“Estapafúrdia”. Este foi o adjetivo utilizado no relatório final da CPI do Pó Preto para definir a conclusão do estudo realizado pela Ecosoft Soluções Ambientais em 2010 para identificar as fontes emissoras de poluentes na Grande Vitória. “Incrivelmente, chegou-se à absurda conclusão de que 70,4% do material particulado são derivados da re-suspensão desse material nas vias públicas, ou seja, culpa das emissões exaradas pelo uso de veículos automotores”.
O documento diz que o resultado é tão absurdo, que adotá-lo como verdade seria aceitar que a maior parcela de culpa do pó preto na Grande Vitória e Anchieta (sul do Estado) seria dos carros, motocicletas, caminhões e ônibus, “sendo que tais regiões detêm uma frota um décimo da existente em São Paulo (capital), cidade que, por incrível que pareça, não sofre com as mazelas do pó preto na intensidade que vivemos”.
A incongruência do percentual, segundo a CPI, foi confirmada até mesmo por técnicos do Instituto Estadual de Meio Ambiente e Recursos Hídricos (Iema) em depoimentos na comissão. A Ecosoft realizou o serviço para o órgão ambiental, que acatou os números sem contestação.
Os deputados da CPI também questionaram o método utilizado no estudo – norma americana ASPM -, que realizou a medição de poluentes em oito diferentes locais de deposição de poeira na Grande Vitória. “Não se chegou a um resultado satisfatório no que tange a uma conclusão definitiva acerca do grau de culpabilidade de cada uma das fontes emissoras de partículas”. Com esse erro, aponta a comissão, alterou-se a realidade registrada nos municípios em relação à poluição do ar.
Na região metropolitana e Anchieta, que possuem áreas muito próximas das plantas industriais, o relatório aponta que não é possível averiguar com exatidão quais dessas fontes são efetivamente responsáveis por tal partícula e em qual medida. É preciso, diz a CPI, que sejam adotadas técnicas de medição e análises próprias, com uma nova metodologia científica, para que se possa apurar separadamente a participação de cada um dos agentes poluidores.
A CPI defende que seja feita a atualização do Inventário de Fontes, por meio de estudos realizados pelo Iema em parceria com a Universidade Federal do Estado (Ufes). Devido às condições peculiares das duas regiões, os deputados apontam a necessidade de estabelecer um parâmetro específico, que determine com exatidão o grau de culpabilidade de cada uma das fontes emissores de partículas de poluentes.
A CPI quer, ainda, que a Seama/Iema amplie e modernize a atual rede de monitoramento de poluição atmosférica, atualmente com noves estações, para uma fiscalização efetiva e expedição dos alertas necessários à população em relação aos níveis de emissões.
O relatório recomenda, para isso, a elaboração de estudos técnicos que “iniciem com a urgência necessária o procedimento de compra das novas estações, bem como ampliem os locais onde elas estão instaladas, para que se possa traçar um panorama mais amplo do grau e distribuição da poluição do ar no Estado”.
Outro pedido de providência é que as atividades essenciais de apoio à fiscalização ambiental sejam concentradas no campo de competência e atuação de servidores efetivos dos quadros técnicos da Secretaria de Estado de Meio Ambiente (Seama) e do Instituto Estadual de Meio Ambiente e Recursos Hídricos (Iema), e não por meio de terceirizadas.
“Essa prática é constante e muitas das vezes em empresas privadas que prestam, ao mesmo tempo, o serviço de monitoramento do ar tanto para o Estado e para empresas instaladas no Estado, fato que, por si só, pode deixar dúvidas acerca da imparcialidade dessas terceirizadas”.
Nesse sentido, os deputados destacam que o governo do Estado, com a máxima urgência, deve adequar a estrutura dos órgãos ambientais, principalmente nos setores de Controle Ambiental e Fiscalização, com a criação de estruturas – inclusive laboratórios e implantação de rede de segurança para a coleta de dados ambientais – e organizações de cargos efetivos com salários compatíveis.
A CPI constatou que, hoje, o Iema conta com apenas dois técnicos responsáveis pela fiscalização e controle das plantas industriais das principais empresas do Estado. Durante os trabalhos da comissão, questionado pelo deputado estadual Gilsinho Lopes (PR) sobre a previsão de concurso, o secretário de Estado de Meio Ambiente, Rodrigo Júdice, afirmou: “seria leviano da minha parte falar em previsão de concurso neste momento”.
A comissão se propôs a fazer um projeto de lei para criação de programa estadual para “aparelhar, treinar e qualificar os serviços prestados pelo Iema e Seama, proibindo a contratação de empresas privadas que prestem serviço de fiscalização, controle e assessoramento ambientais para o Estado e poluidoras”.
Constatou que significativa parte da culpa do atual estado crítico da poluição atmosférica não é derivada de uma causa única, mas sim da soma de uma série de fatores. “Desde a instalação das três principais empresas poluidoras até os dias atuais, não podemos olvidar a negligência frente ao aumento da poluição”.
Licenciamentos
Considerando que a postura e condicionantes impostas até hoje foram “absolutamente incipientes” para resolver o problema, já que os índices de poluição do ar aumentaram, a CPI aponta como indispensável que a Seama e o Iema “revejam seus posicionamentos técnicos, passando a adotar uma postura mais rigorosa na imposição de condicionantes ambientais” nos processo de licenciamento ambiental.
A comissão também recomenda que os órgãos ambientais indefiram pedidos de licenciamento para ampliação do nível de atividade das atuais empresas, bem como de novas empresas que desejam aumentar ou estabelecer empreendimentos das mesmas fontes poluidoras.
E, ainda, que revejam as condicionantes impostas às poluidoras e adote postura mais rigorosa e técnica na expedição e fiscalização quanto ao cumprimento das mesmas.
O documento considera inadmissível nos dias atuais que se autorize “o descontrole da fiscalização de atividades que sabidamente são poluidoras, cabendo ao poder público adotar as técnicas, métodos e medidas que minimizem ou extinguem, quando possível, os riscos à qualidade de vida, do meio ambiente e do direito à saúde”.
Relatório bimestral
Além de painéis instalados nas principais vias e pontos de concentração de partículas, com os números disponibilizados em tempo real em sítio eletrônico específico, a CPI quer que o Iema elabore e divulgue relatório bimestral sobre a poluição do ar para consulta, análise e sugestão da população capixaba.
“Desta forma é possível verificar o cumprimento das leis ao mesmo tempo em que democratiza, franqueando e publicitando ainda mais as informações relativas à matéria, a fim de que os cidadãos possam cobrar dos gestores públicos e empresas uma postura mais ativa na defesa da proteção ao meio ambiente”.
Isso, segundo o relatório, deve ser feito por meio de convênio entre a Seama/Iema e a Assembleia Legislativa.
Fapes
Outra proposta é que a Fundação de Amparo à Pesquisa e Inovação do Estado (Fapes) incentive e aprimore os estudos técnicos-científicos relacionados ao monitoramento da qualidade do ar e seus efeitos no Estado.
A Fapes deve financiar até dez projetos, no valor máximo de R$ 50 mil, para “nuclear a formação de novos grupos de pesquisa na área da poluição e seis efeitos à saúde; até seis, no valor máximo de R$ 150 mil, voltados a atividades de pesquisa mais aprofundadas por grupos de pesquisas que já atuam no Estado; e até dois, no valor máximo de R$ 1,6 milhão, com objetivo de consolidar a infraestrutura de pesquisa existente, aumentando a capacidade de investigação na área de poluição do ar e seus efeitos à saúde”.