Noves meses depois, a Agência Estadual de Recursos Hídricos (Agerh) voltou a emitir cenário de alerta sobre a situação hídrica no Espírito Santo. As novas medidas, anunciadas no Diário Oficial nesta terça-feira (6), são necessárias para evitar o colapso total no abastecimento, que na região norte do Estado já atinge contornos dramáticos, mas não aprofundam o necessário debate sobre a questão.
As considerações são do Movimento dos Pequenos Agricultores (MPA) no Estado, que já previa o atual cenário desde setembro de 2014, quando veio à tona a crise hídrica do estado de São Paulo. Os motivos para isso, na ocasião, eram os mesmos ignorados até hoje pelo governo do Estado: os atuais modelos de produção e consumo.
Desde o início deste ano, a gestão Paulo Hartung (PMDB) publica normas para minimizar os efeitos da crise, com foco apenas na seca. Valmir Noventa, da coordenação do MPA no Estado, pontua, no entanto, que o problema não se restringe à falta de chuvas. A questão hídrica, ressalta, está ligada em especial à degradação ambiental, aos desmatamentos e aos cultivos agrícolas de larga extensão em áreas que deveriam ser unidades de conservação.
Ele reitera a necessidade de debater a origem da questão, como o modelo econômico predominante, que é altamente dependente de água e voltado para a exportação. “Mas nestas questões o governo não se envolve, porque mexe com os interesses econômicos e políticos”, alertou Valmir.
Outro agravante é a atual concentração urbana, que triplicou o consumo nas grandes cidades nos últimos anos. A liderança do MPA se reporta à década de 60, quando apenas 20% da população ocupavam as áreas urbanas, saltando hoje para 82%. Não que naquela época não existisse o problema da água, mas nada comparado à situação atual. O campo garantia o sustento dos mercados locais, com a produção de alimentos. “A população depende desta produção e não do agronegócio”, enfatizou.
Valmir lembra que as ações atuais são necessárias, porém, paliativas, pois resolvem o problema apenas durante um período. Além do ato do governo desta terça, dois outros já foram publicados desde o início deste ano. O primeiro em janeiro, com cenário de alerta, e depois em maio, mudando para o cenário de atenção.
Para a liderança camponesa, a primeira medida a se tomar é proibir, de imediato, o consumo de água por setores que não têm relação com o que é essencial para a população, que é a produção de alimentos, como as indústrias voltadas para a exportação.
“Prioridade é o consumo humano, depois o consumo animal”. No setor de agricultura, o mesmo procedimento deve ser adotado. “A prioridade não é café, a pimenta do reino, e sim os hortifrutigranjeiros”. O camponês, que vive da horta e vende sua produção em feiras, não pode ter o mesmo tratamento do que as empresas, compara Valmir.
Ele afirma ainda que as prefeituras não têm qualquer política de retenção da água no solo, que é o essencial para resolver a questão hídrica. “A garantia de água é com reserva em solo, o que é possível apenas com muito investimento em reflorestamento e recuperação de nascentes”.
O governo do Estado, segundo Valmir, até tem políticas de médio e longo prazos, mas apenas no papel. Na prática, protagoniza medidas que só agravam o problema como, por exemplo, o projeto aprovado recentemente na Assembleia Legislativa pela maioria dos deputados, que favorece os plantios de eucalipto de grandes extensões no Estado. Além das cabeceiras dos rios já estarem tomadas por eucalipto, Valmir ressalta que a crise atual faz com que mais agricultores recorram ao fomento da Aracruz Celulose (Fibria), já que o eucalipto é mais resistente em situações adversas.
O modelo de consumo também é destacado pelo coordenador do MPA. Nas cidades, um cálculo mínimo de uma família com cinco pessoas, com a utilização somente da descarga três vezes cada um, representa um consumo de 150 litros por dia. Para lavar roupa, utiliza-se ainda mais água, assim como calçadas e carros. Nas classes média e alta, por questões econômicas, o consumo é ainda mais elevado.
Enquanto essas questões não são consideradas prioritárias no debate sobre o grave problema hídrico, a situação se agrava a cada dia no Espírito Santo, sem que os órgãos públicos apresentem políticas reais para o setor.
Caótico
A Companhia Espírito Santense de Saneamento (Cesan) está racionando o abastecimento de água para dez localidades do interior nas regiões norte e serrana. No caso do Distrito de Imburana, em Ecoporanga, e em Cidade Nova da Serra, em Serra, 100% do fornecimento de água para a população está sendo feito por meio de carro-pipa.
Cinco locais estão em situação extremamente crítica, mas não começaram a racionar água: Distrito de Braço do Rio, em Conceição da Barra, Sede de Pinheiros, Sede de Montanha; Sede de Mantenópolis e Distrito de Santa Luzia de Mantenópolis, em Mantenópolis. Outras dez localidades também do norte e das regiões centro-norte e sul estão em situação crítica.
Nos municípios de São Mateus e Linhares, norte do Estado, a água distribuída para a população está com elevado índice de sódio, o que impede sua ingestão.
Já na Grande Vitória, a vazão dos rios Santa Maria da Vitória e Jucu, segundo o governo, tem sido suficiente para abastecer a população, mas os níveis estão cada vez mais baixos. A vazão do rio Santa Maria, medida no último dia 29 de setembro (3.316 litros por segundo), ficou abaixo do ponto considerado crítico (3.800 litros por segundo). Já a vazão do rio Jucu (5.582 litros por segundo) está apenas um pouco acima do nível crítico (5.292 litros por segundo).
A Cesan já está utilizando a água da represa de Rio Bonito para abastecer a zona Norte de Vitória, Serra e Praia Grande, em Fundão, por meio do sistema do rio Santa Maria da Vitória.
A água direcionada para a Arcelor Mittal e Vale foi reduzida, como garante a Cesan. No caso da Arcelor, houve redução de 800 para 600 litros por segundo. No caso da Vale, a redução foi de 200 para 100 litros. Juntas, as duas empresas consomem um terço da água captada do rio Santa Maria da Vitória.