A polêmica ocorreu após o defensor se retirar da sessão de julgamento após a rejeição de um requerimento feito ao magistrado que presidia o júri. A negativa sobre o pedido de quesitação (quando o juiz define quais perguntas serão respondidas pelos jurados) teria culminado com o abandono, já que a reação do juiz Wesley Sandro Campana dos Santos – que repreendeu publicamente o defensor – poderia contaminar a decisão do Conselho de Sentença contra o réu, no entendimento de Hugo Matias. Por conta desse incidente, o júri acabou sendo anulado, fato que motivou a representação feita pelo promotor de Justiça, Nilton de Barros, que atuava no julgamento.
Entretanto, o desembargador Simões Fonseca considerou que o defensor público não pode ser punido pelo exercício regular de suas funções. O relator citou que Hugo Matias chegou a ser denunciado criminalmente pelo Ministério Público Estadual (MPES), também autor da ação de improbidade, pelo suposto crime de desacato, mas a ação penal foi trancada por ordem do Superior Tribunal de Justiça (STJ) que rechaçou a tese de crime: “A ata [do julgamento] deixa evidente que, a despeito de não se ter concluído o julgamento popular, o defensor atuou em defesa do réu”.
E completou: “Não há como negar sua atuação e pretender que o mesmo devolva o valor correspondente à diária recebida. Afinal, em se tratando da atuação de defensor público, o princípio da eficiência está mais representado pela defesa do interesse público primário, qual seja o direito de defesa e o devido processo legal, do que a defesa do interesse público secundário, no caso os gastos que envolvem os atos judiciais”, ponderou Simões Fonseca, seguido à unanimidade pelo colegiado.
A denúncia inicial (0004222-68.2013.8.08.0030) havia sido recebida pelo juízo de 1º grau em setembro do ano passado. Na ocasião, o juiz da Vara da Fazenda Pública de Linhares, Thiago Albani Oliveira, apontou a existência de indícios mínimos de que o ato seria ilegal, já que teria praticamente anulado um dia de trabalhos do Tribunal de Júri. Com a decisão do Tribunal de Justiça, o caso será arquivado, a exemplo da ação penal movida contra o defensor público sobre o mesmo episódio.
No processo criminal, o Ministério Público tentou, por duas vezes, a condenação do advogado público pela suposta prática do crime de desacato, cuja pena varia entre seis meses a dois anos de detenção, além do pagamento de multa. A representação criminal havia sido rejeitada pelo juízo de 1º grau, mas a queixa foi reapresentada à Procuradoria Geral de Justiça, que denunciou Hugo Matias devido ao foro especial dos defensores públicos. O processo foi trancado em dezembro do ano passado pela 6ª Turma do STJ.
Em seu voto, a relatora do caso, ministra Maria Thereza de Assis Moura, defendeu a liberdade no exercício profissional e a necessidade de “cuidado redobrado” no reconhecimento de crimes de desobediência e desacato, que podem acabar prestando como “meio de cerceamento da capacidade dos cidadãos fiscalizarem o exercício da potestade (vontade) pública”. A manifestação foi seguida por todos demais integrantes do colegiado, sem a interposição de qualquer recurso.
No julgamento pelo STJ, a ministra classificou o episódio como emblemático, mostrando que “o calor do debate forense pode desbordar para indevidos revides, arrastando contendas, que poderiam ser, de modo cordato, resolvidas”. Segundo ela, a atitude do defensor público ao abandonar o júri em sinal de protesto “trata-se, em verdade, de garantia assegurada legalmente ao advogado para que possa, com a indeclinável independência, cumprir seu mister (função)”.