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Governo comemora taxa de homicídios de guerra civil

Assim como em homicídios da população em geral, o Espírito Santo também lidera o ranking nacional de homicídios de adolescentes com idades entre 16 e 17 anos. O Mapa da Violência 2015 – adolescentes de 16 e 17 no Brasil traça um panorama destas mortes violentas e mostra que a violência contra este segmento da sociedade continua em franca expansão, na contramão de mortes por causas naturais.

Enquanto o atual governo Paulo Hartung (PMDB) volta, assim como nas gestões anteriores (2003 – 2010), a manipular as informações para fazer com que a opinião pública acredite que a redução dos índices de homicídio é real, a parcela mais vulnerável da população continua a ser a vítima preferencial da violência.

Na última semana, o líder do governo na Assembleia Legislativa, o deputado Gildevan Fernandes (PV), comemorou a redução nos níveis de homicídios no Estado. Segundo ele, dados da Secretaria de Estado de Segurança Pública apontam que foram 698 homicídios dolosos entre 1 de janeiro e 10 de junho, o que corresponde a redução de 12,1% em comparação com o mesmo período do ano passado. Na Região Metropolitana da Grande Vitória (RMGV), segundo ele, a redução foi de 20%.

Este recorte, no entanto, não representa efetiva redução se não forem analisados outros fatores, ou quando não se segmenta a análise divulgando os dados dos grupos populacionais considerados mais vulneráveis. Além disso, o governo usa a tática de inflar os resultados considerados bons da Grande Vitória, deixando os índices do interior de lado, assim como evita entrar em detalhe sobre as mortes em grupos segmentados, caso dos adolescentes e jovens.

Este discurso tem o objetivo de manipular a opinião pública para dar uma percepção de que os índices realmente diminuíram, enquanto os de outros grupos populacionais continuam a crescer, como o Mapa da Violência demonstra.

O estudo analisa a evolução da violência letal dirigida a adolescentes, que são o foco da atual discussão sobre a maioridade penal. De acordo com o Mapa, no ano de 2013, a taxa de homicídios entre jovens de 16 e 17 anos  no Estado foi de 140,6 mortes por grupo de 100 mil habitantes, o que coloca o Espírito Santo na segunda colocação nacional deste tipo de violência, atrás apenas de Alagoas, que registrou taxa de 147 mortes por 100 mil.

O Mapa também fez um recorte racial destas mortes e aponta que os adolescentes negros são as vítimas preferenciais de homicídios no Estado. De acordo com o levantamento, a taxa de homicídios de adolescentes de 16 e 17 anos negros no Estado em 2013 ficou em 177,6 por 100 mil, enquanto a de brancos ficou em 50,7. Quando se expande a amostra para pessoas com até 19 anos, a taxa de homicídio de negros fica em 60 por 100 mil e a de brancos em 27,8.

Para os adolescentes negros, Alagoas e Espírito Santo praticamente triplicam a média nacional de 66,3 homicídios por 100 mil adolescentes negros.

Analisando uma década (entre 2003 e 2013) é possível concluir que as mortes de adolescentes de 16 e 17 anos crescem anualmente. Neste caso, o Estado era o segundo mais violento para estes adolescentes em 2003, com taxa de 87,6 mortes por grupo de 100 mil e continuou sendo o segundo mais violento em 2013, mas com taxa de 140,6 mortes por 100 mil, considerada uma epidemia de mortes nesta parcela da população. a variação na taxa em uma década ficou em 72,8%.

Entre jovens de até 19 anos de idade, a taxa também aumentou. Enquanto em 2003 a taxa ficou em 22,6 mortes por grupo de 100 mil, em 2013 o Estado registrou taxa de 37,3, com variação de 65% na década.

Serra lidera

O Estado também tem seis municípios entre os mais violentos para adolescentes de 16 e 17 anos no País, considerando a média entre os anos de 2011 e 2013. De acordo com o Mapa da Violência, Serra é o município mais violento do Estado e o 4º do País para esta parcela da população, considerando municípios com mais de 4 mil adolescentes. A taxa média do município ficou em 277,6 mortes por 100 mil.

De acordo com o Mapa, Vitória é o segundo município mais violento, com taxa média de 217,4 mortes por 100 mil, seguido de Cariacica (208,5); São Mateus, na região norte (191,3); Vila Velha (163,6); e Linhares, também no norte do Estado (148,6).

O sociólogo Julio Jacobo Waiselfisz, autor no Mapa, questiona, no estudo e diante das taxas apresentadas, se os adolescentes são as vítimas ou os algozes da violência cotidiana. A Constituição Federal no artigo 227 estipula que é “dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão”.

Além disso, o Estatuto da Criança e do Adolescente (Ecriad), promulgado em 1990, estabelece que é “dever da família, da comunidade, da sociedade em geral e do poder público assegurar, com absoluta prioridade, efetivação dos direitos referentes à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao esporte, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária”.

No entanto, mesmo com todos estes dispositivos e normas a realidade ainda é de graves violações contra crianças e adolescentes, que muitas vezes são praticadas justamente por aqueles que deveriam zelar pelo bem-estar delas. “Ainda mais: o que chega à luz pública, o que consegue furar o véu da vergonha, do estigma, do ocultamento e da indiferença, parece ser só a ponta do iceberg, uma mínima parcela das agressões, negligências e violências que, de fato, existem e subsistem em nossa sociedade”, diz o levantamento.

O autor do Mapa vê com preocupação os argumentos utilizados na tentativa de fundamentar a diminuição da maioridade penal – jovens só aparecem na consciência e na cena pública quando são tirados do esquecimento para mostrar um delinquente, ou infrator, ou criminoso; seu envolvimento com o tráfico de drogas e armas – apoiados por parte da mídia e por parte da população diante da violência em que a sociedade está inserida. “Esquece-se, de forma muito conveniente, que não foram os adolescentes que construíram esse mundo violências e corrupção. Esse está sendo nosso legado. Devem ser eles a pagar a conta?”, questiona o autor.

O Mapa da Violência também aponta que o Brasil vive uma “epidemia de indiferença” e quase cumplicidade de parte da população que diante da calamidade social que são as taxas de mortes violentas de adolescentes e jovens – principalmente negros e de periferia.

O estudo aponta algumas causas para esta “naturalização” e aceitação social da violência. A primeira delas é a culpabilização da vítima, como forma de justificar as violências dirigidas principalmente a grupos populacionais que são mais vulneráveis, como mulheres, crianças e adolescentes, idosos, negros. “Os mecanismos dessa culpabilização são variados: a mulher estuprada foi quem provocou ou ela se vestia como uma ‘vadia’; o adolescente é denominado marginal, delinquente, drogado, traficante; pela admissão de castigos físicos ou punições morais com função “disciplinadora” por parte das famílias ou instituições”, diz o Mapa.

A segunda causa é a aceitação de que uma determinada dose de violência torna-se aceita e até vista como necessária por determinados grupos sociais, inclusive pelas pessoas e instituições que teriam a obrigação e responsabilidade de proteger essas vítimas.

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