A Justiça estadual declarou a inconstitucionalidade das normas que permitiam o pagamento de honorários de sucumbência aos procuradores do Estado, após renegociação de dívidas tributárias. A decisão é do então juiz da 3ª Vara da Fazenda Pública Estadual, Jorge Henrique Valle dos Santos, hoje promovido a desembargador, nos autos de uma ação popular contra o expediente. O togado determinou ainda que a Associação dos Procuradores do Estado do Espírito Santo (Apes) devolva mais de R$ 2 milhões que foram repassados à entidade após um acordo entre o Fisco e a Companhia Brasileira de Pelotização (Kobrasco).
A sentença assinada no último dia 25 de setembro, que ainda não foi publicada, também obriga o governo do Estado a disponibilizar em seu Portal da Transparência todos os valores repassados a título de honorários de sucumbências e rateados pela Associação entre os procuradores da ativa e aposentados, desde o mês de abril de 2012 até hoje, no prazo de até dez dias, sob pena de multa. O valor do ressarcimento do prejuízo ao erário deverá ser corrigido a partir do “evento danoso”, de acordo com Jorge Henrique Valle.
A ação popular foi movida pelo funcionário público Alberto Tadeu Cardoso Guerzet, no final de 2013. Na petição inicial (0051134-44.2013.8.08.0024), Guerzet denuncia a suposta conduta irregular dos procuradores do Estado na renegociação das dívidas tributárias em uma ação judicial. Segundo a denúncia, a mineradora tinha um débito de R$ 68 milhões, ocasião em que foi arbitrado o valor dos honorários no patamar de R$ 1 mil. Entretanto, após a negociação, a dívida foi reduzida para pouco mais de R$ 17 milhões, enquanto os honorários dos procuradores saltaram para mais de R$ 2 milhões.
No entendimento do autor da ação, as transações deste tipo são indevidas, além de causar dano ao erário, uma vez que os procuradores podem exercer a advocacia particular e recebem ainda os honorários advocatícios sucumbenciais, quando atuam como advogados públicos, proporciona a facilitação de acordo em execuções fiscais. Tadeu Guerzet questionou ainda a violação do teto constitucional do funcionalismo público, além do eventual favorecimento de empresas devedoras e a sonegação de impostos, uma vez que os valores percebidos pela associação não são devidamente fiscalizados.
Durante a instrução do processo, a Associação defendeu a legalidade do acordo fiscal e da percepção dos honorários advocatícios. Mesma tese levantada pelas defesas da Kobrasco e do ex-procurador-geral do Estado, Rodrigo Marques de Abreu Júdice, que também figuram na ação.
O juízo da 3ª Vara da Fazenda Pública chegou a rejeitar um pedido de liminar pela indisponibilidade dos bens de todos os envolvidos. Entretanto, o então juiz Jorge Henrique Valle vislumbrou a possibilidade do julgamento antecipado da lide devido à existência de farta documentação “plenamente suficientes à compreensão e convencimento”.
Na sentença, o hoje desembargador declarou a inconstitucionalidade do Decreto nº 3668-N, que delegou ao Conselho da Procuradoria Geral do Estado (PGE) a distribuição dos processos e pagamento dos honorários de sucumbência. Jorge Henrique Valle destacou que a Lei Estadual nº 4.708/1992, ao instituir a gratificação aos procuradores, estabeleceu que a regulamentação da norma seria exclusiva do Executivo.
“Conforme visto, o conteúdo do decreto em evidência não cuidou de cumprir com seu papel constitucional, a saber, regulamentar a distribuição dos processos e a repartição dos honorários aos procuradores do Estado. Ao revés, apenas atribuiu a terceiro o exercício do poder regulamentar, extrapolando seus constitucionais limites. Aqui reside, portanto, a inconstitucionalidade do Decreto nº 3668-N”, concluiu.
Sobre o mérito da ação popular, Jorge Henrique Valle destacou que a jurisprudência dá conta de que a titularidade dos honorários advocatícios de sucumbência, quando vencedora a administração pública direta, não constitui direito autônomo do procurador:
“Para a colenda Corte e nosso Egrégio Tribunal esta verba, na verdade, constitui patrimônio público da entidade representada – no caso em tela, o Estado do Espírito Santo – eis que o vínculo contratual entre advogado autônomo ou empregado, previsto no Estatuto, não se assemelha ao vínculo institucional entre a administração pública e os advogados públicos, caracterizando este último como servidor público, quem já recebe contraprestação pelo seu labor através dos vencimentos que são fixados em lei”, considerou.
O então juiz observou ainda que o correto seria que os honorários sucumbenciais fossem depositados no Tesouro estadual para depois serem transferidos para a Associação. Jorge Henrique Valle também destacou a questão da renúncia fiscal e a conduta descabida dos servidores na renegociação dos débitos tributários. Segundo ele, “os acordos firmados pelos procuradores deste Estado se mostram um tanto quanto imprudentes, eis que em tais oportunidades os valores devidos ao Estado são sumariamente reduzidos”.
Sobre a necessidade de conferir maior transparência às operações, o hoje desembargador entende que a “res (coisa) pública deve ser protegida e vigiada de igual forma”. No entendimento de Jorge Henrique Valle, os valores rateados entre os membros da Associação de Procuradores Estaduais a título de honorários de sucumbência devem ser parte integrante do Portal da Transparência, “possibilitando à sociedade a ciência e conferência dos valores revertidos em proveito da comentada categoria”.
Na sentença, o então juiz julgou extinta a ação contra o ex-procurador-geral Rodrigo Júdice, que é atualmente secretário de Estado do Meio Ambiente, e isentou a mineradora Kobrasco de responsabilidade no episódio, sob alegação de que contribuiu para o ato lesivo aos cofres públicos e não o obteve proveito econômico indevido em virtude do acordo. Já a Associação terá que ressarcir os cofres públicos no valor de R$ 2.031.928,31, corrigidos monetariamente, além do pagamento das custas processuais e dos honorários do advogado do autor da ação popular, fixado em R$ 2 mil.
O governador Paulo Hartung (PMDB) também será notificado sobre a inconstitucionalidade do decreto e da decisão do Conselho da PGE sobre o repasse dos honorários de sucumbência. Jorge Henrique Valle determinou ainda a expedição de ofício ao Ministério Público Federal (MPF), encaminhando uma cópia de decisão, para que adote as providências que entender cabíveis. A decisão ainda cabe recurso.