A Justiça Federal determinou que o município de Conceição da Barra (norte do Estado) e a Companhia Espírito-Santense de Saneamento (Cesan) regularizem imediatamente o abastecimento de água da comunidade quilombola Angelim II. A decisão liminar atende ao pedido do Ministério Público Federal no Espírito Santo (MPF/ES), que denunciou a situação na comunidade tradicional, cujas famílias que vivem no local estão expostas ao consumo de água imprópria e contaminada por bactérias.
De acordo com informações do MPF/ES, o município e a Cesan devem disponibilizar, em até três dias úteis, caminhão-pipa com a quantidade mínima de 50 litros de água potável por residente até a regularização do abastecimento de água, sob pena de multa diária fixada em R$ 1 mil em caso de cumprimento da decisão.
A situação de consumo de água imprópria em Angelim II foi confirmada em análise realizada pela Secretaria Estadual de Saúde (Sesa). Na ocasião, inclusive, foi constatada na água a presença da bactéria Escherichia Coli. No ano de 2007, o município de Conceição da Barra e a Fundação Nacional de Saúde (Funasa) chegaram a firmar um convênio para realização de obra para a construção de poços e unidades sanitárias em comunidades quilombolas, o que incluiu Angelim II. No entanto, as estruturas não estariam atendendo à finalidade para a qual foram construídos, nem se mostraram adequadas para garantir o abastecimento de água na localidade.
Em vistoria realizada pelo Ministério Público em junho passado em Angelim II, foi constatado que também não ocorria abastecimento de água por caminhão-pipa na comunidade há dois anos, segundo os quilombolas, assim como não estavam sendo adotadas ações de prevenção e tratamento que a Prefeitura de Conceição da Barra havia informado à Procuradoria em abril.
Na ocasião, a procuradora federal Carolina Augusta da Rocha Rosado pôde constatar a atual situação do córrego Angelim, contaminado por venenos agrícolas usados pela Aracruz Celulose (Fibria) nos eucaliptais e carreados para o leito do manancial pelas chuvas e pelo lençol freático. Além da baixíssima vazão, a cor é esverdeada, de tanto veneno. É a água totalmente imprópria, seja para consumo humano ou para irrigação de plantas.
As famílias que viviam em Angelim II usavam a água do córrego Angelim, quase sem nenhum tratamento. Isto antes da chegada da Aracruz Celulose (Fibria). Tomavam banho em poços formados no córrego, alguns com profundidade de dois metros. Hoje a água atinge apenas os joelhos das pessoas. Os moradores também pescavam. Mas o que era na prática um pequeno rio, não tem peixes. São raros os lambaris e carás que conseguem resistir aos venenos agrícolas da empresa.
No final de agosto, o MPF/ES promoveu em São Mateus uma audiência pública com o tema “O Direito de Acesso à água potável – qualidade dos recursos hídricos disponíveis às comunidades quilombolas do Norte do Estado”. O evento debateu o direito de acesso à água potável pelas comunidades quilombolas no norte do Estado. A intenção foi avaliar as contribuições obtidas para definir diligências visando a orientar a atuação do órgão.
Quando da audiência, o município de Conceição da Barra comunicou que, diante das graves constatações na comunidade em questão, construiriam um poço imediatamente. Entretanto, diante das incertezas quanto ao tempo necessário para efetiva conclusão de obra pública, bem como da inexistência de providências imediatas, foi imediatamente ajuizada ação civil pública para garantir o fornecimento de água, recurso essencial à vida e saúde da população.
Na comunidade, resistem entre os eucaliptais, em pequenos lotes, 12 famílias no total de 37 que moravam em Angelim II. Pessoas que viviam do que produziam na terra, como a farinha de mandioca, para uso próprio e comercialização. Hoje não há mais terra para plantar, e os moradores vivem em extrema pobreza.
Essas famílias lutam há décadas para recuperar as terras tomadas pela Aracruz Celulose, ainda no período da ditadura militar. Há processo do MPF-ES nesse sentido, o que pode explicar os cortes apressados de eucalipto que têm sido feitos pela empresa recentemente. A Aracruz Celulose derrubou de vez todo o eucaliptal. A atividade foi embargada pelos próprios quilombolas, que denunciaram a medida ilegal.