Na esteira do discurso do ajuste das contas dos cofres públicos, o governo estadual freou a implantação de modais alternativos de transporte coletivo – o BRT (vias exclusivas para ônibus) e o Sistema Aquaviário. Os municípios, por sua vez, implantam a passos lentos as infraestruturas cicloviárias, que poderiam estimular o uso de bicicletas, dispositivo mais sustentável que ônibus e barcas. Enquanto isso, o transporte individual motorizado só cresce.
Uma longa reportagem publicada essa semana pelo jornal Valor Econômico revela como as políticas de mobilidade urbana aplicadas no Brasil nas últimas décadas, sempre privilegiando os carros frente aos demais modais, prejudicam a remodelação dos paradigmas de mobilidade no país. Para reverter o quadro, destaca o texto, o governo federal aprovou a Política Nacional de Mobilidade Urbana, que “re-hierarquiza” as prioridades: as políticas nas grandes e médias cidades devem privilegiar agora o transporte coletivo sobre o individual e o não-motorizado sobre o motorizado.
A matéria evidencia a importância de inverter a lógica de prioridade ao transporte individual motorizado, investindo em modelos de transporte de coletivo de alta e média capacidade, com integração entre eles, e investindo também em bicicletas. Com dados de estudo do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (Bandes), se as 15 principais regiões metropolitanas do país quisessem resolver seus males de mobilidade, teriam que investir R$ 234 bilhões em transporte público: metrô, trem, BRT e VLP (Veículo Leve sobre Pneus). A Grande Vitória não está no levantamento.
Como refém de políticas de mobilidade que sempre priorizaram os carros, o Espírito Santo não apresenta medidas mais ousadas para contornar os problemas. Os engarrafamentos da Terceira Ponte são o retrato mais fiel desse quadro, que vitimiza também os usuários dos ônibus, ainda hoje o único sistema de transporte coletivo vigente na Grande Vitória. O governo Paulo Hartung (PMDB) acena vagamente para a retomada das obras de implantação do BRT e desidratou o projeto do Aquaviário, cujas cinco linhas inicialmente previstas foram reduzidas a uma. Já o Ministério Público Estadual (MPES) cobra da Rodosol, concessionária da Terceira Ponte e da Rodovia do Sol, explicações sobre melhorias em mobilidade na Terceira Ponte e entorno.
Enquanto isso, o governo acena com uma obra que é cara do modelo de obras viárias de privilégio ao carro: sacrificar a Praça do Cauê, em Vitória, para dar mais vazão ao fluxo de trânsito no acesso e saída da Terceira Ponte. A Quarta Ponte, outra obra viária “carrocrática“, por ora foi descartada pelo governo estadual.
A matéria também mostra como a bicicleta foi finalmente acolhida, embora ainda a lentas pedaladas, como meio alternativo de mobilidade nas principais capitais brasileiras, com a construção a olhos vistos de vias exclusivas para bikes. Vitória tem ciclovias e ciclofaixas, mas ainda sem interconexão, o que coloca em risco a segurança do ciclista, e se ressente de uma rede consistente de bicicletários e paraciclos. Os outros principais municípios da região metropolitana – Vila Velha, Cariacica e Serra – não têm exibido avanços expressivos em políticas cicloviárias.