Em processo considerado “viciado” e “vergonha para a Justiça brasileira” por pessoas que acompanharam o júri, os seis acusados de matar um sem-terra e ferir outros dois, em Mucurici, noroeste do Espírito Santo, foram julgados inocentes. O júri, que começou na quarta-feira, acabou às 15 horas desta quinta-feira (18).
No banco dos reús, os fazendeiros Edilson de Siqueira Varejão Júnior e Edmilson Siqueira Varejão Sobrinho, além de Gilmar Mendes Prates, Iveraldo Luiz de Souza e José Alves Barbosa.
Foram acusados de ter atirado contra cerca de mil pessoas acampadas na Fazenda Novo Horizonte, em Mucurici. Na ação, um dos acampados, Saturnino Ribeiro dos Santos, foi morto com um tiro na cabeça. Mais duas pessoas ficaram feridas.
O crime aconteceu em setembro de 1997. Na perícia feita pela polícia, ficou provado que o tiro que atingiu Saturnino Ribeiro Santos foi disparado do revólver calibre 38 de Edilson Siqueira Varejão Filho.
Mas houve uma segunda perícia da Polícia Civil, por solicitação dos acusados. E aí, o laudo foi inconclusivo quanto à autoria do crime.
O julgamento foi o segundo realizado. O advogado Jacenildo Reis, assessor jurídico do Programa de Proteção dos Direitos Humanos (PPDH), no Espírito Santo, acompanhou o julgamento. Ele assinala a dificuldade de condenar pessoas poderosas financeiramente. Como é o caso dos fazendeiros que foram acusados.
No primeiro julgamento, o fazendeiro EdilsonSiqueira Varejão Filho e Iveraldo Luiz de Souza foram condenados a seis anos de prisão. Não foram presos, porém, pois o crime aconteceu em 1997, e a condenação foi em 2012. Houve recurso, e o Tribunal de Justiça determinou um segundo julgamento.
É do advogado Jacenildo Reis a afirmação de que o processo foi viciado. Explica que ele próprio testemunhou que, antes do julgamento, os acusados batiam papo com as possíveis testemunhas. Uma delas, que poderia ser chamada, mas não foi sorteada fez, inclusive, comentário quando chegaram os ônibus com os trabalhadores do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) que foram acompanhar o júri. “Estão chegando os babacas do MST”, disse esta pessoa.
Para o advogado, condenar uma pessoa poderosa economicamente não é fácil. No caso de Mucurici, os acusados conseguiram arrolar nada menos do que dois promotores de Justiça.
O promotor Adelcion Caliman é cunhado de Iveraldo Luiz de Souza, que estava no banco dos réus. Já a promotora Rosimar Poyares da Rocha, afirmou no processo que, durante sua atuação na comarca de Mucurici, transferida de Montanha, por dois meses morou “de favor”, como disse, na fazenda dos acusados. Os dois foram o que é tecnicamente chamado de “testemunhas de informação”.
Já o oficial de Justiça Jeferson Carlos de Oliveira foi o testemunha de defesa dos acusados. Na região ele é conhecido como “Carioca”.
Edvaldo dos Santos, da coordenação estadual do MST, classificou a decisão do júri de “injusta”. Afirmou que se trata de uma “vergonha para a Justiça brasileira. Os acusados não ficaram um dia na cadeia”. Sugere que o promotor de Justiça que acusou o grupo recorra da sentença.
O fato que levou os seis a julgamento aconteceu em 1997. Cerca de 250 famílias sem terra, aproximadamente mil pessoas no total, incluindo crianças e idosos, ocuparam a fazenda Novo Horizonte. Uma fazenda que o MST avaliou como improdutiva.
No dia do homicídio do sem-terra, pela manhã, os fazendeiros mandaram leite para as crianças. Ao meio-dia, os moradores foram surpreendidos por fogo colocado no pasto seco. O fogo logo se alastrou no entorno do acampamento ameaçando a vida de todos. Os acampados correram com suas ferramentas para apagar o fogo. Foram surpreendidos por uma saraivada de balas, uma das quais matou um sem-terra e atingiu outros dois. Centenas tiveram de correr para escapar da morte.
Os inocentados pelo júri são do clã Varejão, que tem várias fazendas no Espírito Santo, Minas Gerais e na Bahia. Na Grande Vitória, tem frigorífico, segundo o MST.
Em Ponto Belo, uma das fazendas do grupo, a Panorama, foi ocupada três vezes, e três vezes desocupada. Os ocupantes fizeram um acampamento em frente à fazenda, considera improdutiva pelo Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra).
O júri que inocentou o grupo de acusados foi presidido pelo juiz Helthon Neves Farias e o foi promotor Edilson Tigre Pereira. A atuação dos dois foi considerada correta por Jacenildo Reis.