A comissão especial que analisa a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 215, que ameaça as terras indígenas no País, pretende votar o relatório do deputado federal da bancada ruralista, Osmar Serraglio (PMDB-PR), na próxima semana. A discussão e votação do substitutivo prevista para essa quinta-feira (15) foi adiada após obstrução dos parlamentares contrários ao texto e início das votações do Plenário da Câmara dos Deputados.
A PEC 215 transfere do Executivo para o Congresso Nacional a palavra final sobre as terras indígenas, abrindo prerrogativas para os territórios quilombolas e Unidades de Conservação (UCs). Além disso, proíbe a ampliação dos territórios já demarcados e oferece poderes aos parlamentares para que anulem os atos definitivos, casos das terras indígenas Tupinikim e Guarani de Aracruz do norte do Espírito Santo, retomadas da Aracruz Celulose (Fibria).
A reunião dessa quinta foi obstruída por representantes do PT, Psol, Rede, PV e PCdoB. O coordenador da Frente Parlamentar Ambientalista, deputado Sarney Filho (MA), destacou que a PEC 215 mantém o clima de conflito fundiário entre indígenas e proprietários de terra. Se passar na Câmara, ele acredita que a proposta não terá chances de aprovação no Senado, onde 60% dos senadores se colocaram contrários à proposta, como informou.
Já o presidente da comissão especial, deputado Nilson Leitão (PSDB-MT), referindo-se a um recente encontro entre deputados do colegiado e o procurador-geral da República, Rodrigo Janot, lembrou da importância do “debate e da construção de uma decisão pacificadora pelo Congresso Nacional”. Segundo Leitão, a comissão também tentou agendar encontros com ministros do Supremo Tribunal Federal (STF), porém, sem êxito.
No último dia 23, a bancada ruralista já havia tentado votar a matéria, mas um pedido de vista coletivo adiou o processo.
A PEC 215 foi arquivada no ano passado na Câmara dos Deputados e só foi reaberta após negociação do atual presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ). Em troca do apoio da bancada ruralista à sua eleição, Cunha assegurou o desarquivamento da proposta, mesmo se tratando de procedimento inconstitucional e antirregimental.
Para os índios, o desarquivamento da PEC 215 é um ato de guerra contra eles. Há mobilizações em todo o País para impedir que os direitos indígenas sejam violados.
Além de ameaça aos Tupikiquim e Guarani do Estado, que conseguiram após décadas de luta retomar da Aracruz Celulose (Fibria) 18.027 hectares, de um total de 40 mil hectares, a PEC 215 prejudicará os quilombolas, principalmente no antigo território de Sapê do Norte, hoje municípios de Conceição da Barra e São Mateus. Os descendentes dos escravos negros também perderam suas terras para a Aracruz Celulose (Fibria) e para fazendeiros e até hoje não recuperaram sequer um hectare.
Relatório
A proposta original, do ex-deputado Almir Sá, inclui entre as atribuições exclusivas do Congresso Nacional a aprovação da demarcação das terras indígenas. Já no substitutivo, o relator determina que a demarcação seja feita por meio de lei de iniciativa privativa do presidente da República. O texto diz ainda que a lei poderá estabelecer a permuta de áreas que originalmente caberiam aos indígenas, além de vedar a ampliação de terra já demarcada.
O substitutivo também modifica o Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, determinando que se a União não cumprir o dever de demarcar as terras indígenas no prazo constitucional previsto, ao todo cinco anos, terá de indenizar o proprietário das terras. Ao mesmo tempo, determina que procedimentos considerados em desacordo com a disposição da PEC sejam revistos no prazo de um ano.
Serraglio propõe mudanças ainda nas regras de posse das terras tradicionalmente ocupadas por indígenas, a quem é garantido, hoje, o usufruto exclusivo das riquezas do solo, dos rios e dos lagos nelas existentes.
O substitutivo diz que os índios poderão explorar essas terras direta ou indiretamente, estabelecendo uma série de exceções: ocupações configuradas como de relevante interesse público da União; instalação e intervenção de forças militares e policiais; instalação de redes de comunicação, rodovias, ferrovias e hidrovias e edificações destinadas à prestação de serviços públicos; áreas afetadas por unidades de conservação da natureza; e perímetros urbanos.
A proposta autoriza o ingresso, trânsito e permanência de não índios nas áreas indígenas, inclusive pesquisadores e religiosos, e que as comunidades indígenas em estágio avançado de interação com os não índios poderão se autodeclarar aptas a praticar atividades florestais e agropecuárias e a celebrar contratos, inclusive de arrendamento e parceria.