Como num conto de Machado de Assis, onde o narrador se atreve a entrar nas histórias; embebido num cenário de Alice no País das Maravilhas (Lewis Carroll), com alguns seres inanimados e encontros surpresos, está O Mundo de Cá, despretensioso em seus quinze contos imersos no gênero da fantasia e repleto de personagens que estão em busca de algo maior que o físico, que o palpável.
Ler O Mundo de Cá, primeiro livro de Juane Vaillant, é como transportar-se para o entorno de uma fogueira a escutar alguém narrar histórias instigantes e capciosas – coisa que Juane já fez tantas vezes com os primos mais novos e a irmã: ser a narradora de histórias, a contadora oficial. “Escrever sobre fantasia não é difícil para mim, o que é difícil é fazer as pessoas levarem isso a sério”, conta ela a detalhar que o primeiro livro do gênero que leu foi Harry Potter, “e por causa dele li todos de fantasia que você imaginar. Aos 18 anos comecei a ler então os teóricos da fantasia”.
São inegáveis as influências de Juane Vaillant presente em seus contos, que fervilham em criatividade. É cor que anda lado a lado; a pequena Maria Dolores que volta sem explicação de sua própria morte; Ana e seu furo na cabeça; Francisco que carrega um peso insuportável nas costa; entre tantos outros personagens que saltam em características que só são possíveis na fantasia, apesar de a escritora colher inspirações nos próprios amigos, como conta. “Falo que tenho muita sorte de ter pessoas maravilhosas ao meu redor, com visões de mundo muito abrangentes, algumas delas inclusive leram o livro e se perceberam nas histórias. Ser amigo de gente que escreve é assim, cedo ou tarde você vai parar num conto”, destaca em risos.
Repleto de rimas e envolto na cor vermelha – não só na capa, mas estrategicamente dentro das histórias – O Mundo de Cá toma forma em contos que podem se amarrar numa grande história quando o leitor atenta-se a detalhes deixados como pistas pela escritora. Por vezes um personagem cita o outro; o vermelho pontual frisa a criação de uma unidade e, os protagonistas quase sempre estão em busca de algo. Uma das regras, vale pontuar, é que nem sempre as coisas acabam com os finais felizes presentes tão constantemente nas histórias infantojuvenis.
Aliás, escrever para o público infantojuvenil soa para Juane como algo muito natural atualmente, não só por ela ter sido exatamente esse público consumidor, mas por não subestimar as demandas que os adolescentes carregam. “Li muitos dos livros infantojuvenis e lembro-me que sempre achava legal perceber que aquele livro tinha sido feito para mim. Nessa fase de quando você tem entre 12 e 17 anos, para um livro te prender o autor tem que fazer muito, pois é um público que está fervilhando em hormônios e se ocupa com muita coisa, é difícil mesmo sentar e ler um livro. Mas comecei a pensar que seria bacana ajudar as pessoas a serem leitoras; que o meu livro algum dia possa ser a porta de entrada para muitas crianças adentrarem no universo literário. Esse é um grande objetivo”, explica, mesmo constatando que o livro encaixa-se numa linguagem também para outros públicos, o que deveras parece mesmo acontecer.
Dividido em dois capítulos, a obra apresenta em Breves Mundos, capítulo I, dez contos curtos sobre momentos específicos da vida de personagens. “Nessa parte eu não explano totalmente a vida dos meus personagens, é como se fosse uma espiada na fechadura”, diz Juane. Já no segundo capítulo, Universos, a escritora uniu cinco contos grandes que exploram a vida inteira dos protagonistas das histórias. Essa divisão, de acordo com Juane, também prioriza uma leitura horizontal e direta do livro, com a finalidade de não gerar uma quebra no ritmo. Dessa divisão, O Mundo de Cá apresenta-se como um livro para ler numa tacada só.
Na capa, e por entre os dois capítulos, estão as ilustrações com detalhismos de Isabela Bimbatto, desenhos feitos especificamente para a obra. Três ilustrações que transbordam-se quase fiéis aos cenários e mundos construídos nas histórias de Juane. A capa carrega a ilustração de Catharina e a velha máquina de escrever, enquanto os outros dois capítulos recebem ilustrações inspirados nos contos Catum, astronauta e peregrino(a); A casa de Senhorita; e Isabel e o olho do tempo.
Outra curiosidade de O Mundo de Cá é que ele foi feito também para se ler em voz alta, as rimas inseridas e os ritmos dos contos foram estruturados pensando nisso. “Gosto da rima presente na prosa, é algo que vem da poesia, mas que é mais justificável aqui pela vertente da contação de histórias – que é uma coisa que eu pretendo fazer, possibilitar que o livro entre em projeto de contação de histórias. Quero ministrar uma oficina de escrita criativa que possa ter um momento de contação do livro”, destaca.
São muitas histórias que envolvem a criação de O Mundo de Cá, assim como as que formam a obra. E para todas essas histórias Juane tem uma paciência sutil em contá-las, explicá-las e falar de cada detalhe presente. Definitivamente a escritora já se mostra uma dedicada contadora de histórias e, seu primeiro livro, uma ótima porta de entrada para a literatura infantojuvenil desregulada dos finais felizes, da moral da história e dos personagens superficiais.
O livro O Mundo de Cá é uma publicação da editora Pedregulho e será lançado na próxima quarta-feira (26), às 19h, no Grappino RangoBar, Centro de Vitória. Por lá o livro será vendido ao preço de R$ 20,00 e a escritora estará presente para autógrafos.
Serviço
O Mundo de Cá, de Juane Vaillant, será lançado na próxima quarta-feira (26), às 19h, no Grappino RangoBar – Rua Gama Rosa, 128, Centro de Vitória. A entrada é livre e o livro será vendido por R$ 20,00.