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Conhece o Moro?

Fotos: Gustavo Louzada/Porã
 
Antes de brilhar no palco iluminado das artes capixabas como uma espécie de mecenas da cultura local, Idalberto Moro, 59, era apenas um empresário de certo êxito do setor atacadista de quem apenas gente de seu quadrado ouvira falar. Moro, que entende mesmo de comercializar peças de motocicletas, de repente passou a lidar com suntuosas exposições, espetáculos teatrais, shows musicais, livros e outros projetos culturais. 
 
A história de Moro e do Instituto Sincades ainda dará uma boa história. É um roteiro pronto e acabado: um sistema bem organizado, ainda que muito suspeito, de benefícios fiscais engendra e catapulta uma figura incógnita à condição de mecenas de toda uma comunidade. Pelo menos este discurso elaborado em torno da figura de Idalberto Moro: de promotor, um entusiasta, da cultura capixaba. 
 
Por quê? Boa pergunta. A ascensão de Moro à qualidade de mecenas das artes capixabas foi mais um desses imponderáveis que encontram no Espírito Santo solo amplo e fértil. Moro passou a ser paparicado por colunas sociais em jornais, posava ao lado de governadores, sorria para as fotos. 
 
Tudo era divino e maravilhoso: via Instituto Sincades, geria um volume absurdo de recursos, que aplicava onde o nariz apontasse e do qual nunca precisou prestar contas.
 
Assim foi por sete anos. Criado em 2008, o Instituto Sincades, espécie de braço cultural do Sindicato do Comércio Atacadista e Distribuidor do Espírito Santo (Sincades), manejou como quis a política pública cultural capixaba amparado em um modelo de incentivo tributário chamado Contrato de Competitividade (Compete-ES), implantado em 2004 para fomento da iniciativa privada. 
 
Com o fim da relação entre a Secretaria de Estado da Cultura (Secult) e o instituto Moro de readquirir a estatura irrelevante que sempre teve para as artes locais. E, o que lhe deve ser mais doloroso, diminuir a frequência às colunas sociais.  
 
A última grande aparição de Moro foi na abertura de mais uma das megaexposições no Palácio Anchieta, A Magia de Miró, aberta em 22 de setembro. As aberturas dessas megaexposições foram fundamentais para a construção da “persona” de Moro: sempre concorridas, reuniam figuras de proa das artes e da política local. Rendiam tapinhas nas costas, apertos de mão, conversas afáveis, risos. Mais que isso: rendiam fotos em colunas sociais e a publicidade espontânea das boas intenções culturais do Instituto Sincades.
 
Mas algo Moro não explicou: quanto custou para que Andy Warhol, Leonardo da Vinci, Michelângelo, Rembrandt, Modigliani, mestres espanhóis e mestres franceses aportassem em solo capixaba?    
 

Nascido em Aracruz, Idalberto Moro é casado e pai de três filhos. Trabalha desde criança. Costuma dizer, com certo orgulho, que formou seu caráter profissional atrás dos balcões do comércio da família. 

 
O empresário exibe desde cedo o arrojo empreendedorista que o mundo exige dos homens de negócio. Aos 16 anos, deixou Aracruz e mudou-se sozinho para Vitória. Queria ampliar os horizontes, desagrilhoar-se das restrições da vida interiorana. Aos 18 anos, abriu o primeiro negócio: uma banca de revistas no Centro da cidade. Gostou da experiência, conheceu pessoas, abriu portas. Mas o negócio durou apenas um ano e meio. Cerrou as portas da pequena banca para se dedicar aos estudos. 
 
Aos 24 anos, na Avenida Marechal Campos, iniciou-se no ramo em que conheceu o êxito: abriu a primeira loja do de comercialização de peças de motocicletas do Espírito Santo. Nascia ali em 1980, embora ainda na área varejista, o que cerca de duas décadas depois se tornaria o Grupo Motociclo. 
 
O jovem Moro labutava das sete da manhã às sete da noite. Poucos anos mais tarde até tentou um diploma universitário. Ingressou no curso de Administração nas Faculdades Integradas Espírito-Santenses (Faesa), mas os negócios em expansão e os filhos em crescimento impunham uma respeitável carga de responsabilidades. Abandonou a faculdade a um ano da conclusão. 
 
Moro não tardou a entrar no ramo atacadista. Começou a venda no atacado em 86 e em 95 já vendia para todos os estados brasileiros. Daí para frente, navegou em ventos favoráveis. Em 96, fundou o segundo pilar do Grupo Motociclo, a Capri Import & Export Ltda, especializada em comércio exterior; em 2004, criou a Capri Logística S.A., que atua com armazenamento. 
 
A Comercial Motociclo, a Capri Logística S.A. e a Capri Import & Export são três empresas complementares. Uma atua na importação, outra na estocagem, outra na distribuição. O grupo distribui peças de motocicletas para todo o país: são oito mil clientes atendidos, uma filial em São Paulo e outra Itajaí (SC). O Grupo Motociclo tem 400 funcionários entre diretos e indiretos.
 
Ou seja: o mundo de Idalberto Moro nunca foi o das artes. Talvez, sim, como fruição; mas como promotor ou entusiasta, nunca. Sua preocupação primordial era expandir seu singelo império atacadista. Coisa de artista é, mesmo, a operação de isenção fiscal ao setor atacadista engendrada pelo Contrato de Competitividade (Compete-ES) que justifica a criação do Instituto Sincades. 
 
O instituto nasce em 2008 amparado em um modelo de incentivo tributário do Compete-ES, implantado em 2004, durante o primeiro mandato do atual governador Paulo Hartung (PMDB), para fomento da iniciativa privada. Uma fração da renúncia fiscal era destinada aos cofres do instituto. 
 
O Sincades manuseava dinheiro público. O decreto que regula a participação do instituto na política de cultura estadual orienta a destinação de 10% de sua carga tributária ao fomento de atividades culturais. A carga de tributos incidente sobre o setor atacadista é de 1%.
 
A criação de uma entidade para promover cultura conferiu ar de nobreza a uma baixeza, uma desculpa palatável para velar uma operação que nunca precisou se explicar ao Tribunal de Contas do Estado (TCES). Investir em cultura é ato grandioso e digno, ninguém se atreveria a questionar as boas intenções do sistema de incentivos fiscais capixaba.
 
Moro assimilou como talvez poucos o fariam a condição de mecenas. Atuava como uma espécie de Rei da Inglaterra no Instituto Sincades. Passava ao largo das reuniões entre produtores culturais e a entidade; aqui, atuava o gerente-executivo do instituto, Dorval Uliana. Moro apenas aparecia nos festejos públicos, as aberturas das exposições, concedia entrevistas e posava para os fotógrafos. 
 
Uma conduta calculada para reforçar a identidade de promotor abnegado da causa cultural capixaba. Os números explicam tanta pose e a expressão sempre tranquila e satisfeita de Idalberto Moro. 
 
O ano de 2015 é o primeiro em que o governador Paulo Hartung revelou o volume das renúncias fiscais em sua gestão. Até o fim do atual governo, o Estado deve abrir mão de R$ 4,31 bilhões na arrecadação de ICMS. O setor atacadista é o principal beneficiado, com uma renúncia que deve bater a marca de R$ 3,2 bilhões ao longo dos quatro anos de gestão. Todos os dados são estimados no texto do projeto de Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO), enviado em maio para apreciação da Assembleia Legislativa.
 
Nos dois primeiros mandatos, Hartung resistiu à divulgação das informações, obrigatoriedade prevista na Leio de Responsabilidade Fiscal (LRF). Só em 2011, por determinação do TCE, o Estado só passou a publicar a estimativa dos benefícios em 2011, durante o governo Renato Casagrande (PSB). 
 
Segundo dados do governo estadual, mais de 600 empresas aderiram ao benefício o oferecido ao setor atacadista, que provoca uma renúncia fiscal próxima a R$ 700 milhões por ano, dos quais R$ 70 milhões são repassados para gestão direta do Instituto Sincades.
 
Na soma total, as empresas associadas ao Sincades devem deixar de arrecadar R$ 3,2 bilhões ao longe de 2015 e dos próximos três anos. A expectativa do governo é de que os benefícios ao setor saiam da casa dos R$ 729 milhões este ano para alcançar R$ 883 milhões em 2018. Ao todo, a renúncia fiscal oferecida ao setor superaria a casa de R$ 3 bilhões nos últimos cinco anos. 
 
Em 2014, o Sincades divulgou em seu único relatório sobre suas atividades que as empresas do setor movimentaram R$ 21 bilhões, porém, a arrecadação do ICMS pode girado na casa dos R$ 500 milhões. Foram patrocinados cerca de 300 projetos culturais, 30 ações de inclusão sociocultural. O relatório usa de altruísmo para explicar o funcionamento do instituto: “mantido diretamente com recursos doados por empresas atacadistas e distribuidoras, o Instituto Sincades…”. 
 
No Diário Oficial dessa sexta-feira (6), uma portaria da Secretaria Estadual de Desenvolvimento (Sedes) divulgou o número exato de empresas associadas ao Contrato de Competitividade firmado com o setor atacadista: 573. 
 
A lista das empresas beneficiadas pelo benefício de recolher apenas 1% dos 12% devidos nas operações interestaduais abrangem, inclusive, empresas que não guardam qualquer relação com o negócio atacadista. O maior exemplo vem da Suzano Papel e Celulose S/A, que, mesmo sendo sua atividade-fim a venda de papel, virou atacadista. A poluidora ainda consta na lista das 573 empresas associadas ao Compete-ES referente ao setor.
 
As travessuras fiscais do setor atacadista no estado agora põem Moro, Hartung e companhia, na mira da ação direta de inconstitucionalidade (Adin), ajuizada pelo governador de São Paulo Geraldo Alckmin (PSDB), que tramita no Supremo Tribunal Federal (STF) contestando os mimos tributários capixabas. O divórcio entre Secult e Instituto Sincades pode ser o primeiro indício de que alguma coisa vai mudar.

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