Após a descoberta do “escândalo das quentinhas” no sistema prisional capixaba, a Justiça estadual vai apurar até mesmo a qualidade das refeições servidas aos detentos. A decisão é do juiz Thiago Vargas Cardoso, da 2ª Vara da Fazenda Pública Estadual, que incluiu este item como um dos pontos controvertidos, ou seja, questões que devem ser esclarecidas até o julgamento de uma ação civil pública contra o Estado do Espírito Santo e a empresa Viesa Alimentação Ltda ME.
A denúncia foi feita em outubro de 2013 pela seccional capixaba da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB-ES) e pelo Ministério Público Estadual (MPES) após relatos do fornecimento de refeições estragadas pela empresa Viesa Alimentação, que também é réu no processo. Em dezembro de 2013, a Justiça atendeu ao pedido de liminar na ação para determinar ao Estado à contratação imediata de novas empresas para fornecer alimentação aos detentos das unidades prisionais até então atendidas pela Viesa.
Na decisão publicada no Diário da Justiça da última semana, o juiz Thiago Cardoso intimou as partes no processo para informarem quais as provas pretendem produzir ao longo da instrução do processo. O magistrado também definiu os pontos controvertidos da ação. Além da qualidade dos serviços prestados pela Viesa, a Justiça vai examinar a legalidade nos contratos de fornecimento de quentinha com a empresa, bem como a necessidade de reparação por eventuais danos causados pela contratação. Também será analisada a possibilidade de manutenção dos antigos contratos, muito embora novos fornecedores já tenham sido escolhidos pela Secretaria de Justiça (Sejus) após a realização de licitação.
Na denúncia inicial (0042745-70.2013.8.08.0024), os representantes da Ordem e do Ministério Público acusam a empresa de fornecer alimentação estragada aos detentos. Eles citam o relatório de uma inspeção realizada pela Vigilância Sanitária, que concluiu pela falta de condições sanitárias da Viesa para garantir a qualidade e segurança dos alimentos preparados. Na época da vistoria, em setembro de 2013, o local só foi interditado sob o argumento de que seria inviável a contratação de outro serviço para atender imediatamente a prestação de serviço, providência que só foi tomada após determinação da Justiça concedida pela mesma liminar.
Consta nos autos do processo que o MPES instaurou inquérito civil com base no relatório da Comissão de Direitos Humanos da OAB-ES, em que foram constatadas diversas irregularidades nos presídios capixabas, principalmente no que tange à alimentação dos detentos. O relatório da Vigilância Sanitária apontou que no setor de armazenamento dos alimentos secos foram constatadas fezes de roedores nos cantos de depósito e entre os paletes usados como suportes para acondicionar os produtos; foram identificados, também, produtos com as embalagens plásticas avariadas, além de rotinas de higienização deficientes.
Por exemplo, nas câmaras de resfriamento e congelamento de alimentos, os inspetores indicaram que as trancas das portas estavam quebradas e que não era possível mantê-las fechadas adequadamente. No açougue não havia água no lavatório de mãos, a tábua de corte estava muito desgastada, havia presença de moscas, acondicionamento de carnes em quantidades incompatíveis com espaço, além de paredes com infiltrações e sujidade acumulada (restos de processos de produção de dias anteriores).
As denúncias de irregularidades são tantas que a empresa Viesa foi proibida de contratar com o poder público, mas continuar a receber sanções por contratos que tinha com o governo. Somente este ano, a empresa recebeu duas multas da Secretaria de Estado de Justiça (Sejus) por problemas no fornecimento de alimentação aos presos. Desde o ano passado, a empresa já foi alvo de multas por irregularidades nos contratos da Penitenciária de Segurança Máxima II (PSMA II), em Viana; Penitenciária Regional de Barra de São Francisco (PRBSF), no noroeste do Estado; Centro de Detenção Provisória da Serra (CDPS); Penitenciária Feminina de Cariacica (PFC); e no Centro de Detenção Provisória de Viana (CDPV).
A empresa e seus representantes legais também aparecem como réus em uma ação de improbidade, ajuizada pelo Ministério Público. Neste processo (0044416-65.2012.8.08.0024), o ex-secretário de Justiça, Ângelo Roncalli de Ramos Barros, é acusado de participação nas supostas irregularidades na contratação da Viesa. A promotoria aponta que o Tribunal de Contas do Estado (TCE) chegou a determinar que o ex-secretário se abstivesse de homologar a contratação, mas a decisão não teria sido observada. Para o MPES, a conduta dos denunciados pode ser enquadrada na Lei de Improbidade Administrativa, além de possibilitar a ocorrência de dano moral coletivo.