar não estuda geografia, e se espalha por toda a região. Que a poluição hídrica tampouco estuda geografia, e contamina o lençol freático em Guarapari, a partir da lagoa de Mãe-bá. Com estes argumentos, justificou sua exigência de que Guarapari tenha compensações ambientais da Samarco nos mesmos patamares que Anchieta.
 
Depois de citar a miséria que as pelotizadoras da Samarco produziram nas periferias das cidades do sul, sugeriu que com a tecnologia disponível na internet, esta situação seja mostrada aos compradores dos produtos da empresa na Europa. Quem sabe assim, por pressão externa, a empresa seja obrigada a empregar controles ambientais eficazes para suas emissões?, questionou.
 
Pouco antes do final da audiência, o deputado Gilsinho Lopes destacou a importância da audiência pública realizada pela CPI. Afirmou: “Estamos vendo que em Anchieta a situação não é diferente da Grande Vitória. Tudo que nos foi apresentado, com certeza, será investigado”. 
 
Audiência em Vitória
 
Nesta quarta-feira (17), será realizada audiência na Assembleia Legislativa. Deverão participar pessoas dos municípios de Vitória, Serra e Cariacica. A CPI não marcou o dia e hora a audiência pública anunciada para Vila Velha.

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