O Fórum de Carreiras Típicas do Estado (Focates) protocolou, na última terça-feira (21), um pedido de informações à secretária da Fazenda Ana Paula Vescovi. A entidade pede a divulgação de todas as informações referentes aos incentivos fiscais concedidos pelo Estado do Espírito Santo a empresas entre 2003 e 2015. A solicitação tem como base a Lei de Acesso à Informação (LAI), que garante o fornecimento das informações em até 30 dias. A entidade também cobrou o atendimento da obrigação prevista na Constituição Estadual pela divulgação nominal das empresas beneficiadas no prazo de até 180 dias após o encerramento do exercício financeiro.
O ofício foi assinado pelo presidente do Fórum, Marcos Elieber Fardin, que pediu a revelação das informações sobre todos os tipos de benefícios fiscais do Estado – e não apenas dos chamados Contratos de Competitividade (Compete-ES), cuja estimativa de renúncia fiscal é revelada na Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO). Entre as informações solicitados estão aquelas “trancadas” a sete chaves pelo governo, como os diferimentos de tributos do Programa de Incentivo ao Investimento (Compete-ES), regimes especiais da Secretaria da Fazenda (Sefaz) e o estoque de créditos de ICMS.
O pedido inclui ainda a revelação de “quaisquer outras formas de incentivos fiscais, renúncia de receitas e subvenções a toda e qualquer empresa e/ou grupo, conglomerado e consórcio empresarial no Espírito Santo”. Chama atenção que o pedido abarca informações desde a primeira Era Hartung, inaugurada no ano de 2003, passando pela gestão de Renato Casagrande (PSB) – entre 2011 e 2014 – e os benefícios concedidos no terceiro mandato do governador Paulo Hartung (PMDB).
Em outro trecho do documento, Marcos Fardin registrou a necessidade de o Estado passar a cumprir a Constituição Estadual, que estabelece a necessidade de dar publicidade às informações sobre incentivos fiscais. Ele citou ainda os dispositivos da Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF) para exigir a publicação em meio eletrônico, similar ao atual Portal da Transparência, da lista completa de empresa incentivadas, além do montante do imposto reduzido ou dispensado e o total que o Estado concedeu em isenções ou reduções de tributos.
Apesar de a legislação obrigar este tipo de divulgação, o Estado resiste na publicação dessas informações. Para tanto, o governo conta até mesmo com a Justiça para impedir o acesso a esses dados. Em 2013, profissional liberal Álvaro Luiz Souza Santos protocolou uma ação popular para exigir a publicação no Diário Oficial dos nomes e valores de todos os benefícios concedidos entre os anos de 2010 e 2011. Na época, o juízo da 3ª Vara da Fazenda Pública Estadual atendeu ao pedido de liminar e obrigou a publicação. Entretanto, a decisão foi suspensa pelo desembargador Fábio Clem de Oliveira com o aval posterior da 1ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado (TJES).
Naquela época, o magistrado entendeu que o Estado cumpria o disposto na Constituição Estadual mesmo que as informações relativas aos benefícios fossem publicadas de forma genérica, sem a possibilidade de se aferir a real dimensão dos incentivos nos cofres públicos. Fábio Clem também votou contra a suspensão do Compete-ES do setor atacadista, que era contestado por outra ação popular – julgada mais tarde improcedente no juízo de 1º grau. Esses mesmos incentivos são questionados pelo governador de São Paulo, Geraldo Alckmin (PSDB), em uma ação direta de inconstitucionalidade que tramita no Supremo Tribunal Federal (STF).
A “caixa-preta” dos incentivos fiscais quase se tornou oficial por meio de uma Proposta de Emenda Constitucional 05/2012, enviada à Assembleia pelo então governador Renato Casagrande, para tirar do texto da lei a obrigatoriedade de prestação de contas dos incentivos fiscais concedidos pelo Estado. A matéria tramitou por quase dois anos até ser retirada de pauta em junho de 2014 por iniciativa do próprio governador.
De acordo com o texto da LDO deste ano, o Estado deve abrir mão de R$ 4,31 bilhões na arrecadação de ICMS, somente por conta dos incentivos do Compete-ES. O principal setor beneficiado é o atacadista, cuja renúncia fiscal deve bater a marca de R$ 3,2 bilhões ao longo dos quatro anos de gestão. Até mesmo esse tipo de publicação só começou a ser respeitada em 2011. Nos dois primeiros mandatos, Hartung resistiu à divulgação das informações, obrigatoriedade prevista na LRF.
Apesar dos números significativos, a renúncia fiscal do Estado não se resume ao Compete-ES. As Secretarias de Desenvolvimento (Sedes) e da Fazenda (Sefaz) mantém outros programas e ações de fomento à iniciativa privada, cujo impacto nas contas públicas é totalmente desconhecido pela sociedade – e até mesmo de autoridades, como a Assembleia Legislativa. Um exemplo é o Programa de Incentivo ao Investimento no Estado (Invest-ES), que resultou em deferimentos na ordem de R$ 19,83 bilhões nos oitos anos da primeira Era Hartung.
O Estado também omite a divulgação das informações dos créditos de ICMS, gerados pela Lei Kandir, que desonerou as exportações – beneficiando as grandes empresas poluidoras, que exportam produtos semielaborados e commodities. Com base nos balanços divulgados por essas grandes companhias é possível afirmar que Vale, ArcelorMittal Tubarão (antiga CST), Samarco e Aracruz Celulose (hoje Fibria) têm acumulados mais de R$ 2 bilhões em créditos de ICMS. Essas grandes empresas negociam os créditos fiscais com deságio de até 70%, isto é, os devedores pagam 30% do valor do crédito e descontam o valor da face das suas dívidas com o Estado.