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???Não há modal bom ou ruim, há modal mais ou menos adequado para cada região???

Fotos: Leonardo Sá/Porã
 
 
A suspensão do projeto do BRT (vias exclusivas para ônibus) na Grande Vitória, anunciada pelo governo estadual no fim de semana passado, não alarma o economista Taurio Tessarolo. Ele vislumbra aí o que chama de “janela de oportunidades” para rediscutir as propostas de tecnologias de transporte para a Grande Vitória. 
 
Ele não sai em defesa de uma ou outra proposta, mas daquela que requalifique o espaço de uma cidade com características físicas peculiares como Vitória, que, além disso, é polo de atração e origem de viagens na qualidade de coração econômico do Estado.  
 
Taurio tem longa experiência no poder público. É funcionário de carreira do Instituto Jones dos Santos Neves (IJSN). Já foi secretário Especial de Mobilidade Urbana da Prefeitura de Vitória, diretor da Companhia de Transportes Urbanos da Grande Vitória (Ceturb-GV), presidente da Companhia de Desenvolvimento de Vitória (CDV). Também já foi professor da Universidade de Vila Velha e do então Centro Federal de Educação Tecnológica do Espírito Santo (Cefetes), hoje Instituto Federal do Espírito Santo (Ifes). 
 

Século Diário – Em termos de mobilidade urbana, tratando-se de Vitória, percebemos que tudo se joga dentro da Capital. Aí abarrota e arrumam-se “cirurgias” para ver se resolve. Não resolve, e daí a pouco ainda surgem outros tipos de “cirurgias”. Como vê isso?

 
Taurio Tessarolo Começo concordando. Realmente a questão da mobilidade não é uma questão que se resolve com panaceias. Não existe uma bala de prata. E esse processo é muito interessante porque Vitória, falando em termos de região metropolitana, é uma das poucas regiões do Brasil que tem um histórico de planejamento urbano. Tivemos o primeiro Plano Diretor de Transportes Urbanos em 1987, tivemos o segundo Plano Diretor de Transportes Urbanos em 1998, participei desse processo, eu era o diretor da Ceturb-GV, e tivemos em 2007 um Plano Diretor de Mobilidade Urbana de Vitória. 
 
A expressão transporte não é tão adequada. A gente tem que cuidar mais do conceito de circulação. O transporte é apenas uma forma de transportar bens e pessoas. Quando você fala em circulação, você vê como bens e pessoas se movimentam no espaço urbano. O espaço urbano é um espaço nobre, disputado, e o papel do poder público é elaborar políticas públicas de forma a minimizar o conflito nesse espaço. Aí a gente vê que as políticas públicas no Brasil caminham no sentido do menor esforço, o que acaba gerando mais problemas para o futuro.
 
– Como assim?
 
O transporte público é elemento condicionante do planejamento urbano, mas é tratado como uma questão própria, como se fosse um setor com natureza própria, quando na realidade ele é um elemento do planejamento urbano. Ele tem que caminhar junto com o planejamento urbano. E o que acontece no Brasil é que ele corre atrás do planejamento urbano – se houvesse um planejamento urbano. Na verdade, ele corre atrás do crescimento urbano. Ele vai correndo atrás e se descaracterizando.
 
Por que quero enfatizar isso? Porque o Transcol é um sistema de transporte até hoje moderno. A concepção ainda é moderna. Ele entrou ordenando a circulação metropolitana. Mas a região foi se espraiando e ele foi correndo atrás e se descaracterizando. Então a gente tem uma série de deseconomias que foram geradas nesse processo, como a sobreposição de linhas, esse problema histórico de não-integração de Transcol com o sistema municipal. Qual é a solução? Um sistema estruturante que crie um mecanismo que dilua os ganhos e perdas dessa integração. 
 
O VLT [Veículo Leve sobre Trilhos] pode cumprir esse papel, o BRT pode cumprir esse papel. O que se criou na história foi um ambiente de “Fla x Flu”. Uma competição muito mais resultado de um ambiente que foi politizado e em que efetivamente não se destacou o melhor de cada uma das duas opções. Acho que essa é a questão central para se discutir hoje. Por isso, acho que o fato de o governo ter adiado o desenvolvimento desse projeto do BRT não é ruim. Pelo contrário. Acho que é uma janela de oportunidades para se discutir de forma mais aprofundada os impactos que as alternativas gerarão para esse espaço urbano. 
 
A Região Metropolitana da Grande Vitória (RGMV), em termos de transporte, está muito bem assistida em termos de oferta de ônibus e de concepção de sistema. Mas perde eficiência exatamente em Vitória por causa das características do município. No resto do Brasil o que acontece é que as capitais são grandes ou de tamanho equivalente aos municípios ao redor – São Paulo, Recife. Aqui é o contrário, temos uma capital pequenininha, com grandes municípios ao redor, e a atividade econômica centrada nesse espaço. Um espaço que representa algo como 1% do Estado e tem 30% do PIB [Produto Interno Bruto].
 
– É um pedaço de território de 90 quilômetros quadrados…
 
Exatamente. Alguns planos inclusive cometeram a incorreção de entender Vitória como corredor de passagem entre os municípios da Região Metropolitana. Todos os planos, até agora, inclusive o último, de 2008, com uma pesquisa origem/destino socioeconômico ampla, apontam Vitória como centro de atração de viagens. Então, na realidade, Vitória é origem de viagens e é destino de viagens. Não é fundamentalmente corredor de passagem. Isso muda o conceito do processo todo. 
 
– A sobreposição de linhas é um problema grave em Vitória?
 
Eu diria que a sobreposição de linhas é um dos problemas graves de Vitória. A ineficiência gerada em alguns espaços adensados faz com que a velocidade média do sistema caia muito. Então, com a velocidade média do sistema caindo, um ônibus que poderia fazer duas viagens, passa a fazer uma e meia ou uma. E o órgão gestor é obrigado a colocar outro ônibus para suprir a falta deste que ainda não fez a viagem. Diminui a eficiência do sistema. Então acaba havendo, além da sobreposição de linhas, um superdimensionamento da frota, que poderia cumprir um papel mais eficiente com um número menor de veículos, ao menor custo, com menor impacto ambiental. 
 
– Como está a questão dos deslocamentos internos nos municípios da Grande Vitória, aqueles que ocorrem dentro da Serra, Cariacica e Vila Velha?
 
O Transcol supre toda essa circulação. Mas aí está a grande raiz de um dos grandes problemas: o sistema tem que se adequar tecnologicamente, incluir tecnologias que deem condição de ele atender a essas novas demandas ao menor custo possível e à melhor qualidade do serviço possível. O problema é que, não havendo esse avanço tecnológico, ele tem que se adaptar. Então uma linha que ia até determinado ponto, começa a atender a três quatro e começa a criar deseconomias que vão impactando o custo, interferindo na tarifa, e que vão tornando a tarifa proibitiva para o usuário. 
 
Essa questão do avanço tecnológico é a questão central que nós temos que discutir hoje. Aproveitar esse momento em que as propostas sendo apresentadas. Quando Vitória fez uma proposta pelo VLT, foi a primeira cidade do Brasil a fazer a proposta. A interpretação na época foi entendida como uma proposta eleitoral da PMV. Mas essa proposta já existia no Plano Diretor de Transportes Urbanos de 98. Quando fizemos essa discussão em Vitória, fizemos uma análise das alternativas possíveis. E por que a proposta do VLT se apresentou como uma proposta viável? Não necessariamente a mais viável. Gosto de enfatizar o seguinte: não há modal de transporte bom ou ruim, o que há é o modal de transporte mais adequado ou menos adequado a determinada situação. 
 
Qual a característica de Vitória? Uma cidade antiga, com ruas estreitas, que só tem um eixo praticamente, com o Maciço Central ocupando mais de 30% do espaço, e que estabelece uma característica única entre as regiões metropolitanas: ele provoca o que os técnicos chamam de um adensamento de demanda no eixo. Esse adensamento de demanda pede um modal de maior capacidade, porque se você não coloca um modal de maior capacidade, você joga um monte de equipamento no espaço estreito. 
 
O que determinaria em minha opinião a escolha de uma tecnologia para Vitória? O modal que requalificasse o espaço e cujo preço fosse acessível. Requalificar o espaço é um conceito amplo que implica que a tecnologia não pode entrar impactando o ambiente de forma negativa e sim de forma positiva. Então já tira da mesa algumas propostas: não cabe metrô de alta capacidade, mesmo porque a demanda não justifica. 
 
Usou-se argumentos para justificar a proposta do BRT, e não estou aqui, quero deixar claro, defendendo uma ou outra proposta. Se nós enfatizarmos onde as informações foram mal colocadas, talvez a gente ajude a esclarecer melhor o processo. Usou-se como argumento para o BRT o Transmilênio de Bogotá [capital da Colômbia]. Mas o que é Bogotá? É uma cidade de sete milhões de habitantes. Dá quatro regiões metropolitanas da Grande Vitória. Um sistema de ruas com caixa de 70 metros, com quatro faixas só para ônibus. Aí você leva o sistema de ônibus ao limite de 30 a 40 mil passageiros/hora. A gente consegue imaginar uma situação dessa para Vitória? Mas foi exatamente o exemplo que foi colocado como de eficiência. 
 
– Saindo da questão do transporte público, agora falando de outro problema gravíssimo, o transporte individual motorizado, o carro. Acha que tem de haver medidas também para o carro, como acalmamento de trânsito, limitação de velocidade máxima, como em São Paulo implantou recentemente?
 
Eu vejo mais como consequência do que como causa. A política pública tem que ser implantada com vistas a minimizar conflitos. Se a política pública se volta para o automóvel, se o sistema público não é eficiente, as pessoas usam o automóvel, aí o poder público, pela via do menor atrito, vai privilegiar o modal dominante, que é o automóvel. Cria mais condições para o automóvel, que se torna cada vez mais dominante. Se no decorrer do tempo o transporte coletivo fosse sendo estruturado, ficaria mais fácil, como está sendo feito na Europa, numa medida de mais impacto, simplesmente impedir a entrada do automóvel na cidade. Se você não tem um sistema de transporte estruturado, como você vai fazer isso?
 
O próprio poder público acabou criando as condições para que o automóvel se transformasse no modal dominante. E eu não estou entre aqueles que demonizam o transporte individual. Eu acho o transporte individual necessário, só está sendo mal utilizado. É mais um modal mal utilizado. O transporte individual tem que ser utilizado para viagens eventuais, para uma situação que seja não necessariamente a viagem do dia a dia, e está sendo utilizado para cumprir essas duas funções: o transporte do dia a dia e o de massa. 
 
– A experiência de pegar ônibus é difícil. E, olhando os carros, a maioria tem uma ou duas pessoas…
 
Isso. Então às vezes o que a gente pensa que é a causa, na verdade pode ser consequência do processo. O poder público hoje tem consciência disso. Está fazendo um esforço, apresentando alternativas para se implementar sistemas estruturantes. A partir daí, sim, é que eu reputo como inevitável, que o poder público passe a adotar medidas restritivas ao automóvel. Mas só a partir do momento em que os sistemas sejam efetivamente uma alternativa ao transporte individual. 
 

– Para fechar: como é que você vê o Aquaviário? 

 
O Aquaviário eu vejo como um sistema importante. E é mais uma discussão que está mal colocada. O argumento de que a baía é uma via natural é verdadeiro, só não é verdadeiro o argumento de que, sendo uma via natural, ele vai resolver o problema do transporte coletivo da região metropolitana. A cidade se espraiou para longe da baía. Se você torna o transporte aquaviário central, como é que você vai fazer todo o restante funcionar em função dele? Traz muito mais problema do que solução. Agora a necessidade dele é inquestionável como sistema complementar. Por isso nós falamos no início: não existe uma bala de prata. 
 
A postura política de multimodalidade é necessária, a instalação de novos modais complementarmente em um sistema estruturado. O Transcol é um sistema estruturado, ele precisa ser modernizado e incorporar tecnologias que o tornem cada vez mais eficiente. Então não deve haver, isso é importante enfatizar nessa discussão, essa dicotomia entre BRT versus VLT… 
 
O BRT em Vitória, na região metropolitana, é uma tecnologia importante e que nós temos que ficar alertas e discutir efetivamente qual o impacto dessa tecnologia para o município de Vitória. Essa foi a discussão que colocamos lá em 2008. E já se passaram 10 anos, pode ser que as soluções que foram colocadas não sejam as mais adequadas. Então nesse momento em que o governo diz que só em 2018 é que vai se encaminhar essa discussão, a sugestão que nós devemos fazer é que a gente refaça esse processo de discussão e que a cidade e aqueles que vão efetivamente ser impactados, tenham todos os esclarecimentos possíveis. E que os gestores coloquem as informações de forma mais clara, para que, ao invés de criar confusão e desinformação, esclareça a população.

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