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Afrodiáspora: a cultura africana nas ondas do rádio

Foi em 28 de agosto de 2011 que o Afrodiáspora entrava pela primeira vez na programação da Rádio Universitária da Ufes. A data não marca só a entrada do programa no ar, mas é emblemática por ser a primeira – e, até então, única – iniciativa de programa de rádio no Estado a usar como temática central a cultura negra e sua história. Adriano Monteiro (foto), integrante que está no projeto desde a época de sua criação, afirma que talvez o programa nem tenha uma programação tão original e inovadora assim, no sentido de que já deveriam existir programas como esses em outros lugares. “Se formos fazer uma reflexão mais profunda, isso só mostra como a mídia, no geral, ainda é racista”. Para a professora e coordenadora do projeto Patrícia Rufino, as demandas que fizeram o programa ser estruturado são tão óbvias que a ideia, a princípio, não pareceu para eles uma proposta tão original assim. 

 

“Lembro que apresentei um artigo do programa em um Congresso de estudantes. Por lá havia pessoas de diversos perfis, alunos e professores. Nesse meio teve um homem que perguntou algo absurdo após a apresentação de meu trabalho. Indignado por eu ter falado que veiculamos música pop da África no programa, ele perguntou onde que eu conseguia ter acesso a esse tipo de música. Fiquei indignado. A África está na internet também, é só procurar. É assim que percebemos a distância que as pessoas têm com a África. Nessas horas que percebemos quão importante o programa é”, conta Adriano sobre um caso que ilustra bem o que as pessoas enxergam sobre cultura africana: se não for algo étnico, não existe.
 
Adriano Monteiro e Patrícia Rufino contam a história do Afrodiáspora com todos o detalhes. O programa nasceu como um braço do Núcleo de Estudos Afro-Brasileiros (Naeb) da Ufes. As propostas principais que motivaram a criação eram objetivas (e ainda são): conseguir ser porta-voz das próprias ações realizadas pelo Núcleo; e ter um espaço que pudesse informar, discutir e auxiliar, de alguma forma. a implementação da Lei 10.639/2003, que obriga o ensino da História e Cultura afro-brasileira e africana nas escolas de ensino fundamental e médio das redes pública e privada de todo o Brasil.
 
Apesar de um pouco ainda escondido para os alunos negros e cotista da Ufes, o Neab opera com a proposta de trabalhar com os estudantes, de se aproximar deles e auxiliar na formação da identidade negra, além do combate ao racismo. Um programa de rádio do Núcleo cairia bem no sentido de alcançar de forma mais direta esses alunos. Foi desse pensamento que o Afrodiáspora surgiu, da reunião de alguns jovens, entre coordenadores, professores e alunos que, durante seis meses, trabalharam em cima da proposta de criação. O mais complicado foi criar algo sem um parâmetro concreto, já que existem no Brasil pouquíssimos programas com a temática racial. Dessa forma foi a criatividade e a pesquisa que nortearam a produção de um piloto – prontamente apresentado e aprovado pela Rádio Universitária. 
 
Hoje, com quatro anos de atividades, o Afrodiáspora configura-se como um projeto de extensão composto por cinco estudantes bolsistas: Daiana Rocha, Tamyres Batista, Láisa Freitas, Rafael Miranda e o já citado Adriano Monteiro. O programa é veiculado de segunda a sexta-feira, a partir das 17h e, além de apresentar músicas de cantores africanos e afrodescendentes espalhados pelo mundo todo; ele engloba quadros culturais e de formação histórica, dentre eles estão o Cinema Negro (destacando filmes temáticos e de produção negra); o Personalidade Negra, que apresenta figuras representativas para a história e cultura negra; e o Afroeduca, que trabalha a conscientização sobre ser negro e, também, sobre respeitar o negro, entre outros.
 
 
“A gente trabalha em cima da cultura de paz, pois sabemos que o racismo é algo estrutural na sociedade e que só conseguiremos fazer o enfrentamento real a partir do momento em que você se conscientiza e conscientiza o outro. Então, acreditamos que a conscientização não deve ser um processo de agressão. Nossa proposta é levar essa cultura de paz para outras vias, gerando paz e alegria para se trabalhar os espaços que são habitados pela negritude e discutir a invisibilidade dos negros. É assim que procuramos gerar visibilidade, esperança, autoafirmação e empoderamento às nossas crianças e jovens”, explica a coordenadora Patrícia Rufino (foto acima). 
 
Foi dentro do processo de produção que os integrantes do Afrodiáspora passaram a tomar consciência da importância do programa. Com uma audiência cada vez mais crescente, a Rádio Universitária foi oferecendo espaços cada vezes maiores para eles. Além disso, a audiência começou a participar aos poucos. “A gente passou a perceber que, de fato, existia uma lacuna que impedia que esse tipo de discussão fosse levada para alunos, professores e sociedade. Mesmo que a questão racial seja delicada de ser abordada, a gente começou a receber telefonemas e críticas – principalmente quando discutimos a redução da maioridade penal ao vivo, pessoas ligaram incomodadas pelo fato de sermos contra. Acho interessante esse incômodo, penso que se estamos incomodando é porque estamos funcionando”, diz Adriano.
 

Ainda assim, com quatro anos no ar e muita experimentação, o programa ainda passa por alguns problemas, como a atual dificuldade de fazer o acompanhamento e a formação contínua dos bolsistas – possibilitando não só a discussão entre os membros, mas a qualificação em locução e manuseio de equipamentos. O Núcleo espera também abrir mais vagas para bolsistas do programa, com foco em cotistas negros, no intuito de amparar essa aluno a não precisar buscar emprego/estágio fora da Ufes, mesmo diante do valor bem baixo da bolsa (em torno de R$ 400). 

 

Patrícia acrescenta que há um projeto completamente pronto de oficinas que servem para estender as ações de rádio nas escola municipais, a partir da intervenção dos membros. Contudo, o projeto está parado por falta de apoio. Houve até inscrição em um edital do Ministério da Educação (MEC), mas devido aos cortes de verbas o projeto não foi contemplado. Dessa forma, o programa buscará no próximo ano por apoios municipais que possam gerar condições para o deslocamento e custeamento do programa com ações fora do campos de Goiabeiras da Ufes. Além disso, o Afrodiáspora ainda se depara com o desconhecimento e desinteresse da grande mídia por parte de sua atuação que, como frisa Patrícia, é feita o ano inteiro e não somente no mês de novembro – quando se comemora a Consciência Negra.
 
Serviço
 
O programa Afrodiáspora é veiculado na Rádio Universitária 104.7 de segunda a sexta-feira, a partir das 17h

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