O novo apartamento da Lúcia tem uma charmosa área aberta sob a ampla janela da sala. É como uma estante de prateleira única, um detalhe da decoração. Um espaço inusitado abrindo-se para possibilidades e interpretações, dependendo da criatividade de cada um. Quando amigos e parentes vêm conhecer o apartamento, o inesperado detalhe sob a janela é assunto de todas as conversas. E chovem ideias e sugestões.
Laura, 30 anos, bancária: “Os brinquedos do Rubinho iam ficar lindos enfileirados aqui. Os carrões do Homem Morcego, as Ferraris, os carros de bombeiros… Tudo caro, ele não brinca com nada, só quer saber de joguinho eletrônico”. Beatriz, irmã da Lúcia, 25, dona de uma butique num shopping: “A coleção de Barbies da Bárbara. Já não tem lugar no quarto dela pra tanta boneca, mais o carro da Barbie, a casa da Barbie, a moto, o salão de beleza…” Coisa de mães, pensa Lúcia, que graças a Deus não tem filhos.
Roni, 43, professor universitário: “Meus livros com encadernação de luxo, enfileirados por ordem de data de publicação. Qualquer um que chegue poderá admirar os títulos raros”. A dona da casa quer saber se seriam lidos. “Nem pensar, apenas parte da decoração”. Paul, 18, guitarrista da Banda Pauleira, “Minha coleção de guitarras ficariam tããão bem aqui”. Dinah, 38, artista plástica, “Perfeito para minhas peças de cerâmica. Sabe se tem outro apartamento pra alugar no prédio?”
Gina Luz, 23, universitária: “Meus diários. Já tenho mais de 200, e são tão lindos!” A dona da casa se espanta, “Na sala, pra todo mundo ler?” A jovem ri, “Quêisso! Todos têm cadeados. E eu mandaria fazer uma porta de vidro à prova de impacto, tudo bem resguardado”. Lúcia se pergunta que experiências uma jovem de 20 anos teria para rechear 200 diários, mas se cala. Cada uma na sua. Karen, 15 anos, “Bom lugar pros meus sapatos”.
Jude, 51, funcionária de uma estatal envolvida no próximo escândalo de desvio de verbas: “Minha coleção de canecas. Sempre trago uma de cada lugar que visito”. Canecas na sala? “São objetos decorativos, com o nome do país, os pontos turísticos, um pouco da cultura e dos hábitos dos lugares por onde andei”. E em qual lugar no mundo ela não andou? Bia, 34, budista: “O altar para meus Budas ditosos”.
Um ano passa rápido. Muita gente visitou o apartamento, e todos tinham uma coleção de alguma coisa ideal para o espaço – CDs, porta-retratos, vinhos ou cervejas exóticas, até fitinhas do Bonfim. A dona da casa é adepta do Feng Shui, que pede espaços vazios para as energias fluírem, não quer pôr nada no vão sob a janela, mas todo mundo sugerindo, insistindo… Ufa! Apesar de gostar muito do apartamento, antes mesmo do contrato expirar, Lúcia entrega o imóvel e vai morar em outro lugar.