A Proposta de Emenda à Constituição (PEC 215/00) que transfere ao Congresso Nacional a palavra final sobre a demarcação das terras indígenas do País, abrindo prerrogativa para os territórios quilombolas e unidades de conservação (UCs), deve voltar à pauta da Câmara dos Deputados nesta semana. A bancada ruralista pretendia discutir e votar o parecer do deputado Osmar Serraglio (PMDB-PR) na comissão especial nessa quarta-feira (23), mas um pedido de vista coletivo adiou o processo.
A PEC também exige que a delimitação das terras indígenas seja feita por lei, além de proibir a ampliação dos territórios demarcados e oferecer poderes aos parlamentares para anular os atos já definitivos, casos das terras indígenas Tupinikim e Guarani de Aracruz do norte do Espírito Santo. Hoje, a decisão sobre as terras indígenas cabe ao governo federal.
Na tumultuada sessão dessa quarta, a deputada Erika Kokay (PT-DF), uma das autoras do pedido de vista, rebateu a afirmação de Serraglio de que a PEC não é inconstitucional.
“Ela fere a separação dos Poderes, cláusula pétrea da nossa Constituição, e fere direitos e garantias individuais. Significa um retrocesso no que este País já conquistou. A Constituição assegurou o direito às terras indígenas pelos próprios indígenas. Os povos indígenas precisam ter direito às terras para romper o etnocídio que existe”, destacou Kokay.
A deputada ressaltou que a proposta segue os interesses apenas dos fundamentalistas patrimonialistas que querem arrancar um direito de homologação, assegurado na Constituição, que não caberia ao Congresso questionar.
O líder do Psol, deputado Chico Alencar (RJ), também criticou a proposta. Para ele, a PEC é um equívoco em relação à diversidade cultural e antropológica dos povos indígenas. “Estamos deliberando sobre esse assunto em meio à intensificação de conflitos. O conceito de terra para o índio de comunidade tribalizada é radicalmente diferente do nosso em relação à terra, à produtividade e à relação com a natureza”, disse Alencar.
Já o presidente da comissão especial sobre o assunto, deputado Nilson Leitão (PSDB-MT), propôs que o colegiado discuta a proposta durante o período de vista com o procurador-geral da República Rodrigo Janot, e com o presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Ricardo Lewandowski.
A PEC 215 tramitou na Câmara dos Deputados e foi arquivada no ano passado. Entretanto, durante a eleição do atual presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), o deputado negociou o apoio da bancada ruralista e assegurou o desarquivamento da proposta. Mesmo se tratando de um procedimento inconstitucional e antirregimental na Câmara, a matéria está em tramitação.
Espírito Santo
Os índios Tupinikim e Guarani do Espírito Santo entendem que a PEC 215 é um ato de guerra contra eles e estão mobilizados contra a proposta. Se aprovada, as terras que reconquistaram depois de árdua luta poderão ser de novo entregues a empresas e a latifundiários.
É o que querem empresas como a Aracruz Celulose (Fibria), que explorou o território indígena no Estado à exaustão por décadas, além de madeireiros da Amazônia e fazendeiros de todo o país.
A Aracruz tomou cerca de 40 mil hectares de terras dos índios de Aracruz e só devolveu 18 mil hectares. Dos quilombolas, a empresa também tomou terras (cerca de 50 mil hectares). Aos quilombolas, a empresa ainda não devolveu nada. A Aracruz Celulose ainda derrubou 50 mil hectares de mata atlântica, destruindo toda a sua biodiversidade, somente na sua fase de instalação no norte do Estado. As terras foram exauridas com plantios de eucaliptais.