Foto: Leonardo Sá/Porã
“Vamos pensar no seguinte”, propõe Ruy, e desenha com o indicador uma linha reta imaginária sobre a mesa de madeira de seu consultório. “Aqui nós temos uma linha de equilíbrio. Você não fica aqui o tempo todo. Por quê? Porque você come, se alimenta, respira, convive, dorme bem ou mal. É o tempo todo um meio ambiente te desagregando, te tirando dessa situação”.
E volta a riscar a linha, agora o dedo indo e voltando em movimentos instáveis sobre a mesa: “Então você ondula. O que a gente trabalha? Em cima de uma proposta em que essa onda fique o mais próximo possível dessa linha”, conclui. Com uma explanação simples, ele mostra como o ser humano vive antes em estado de equilíbrio relativo do que estático.
Com o shiatsu, técnica de massagem terapêutica de origem japonesa, Ruy Benezath tenta evitar alternâncias e desagregação radicais, afastamentos significativos daquela linha, desestabilizações profundas do equilíbrio relativo.
Ruy estuda e trabalha há 30 anos com terapias orientais, um sistema amplo de cura que, em suma, vê o ser humano de dentro para fora, agindo não apenas sobre as manifestações imediatas de perturbações – dores ou doenças. Não recorre ao parâmetro predominantemente aceito: o fisiológico. O ser humano é analisado em sua composição biológica, psíquica, social e espiritual; é analisado em seus sentimentos, pensamentos e emoções.
Há aqui uma diferença expressiva entre concepções de corpo e doença da medicina moderna (ocidental, alopática) e da terapia oriental. Ruy explica que o método oriental não exatamente dispensa os expedientes nosológicos alopáticos. No entanto, o fundamental é proceder uma avaliação bioenergética do cliente. Todo corpo carrega uma história: social, familiar, comportamental, emocional, um conjunto de elementos que pode abalar o equilíbrio relativo do corpo, engendrando padrões específicos de desarmonias – as terapias orientais não falam em “doenças”.
Mais especificamente, as terapias orientais trabalham com “padrões de desarmonia”, diagnosticada por avaliação bioenergética. “Quando o cliente entra na minha sala, ele não é visto somente como uma dor de estômago, ele é analisado no todo”, diz Ruy.
Antes de qualquer coisa, é feita uma entrevista com o cliente: o terapeuta vasculha os hábitos de vida, onde trabalha, o que come, o que faz, que horas dorme, quantas horas, se faz atividade física… Revela detalhes às vezes, quem sabe, irrisórios, se a pessoa dorme ou não com o celular sob o travesseiro, por exemplo.
A terapêutica, porém, é corporal: o indivíduo é encaminhado a um processo de autoconscietização através do corpo.
Embora muitas vezes seja confundido com uma massagem, o shiatsu é uma técnica terapêutica. Mais especificamente, Ruy trabalha sob orientação do Sekai Shiatsu, técnica relacionada ao diagnóstico e à terapêutica.
O diagnóstico é feito com apalpação, toques terapêuticos, normalmente abdominais, mas pode ser realizado em cima de pontos que podem ser dolorosos: uma pressão do dedo, do punho ou do cotovelo feita em canais energéticos, os mesmos definidos pela acupuntura – distribuídos em regiões específicas do corpo humano e que recebem a aplicação de agulhas.
O trabalho pós-diagnóstico se faz pelo toque terapêutico com o objetivo de mobilização energética, aquilo que os chineses chamam de Qi e, assim, proceder ao desbloqueio dos canais, de nós viscerais, e permitir a fluidez das energias.
Mesmo de forma concisa é possível entender algumas teorias que fundamentam o Sekai Shiatsu. A Teoria Neuro-Humoral trata da liberação de substâncias e modulação de neurotransmissores. Falando em português um tanto mais claro, o toque é bioneuroreceptivo: quando o terapeuta faz a pressão, provoca um estímulo e aguarda a resposta.
Tanto que não são poucas as vezes em que o toque no corpo é uma situação, mas a resposta é em outra. Ou seja, a percepção dessas sutilezas do processo depende muito da acuidade do terapeuta. “A gente tem que estar muito atento, com a percepção muito afinada, para ver em cima de que aquilo vai desencadear”, diz.
Essa teoria se liga diretamente a outra. Quando há o toque, há também a transmissão de informação. O toque envia uma mensagem ao corpo paciente para ele entender o que está acontecendo e como vai processá-lo. O resultado é o início de uma conscientização. O indivíduo começa a perceber se naquele bloqueio existe uma questão somente física, resultado, por exemplo, de um almoço inadequado, ou se há ali um fundo psicoemocional.
A próxima teoria Ruy explica na prática. Recentemente, atendeu um homem com um quadro de dor no corpo. Tinha nas mãos duas ressonâncias, uma de 2013, outra de 2003. Ruy olhou, examinou e constatou: a estrutura era a mesma. O que mudara foi o padrão psicoemocional do homem. Há 10 anos, ele tinha 15 quilos a menos e fazia atividade física. Em 10 anos, o grau de tensão aumentou.
Nós temos uma memória corporal. Muitas vezes, o cliente, como o homem acima, chega ao consultório com um quadro de dor que considera recente: estava tudo bem, não sentia nada e, de repente, essa dor estoura. Esse quadro, no entanto, pode ser simplesmente a gota d’água de uma situação que se arrasta há tempos. “Então, você vai desprogramando, limpando essa memória corporal”, diz Ruy.
Harmonizar a mente e controlar a energia do corpo, ou seja, levar o indivíduo a um estado de meditação, também baseia as ações do Sekai Shiatsu. Trata-se da busca de harmonia interna, em que a respiração e a postura adequadas desempenham papel fundamental. Esse conjunto de mecanismos dá um bom indicativo do trabalho holístico realizado pelo Sekai Shiatsu.
Ruy Benezath descobriu o lado oriental da cura ainda na graduação em Educação Física, em que é formado. Foi uma guinada. Embora tocando normalmente sua formação acadêmica tradicional, cuidava em paralelo da formação terapêutica em paralelo.
O primeiro curso que fez na área foi de Do-In, com o professor Juracy Cançado, introdutor da técnica chinesa de automassagem no Brasil – o Do-In tem um ponto famoso para dor de cabeça, aquele localizado entre o polegar e o indicador.
Fez os primeiros atendimentos em casa e lá se vão 20 anos desde que abriu o próprio consultório, hoje em uma simpática casinha em Ilha de Santa Maria, Vitória. Lembra com um sorriso a patrulha que os terapeutas orientais sofreram na cidade de associações médicas, que, obviamente, temiam a perda de mercado. Formaram até um sindicato de terapias orientais, logo dissolvido. Mas Vitória cresceu, as demandas cresceram e os planos de saúde assimilaram as práticas complementares. Aí todo mundo se entendeu.
Ruy aplica uma gama diversa de técnicas terapêuticas orientais. Acupuntura e suas variedades – moxabustão, ventosa, diapsoterapia -, quiropraxia, biomagnetismo. Mas, evidente, tanto que é o tema desta matéria, nutre uma ligação especial, forte e afetiva com o shiatsu. Ao mesmo tempo sublinha o quão indispensável é conhecer e estudar a fundamentação filosófica da terapêutica oriental.
“Se você não conhece nem os princípios básicos, você nem começa”, afirma, estudioso das filosofias orientais e praticante de Aikido, arte marcial japonesa. O terapeuta oriental não pode virar um colocador de agulha ou reduzir o shiatsu a uma massagem. A acupuntura, por exemplo, mostra que há uma relação energética entre o terapeuta e o paciente; há uma intenção por trás da punção, a forma que coloca, a forma que retira.
O perfil médio de quem busca a terapia oriental indica um indivíduo que já não sabe a quem ou a quê recorrer. Percorreu em vão uma estrada áspera e sinuosa de alguns médicos e algumas dezenas de sessões de fisioterapia; seu corpo foi mexido e remexido. O trabalho das técnicas orientais é redirecionar uma jornada terapêutica antes estritamente fisiológica e mostrar ao indivíduo que ele não é só corpo, mas também emoções e pensamentos.
A partir daí o profissional mostra a melhor técnica à situação apresentada. Dependendo, pode haver uma associação: o shiatsu para proporcionar um fluxo energético na região, preparando o indivíduo para o trabalho sinérgico das agulhas, e, finalmente, a acupuntura.
De qualquer modo e em qualquer caso, faz questão de ressalvar: não existe essa de 10, 15, 20 sessões para dar resultado. São três sessões, no máximo cinco, para apresentar melhora significativa. “Ele tem perceber e chegar aqui na outra sessão e falar: alguma coisa mudou. Mesmo que ele não saiba dizer o que é”, explica. Caso contrário, pontua, a situação não é mais com ele. Prender o cliente por repetidas sessões é prova maior de má-fé terapêutica.
Nesses 20 anos de cura oriental Ruy verifica um agravamento do grau de desestabilização das pessoas. Sintomaticamente, as duas últimas décadas registraram uma transformação dramática da vida social, na esteira do advento de novas tecnologias de comunicação: a vida fica cada vez mais rápida, presente e futuro se confundem, parecem comungar da mesma linha divisória.
Por isso, sem ser cri-cri, aponta a tecnologização da vida como elemento desestabilizador, fator peculiar da vida contemporânea que se associa aos fatores tradicionais – pisíquicos e biológicos.
Ruy põe em miúdos. Olhem para cima e constatem a quantidade de torres e antenas que cobrem os prédios. Uma torre de celular emite uma freqüência de 60 hertz por segundo o tempo todo, enquanto cérebro humano durante o repouso noturno deveria bater em 8 hertz por segundo. “Ela não consegue: a pessoa dorme no macro, mas não dorme no micro. A sua bioenergia e a sua estrutura celular interna estão em ressonância com o campo da torre”, diz. Dá na mesma dormir com o celular sob o travesseiro
Daí a importância de entender que tudo é energia – inclusive o ser humano. “O que muda é o estado vibracional”, sublinha. A estrutura molecular de uma mesa vibra numa escala diferente da de um papel. Já o ser humano explica o terapeuta, é uma bateria bioeletromagnética. “Só que o ser humano é muito mais biomagnético do que bioelétrico”, diz. A diferença entre um e outro é que, como seres biomagnéticos, temos uma tendência maior à desagregação, à desarmonização: a tendência é o meio elétrico desagregar nossa estrutura.
Torre de celular, micro-ondas, antena parabólica, televisão, smartphone, tablet, um arsenal tecnológica que facilita a vida de fora, mas influencia a vida de dentro. “A gente não tem ideia da briga do nosso organismo para se manter íntegro perante a situação em que a gente vive”, afirma, lembrando as questões emocional, financeira, familiar e do trabalho que ainda nos envolve. Andar na linha, hoje, é coisa para herói.